sábado, 27 de agosto de 2011

Velhos Amigos

Chegaram cedo. A mesa, já marcada, ainda tinha muito sol e, por isso, aceitaram a proposta de um champanhe num canto mais recatado. Ela trocou o champanhe, ainda que francês, por um sumo de limão com hortelã, bem gelado, a enganar o calor que começava finalmente a partir. Lá em baixo, tão perto que conseguiam contar as rãs saltando de pedra em seixo, o regato corria. Como a conversa. Era tempo de desfiar memórias, há quantos anos?, de falar de derrotas, de vitórias também, do tempo que restava. Tinham sido amigos, sempre, daquela amizade firme, segura, jurada nos bancos do velho Liceu, nunca precisando de cobranças nem exigências. Ele partira cedo, (continuava detestando que lhe chamassem emigrante...)  em busca de novos mundos, e ela ficara, na terra de sempre, vendo crescer os filhos, despedindo-se dos adultos do seu tempo de menina.
Hoje, como todos os anos, juntavam-se para jantar. Costumavam ser muitos, as famílias, os filhos quando pequenos, às vezes outros amigos também. Este ano, eram só os dois. E ela cuidara-se um pouco, colocara o tradicional colar de pérolas e o eterno vestido preto. Tinha uns sapatos com um pouco de salto, fora ao cabeleireiro e sentia-se confortável na idade de meio século. Ele tinha ido buscá-la, sempre educado, apesar dos seus protestos de que tinha o carro à porta e conhecia de cor o Restaurante de sempre. Mas ele fora. Abrira-lhe a porta, lera-lhe a tristeza e tinha vindo contando das últimas viagens, da visita a São Petersburgo que, há quantos anos?, tinham sonhado fazer os dois. Acabara por ir sozinho, escrevendo no computador portátil as suas impressões. Ela concordara. Sim, as primeiras impressões nunca se repetem! E ria-se da sua mania de escrever um postal a si mesma quando visitava um lugar pela primeira vez. Ele não troçara. Ele NUNCA troçava das suas pequenas manias, dos hábitos que recusava abandonar, da certeza que ela tinha de que os muros da velha Casa lhe adivinhavam os passos.
À mesa, partilhando um peixe no sal, o pregado da preferência dela, as palavras correram soltas. Para trás tinham ficado muitas mágoas, muitas dores, algumas desilusões, estilhaços de muitos sonhos; mas sim, para a frente havia ainda um oceano de possíveis. O café acompanhou o bolo de frutos vermelhos e ela sorriu ao luxo de poder ignorar as calorias. Ah!, estavam bem assim, os dois, sem culpas nem preconceitos, com a tranquila serenidade que  só os velhos amigos conseguem.

3 comentários:

  1. Pena ter trocado o champagne francês pela limonada de hortelã. É que com o pregado grelhado o champagne faz milagres e, depois, com bolo de frutos vermelhos até dá para ver estrelas.

    Brincadeiras à parte, que coisa melhor ter que velhos amigos? Além de nos reavivarem memórias tornam, quantas vezes, possível o amanhã?

    Posso contar-lhe um segredo? Conheci a minha mulher tinha ela uns 13 anos e eu pouco mais, éramos muito amigos mas o destino afastou-nos; víamo-nos quase todos os verões, até que aconteceu um jantar a dois, um jantar de recordações, um jantar com champagne - era francês - e aconteceu magia. Agora somos inseparáveis!

    Cumprimentos.

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  2. Muito bonito, o texto.
    Os amigos que nos fazem sentir assim, são verdadeiros, independentemente de serem antigos ou recentes.
    Essa serenidade também se encontra com amigos recentes, mas igualmente sinceros.
    Um abraço

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  3. Gostei, Luísa querida. Escreve sempre, diz das tuas recordações, sonhos e tudo o mais!
    Um beijo

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