quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Receios

A minha alma é triste como um sobreiro amputado. Podia ser Caeiro, o guardador de rebanhos, se ele tivesse vivido no Alentejo. Mas não é Caeiro. Não é poesia sequer. É, apenas, a minha alma a escurecer, por antinomia ao sol intenso de uma natureza desordenada.
Olho, procuro ver, e, talvez ofuscada pelo sol nu, não compreendo o que encaro. Doem-me os pensares, tremem os sentires. A minha alma fecha-se como a tartaruga, mas a casca parece não resistir.
Chovem pedradas moles, feitas de palavras negras, que me tornam os olhos fontes. Vivo. Ou não vivo e, apenas, vejo a vida passar, faço escala nas muitas estações e vou deixando, no percurso, a minha bagagem real, portadora de um bilhete que não comprei e que, exigem-me, devo apresentar ao cobrador. 
Um dia, sei-o bem, vou chegar. Será a última estação e, temo, não reconhecerei a paisagem, não serei capaz de identificar os espaços onde fui perdendo a bagagem.

3 comentários:

  1. Espere no apeadeiro da vida, de bagagem pronta e com um bilhete de volta à esperança.
    Vai ver que a viagem vale a pena.
    Cumprimentos.

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  2. Ó Setôra Luísa Moreira, isso que sente, não será por causa de o sol andar baixo, como diz o nosso povo?...
    Mas o tempo assim até vai alegre..
    Porque não, uma praiazinha com uma caipirinha, no fim de semana para animar...e pronto?

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  3. Alijar de carga

    Houve que alijar a carga.
    A viagem é longa
    e este percurso é pessoal, solitário,
    além de que não é licito
    o retrocesso.
    Não há outra maneira de contornar
    a realidade, desde que
    passámos a adquirir um bilhete.

    Ficou para trás a linha de flamingos
    na língua da areia.
    Ficou a rapariga do bar da Foz,
    com que olhos azuis enchendo o ar...
    Ficou o velho das castanhas assadas,
    envolto em fumarada.
    Enfim ficou também o eléctrico amarelo em seu
    fim de viagem.

    No porão apenas vão:
    o desagravo,
    sabendo a sal,
    e um mundo de interrogações.

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