De um lado para o outro, ignorando a espuma das ondas desfeitas, pensava na existência. Estava sozinha, como quase sempre, mas aliviada por, finalmente, poder ter a praia só para si, sem intromissões humanas que sempre a irritavam. Gostava de caminhar assim, marcando a areia, saltitando quando encontrava uma concha no trajecto. Gostava, também, daquelas manhãs frias, silenciosas, quando abandonava o ninho escondido na rocha antes de todas as outras aves.
Caminhava até ao fundo da praia e voltava, na mesma direcção, tentando encontrar para a vida o alinhamento preciso daqueles passeios matinais. Era difícil...
Sentia-se diferente. Estupida e singularmente diferente no bando que integrava. Talvez, porque não?, fosse mesmo herdeira de Fernão Capelo Gaivota; ou talvez tivesse nascido de um ovo tresmalhado. A razão da diferença, desconhecia-a, mas a certeza dessa mesma diferença sentia-a viva. Sentia-a agora, quando desafiava a orla branca da espuma contente com o frio que libertava a sua praia. Sentia-a quando todas voavam no bando grosso e ela ficava observando, no ninho, os voos regulares. Gritavam-lhe a diferença as outras, avisando que nunca seria como elas, que nunca iria longe. Nem sabiam que não queria ir longe, que não queria ser igual às iguais.
Era uma gaivota apenas. E ainda assim conhecia o prazer de ser levada pelo vento, o mistério das noites estreladas, a força daquele mar cheiroso que lhe entontecia os sentidos. Um dia, sabia-o bem, iria desaparecer, aí como todas, na igualdade imposta. Até lá, tinha esse sonho, havia de escrever um Poema Real naquela areia da sua realização. E caminhava, sempre, na berma daquela ondulação.
Gostei muito do seu texto.
ResponderEliminar"Fernão Capelo Gaivota" é um belo livro. Tenho vários livros do Richard Bach. Esse e "A ponte para a Eternidade" são os meus preferidos.
Um abraço
"Fernão Capelo Gaivota passou o resto dos seus dias sozinho, mas voou muito além dos longínquos telhados.
ResponderEliminarA sua única mágoa não era a solidão - era perceber que as outras gaivotas se negavam a acreditar na glória de voar, que se recusavam a abrir os olhos e ver".
Como a entendo...
Cumprimentos.
"Ao amanhecer havia cerca de mil pássaros escutando e tentando compreender Fernão Capelo Gaivota.
ResponderEliminarEle disse-lhe coisas muito simples: que uma gaivota nasceu para voar, que a liberdade é a essência do seu ser e que todo o obstáculo a essa liberdade deve ser evitado.
Podemos ser livres!
Podemos aprender a voar!"
Liberdade, a rimar com tranquilidade, com felicidade, com verdade...
Cumprimentos.
Também eu me sinto como essa gaivota: diferente. Estupida e singularmente diferente no bando que integro.
ResponderEliminarSinto uma certa inveja,até. Também eu queria voar para longe. Bem longe...
Se temos o poder de voar em pensamento, podemos ir aonde quisermos. E se damos conta que seremos diferentes num bando, então é porque estamos conscientes que estamos certos, e a conseguir vermo-nos por dentro...e aqui está a nossa liberdade...não é?
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