terça-feira, 31 de março de 2020

NOITE

Está escuro, chove meu amor. Estou aqui, no silêncio que Strauss interrompe trazido pelo Spotify, (como gosto destas valsas), e penso na vida. Ou no que fazemos dela. Tenho saudades de possíveis que nunca o foram, lamento desistências e abandonos e, a cada noite acordada, cresce a minha convicção de que não é o ódio, nem sequer a raiva, que dão sentido à vida. Havemos de superar a Covid-19. Sabes que as cerejeiras prometem muito fruto? Sim, já sei, os pardais, sobretudo os melros, vão comer as cerejas antes que as colhamos. Mas não faz mal. Sabes, amor, agora nada faz mal. Porque há um mal maior e, esse sim, incomoda e perturba. 
Não consigo dormir. Tenho tanto medo. Medo pelos netos, pelas filhas, pelos amigos, pelos alunos. Medo do reinventar da existência. Sim, amor, vamos ter de ser capazes de reinventar a existência, o quotidiano, a sucessão de agoras que nos pintaram de branco o cabelo.
Tenho saudades da paz, amor. Saudades de quando havia certezas e a noite servia para descansar e carregar baterias.
Havemos de superar. 
Promete!

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