Ouve-se ao longe, no longe de tempo e espaço, o silvo do combóio que passa a caminho de Espanha. Dantes, passava todos os dias, ele ouvia-o nos campos, no aparar das searas, no acerto da poda, no limpar dos cachos da uva tinta. Era jovem, então, e muitas vezes pensou como seria seguir o silvo que cortava o ar tranquilo, que assustava os sobreiros e fazia estacar, de orelhas em riste, as lebres que viviam nos marouços. Aquele silvo, que angustiava e doía, seduzia-o sempre.
Mas resistira, permanecera ali, preso por raízes fortes à terra onde nascera, murchando com a secura da planície, vendo surgirem-lhe as rugas que acompanhavam o escurecer da terra vermelha. Bem cedo, tantas alvoradas laranja!, ouvia o silvo do nordeste. Do seu nordeste. Ouvia-o na pele, na alma também, e sentia ali o poema vivo que, tantas vezes, o balir das suas ovelhas musicava.
Hoje, o silvo vinha húmido, o outono desejado a chegar, carregava cheiros frescos e promessas de mudança. Quereria ele, homem de nordeste, mudar também?
- Talvez tivesse perdido a oportunidade de o fazer. Sim, a vida faz-se de oportunidades, sem cedência a hesitações...
Talvez devesse ter seguido o silvo que o seduzia há muitos anos já. Talvez houvesse, na vida das gentes como nos tempos dos campos, momentos únicos e irrepetíveis. Tinha assistido a tantas partidas! Partira ela, cansada do silêncio, incapaz de compreender a força de uma terra que não era dela, que tentara amar por paixão a ele. Talvez devesse tê-la seguido. Talvez o olhar dela, triste e húmido ao partir, fosse o silvo silencioso que deveria ter seguido. Talvez, pensava, um homem devesse ser capaz de ouvir os silvos que, tantas vezes, soam silenciosos nos afectos das mulheres.
Quando o amor é mesmo amor, não há silvo que nos faça levantar voo...qualquer chão serve, seja planície ou seja monte!
ResponderEliminarTexto saboroso...
Não devemos abandonar nunca a nossa terra. A nossa raiz...
ResponderEliminarDevemos seguir o coração? Devemos ir atrás dos sonhos? Devemos largar o campo fértil para seguir a felicidade?
ResponderEliminarSempre!
Só não vale a pena seguir atrás de quimeras... e ir atrás dos valores.
Cumprimentos.
Quase sempre, muitos de nós,com as correntes a que a vida nos amarra, fazemos "ouvidos moucos", aos silvos que nos soam.
ResponderEliminarTexto muito bonito, minha querida!
ResponderEliminarQuanto a partir...há sempre um silvo na nossa vida que se ouve mais do que os outros!
E esse é que nos faz mover daqui para ali...ou ficar.
Beijinhos neste domingo de chuva em que estou a pensar em ti!