sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Absurdo

Frio, chuvinha de chegar aos ossos, e solidão. Saíu de casa cedo, abotoou o casaco forte e foi andar. Tinha tempo. Tinha, escandalosa e desnecessariamente, todo o tempo do mundo. Findas as urgências, todas tão relativas, tinha agora os minutos a tecerem horas lentas e compridas. Felizmente, estava frio! Ignorou o trânsito e rumou a Cascais. Tinha um desejo absurdo de frio. De algo forte, capaz de a envolver, de a fazer crer que há um sentido. Algures.
Parou o carro e caminhou apressada, a urgência de não chegar a lugar nenhum, pisando com força o chão branco e preto de que tanto gostava. Das pastelarias, vazias, das lojas com promoções, vazias também, vinha um calor falso, produzido e não humano. Abandonou a rua principal, escolheu os becos e encontrou-se nos bancos de pedra, grafitados com palavras agudas e frustrações sexuais, virados para o mar. Sentou-se, sentindo o frio húmido, tremendo, e com vontade de se imortalizar ali. À sua frente, os espinhos de enormes cactos ocultando o rebentar das ondas. Os espinhos a permitirem vislumbrar o Belo, a impedirem o desfrutar completo. O Absurdo. Real, concreto, salgado como a água que sentia nos lábios. O Absurdo dizia presente. Desafiou-o. Aqueles cactos, ainda que enormes e cinzentos, ameaçadores nos milhentos picos, não lhe roubariam o gozo do mar da baía de Cascais. Abandonou o banco, sentou-se no muro, ficou vendo velejadores ousados, ondas enérgicas, gaivotas planando. Tinha tempo. Sim, por absurdo que isso fosse, tinha tempo que não precisava encher de coisa nenhuma. Agora, tinha já todo o tempo do mundo.

3 comentários:

  1. É bom ter tempo, ter o tempo do mundo, ter o tempo da vida, ter o tempo da liberdade, ter o tempo que vem depois do fim, o tempo absurdamente vazio e cheio de coisa nenhuma!

    Cumprimentos.

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  2. É bom estar ao pé do mar com tempo quente, mas é fascinante contemplá-lo de Inverno. Além disso dá-nos sensação de libertação.
    Será uma delícia, ter todo o tempo do mundo, para ficar a olhá-lo!

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  3. Há sempre um sentido. Algures. Nem sempre se vê logo, mas eu acredito nisto!
    A vida é um deambular de sombras e muitas vezes somos sombras.
    Quando nos esquecemos.
    Quando nos esquecemos de nós.
    E dos outros. Os outros dão esse sentido à vida, ao absurdo. Sem eles, não haveria sentido.
    Tu sabes bem isso!
    Há sempre um sentido qualquer...
    beijo

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