Acordam abraçados. A janela grande, o vidro espesso, impede a entrada do calor excessivo e ficam ali, dedos enlaçados, deixando o tempo correr. Há palavras soltas, sem fazerem conversa sequer, saltitando no quarto em desalinho, tentando, em vão, arrastá-los para a realidade. Negam-na. Vivem o sonho.
Têm o vidro, estão protegidos, e o abraço prolonga-se no desleixo cómodo. Lá em baixo é o mundo - "metade de nada" - e eles têm o tudo naquele acordar de novo. Não despertam, acordam para o novo possível, para a nova oportunidade, para o sonho que recuperam, e não há culpas, não há remorso, há só o momento. E o vidro. O vidro sem marcas de dedos, sem presenças de outros passados, protegendo-os, preservando-os e, simultaneamente, mostrando-lhes que, lá longe, há o mundo, o quotidiano, esperando por mais um acordar. Ela tem os cabelos despenteados, soltos nos lençois imaculados, e ele descansa a mão na coxa abandonada sobre a sua. Os relógios avançam, as palavras voltam, agora procurando sentidos. É o mundo a chamar, a exigir sempre a visibilidade que não desejam. Ele levanta-se primeiro. Ela segue-o. Olham a existência alheia e, mudos, sentem crescer à sua volta o vidro invisível que sempre os protegerá. Sabem que serão só dois, numa cumplicidade total, numa teia inviolável. Ah! É bom poder recomeçar, é bom poder acreditar que o novo dia nasce, de facto, com um mundo a estrear.
Espero que esse vidro seja daqueles inquebráveis, que não se estilhace ao menor cisco de poeira, e se mantenha transparente para que nada se oculte.
ResponderEliminarUm vidro assim deve ser único, como único deve ser o amor de cada um.
A nossa casa é toda envidraçada; apenas mandámos colocar um vidro escurecido para que os meus vizinhos do 3º andar não queiram plagiar o nosso amor!
Cumprimentos
Lá para dentro destes vidros todos, nota-se uma certa paz, apesar de nós não vermos nada...nota, nota...!!
ResponderEliminarAi estes acordares tão serenos e renovados...