A chuva faz música na minha janela, o vento assobia e esta orquestra não me deixa dormir. Saio da cama e fico no escuro olhando as sombras, as presenças que, com luz, não percebo. Olho as molduras e vêm momentos bons, as crianças eternas, as estadias em lugares mágicos. Gosto das muitas fotografias que ocupam cada espaço fazendo, por vezes, cair os livros ou escassear o lugar para arrumar as chaves e o telemóvel. Gosto da possibilidade de eternizar momentos de felicidade que são cada vez mais raros e rápidos. Na sombra, só a luz amarelada do candeeiro da rua ilumina a minha insónia, sinto chegarem pensares e sentires. Afasto os sentires de doer, escancaro a insónia aos sentires ternos e cúmplices. Deixo a palavra cúmplice enrolar-se-me na boca, escorrer pelo coração e envolver-me numa quentura gostosa. Saboreio-a, enrolo-me nela e apetece-me aplaudir a orquestra que, lá fora, insiste em acompanhar a minha noite. Vejo, então, chegarem as ausências. Vêm de mansinho, sentam-se a meu lado e lamento não ter acendido a lareira quando um arrepio me percorre. Peço colo às sombras visitantes e conto de sonhos, de farrapos, de espumas, de saudades, de medos, de possíveis, de impossíveis também.
Quando acordo, gelada, um novo dia está a nascer e as sombras partiram já. Na minha sala há, apenas, vestígios de uma orquestra cansada que, agora, murmura os últimos acordes. Em mim, há muito mais. Há os indizíveis, sempre.
soltando esses seus indizíveis peça colo às presenças, aquelas que a envolvem nessa quentura gostosa !
ResponderEliminarQuantas vezes, no escuro da noite, quando a insónia vence a necessidade de dormir e a solidão nos faz companhia, não somos invadidos por pensares, por imaginares, por recordações, por ausências, num torvelinho perturbante e barulhento que compete, em incómodo e ruído, com o vento e a chuva lá de fora?
ResponderEliminarCumprimentos.
Lindo texto Dra. Luísa, como sempre...
ResponderEliminarDevia ter acendido a lareira e feito um chá, bebido pela sua chávena "a Ímpar"! Sentia-se mais acompanhada.As sombras das ausências, isso é imaginação.Devia era descansar mais.
Mas, se descansar mais, como vamos ter escritos tão saborosos? ...
Ainda bem que tem mais animação e entusiasmo no ensino...