segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Arrumações

Incomodada pela necessidade (?) de arrumar gavetas e papéis, fui ao dicionário procurar uma razão, científica, para realizar a tarefa que odeio. Vi que arrumar significa, apenas, pôr em ordem. Ora, a ordem é uma coisa/ideia muito subjectiva. O que é, por exemplo, a ordem social? Qual é a ordem da vida? Porque é que meter na ordem há-de ser, tantas vezes, fazer o que alguém manda e que não interessa ao próprio? Consciente de ter desculpa para considerar ordem a desordem das minhas gavetas, estive tentada a enfiar outra vez tudo lá para dentro, misturando Verão e Inverno, em t-shirts e camisolas. Mas já então tinha montado uma feira em cima da minha cama e a roupa, feliz por se ver em liberdade, aproveitou para inchar, recusando-se a caber ao monte na gaveta de onde saira. Refilando, lá fui dobrando, eliminando, selecionando, e arrumando a gaveta. Escolhi a ordem colorida primeiro, mas cedo descobri que não era funcional porque tenho quase sempre as mesmas cores. Então, optei pela frequência de utilização e concluí, no final, que há muita coisa que nunca uso e que continuará no fundo da gaveta até que, um dia, termine na secção dos eliminados. Dei então comigo a pensar no que faria se me dispusesse a arrumar sentires e pensares. Com paciência, enquanto dobrava peças de roupa, fui separando os pensamentos frequente e úteis, dos raros e dos inúteis. Arrumei-os por frequência e concluí, bem chateada, que são muito mais os frequentes e inúteis, do que os raros e úteis! Vivemos, ou se calhar só eu que vivo, num mundo de obrigatoriedades, de imposições, de comportamentos e atitudes tão sujeitos a avaliação, que nos esquecemos, ou talvez apenas eu me esqueça, dos pensamentos/sonhos/memórias de coisas boas. Desisti de arrumar as gavetas, fiquei-me pelas duas primeiras, e fui arrumar pensares. No fundo da memória, lá onde só com esforço chego, empilhei os pensares de doer. Os que se fazem de mágoas, de incompreensões e desilusões. Por cima, deixei as memórias da infância, às vezes boas de recuperar e rever. A seguir, ficaram as ousadias, os possíveis, as muitas coisas boas da minha vida longa. A terminar, bem à mão de semear, deixei a capacidade de sonhar, a Fé em dias melhores, a convicção de partilhas, a utopia constante. Ao lado, arrumei os meus poetas de sempre. Sem eles não sei existir. Agora, resta-me desejar que tudo se mantenha na ordem certa e que, ao contrário da gaveta da roupa, não volte tudo num instante à desordem e desalinho!

2 comentários:

  1. Às vezes basta um sopro leve do vento da vida e lá se vai a arrumação dos pensamentos, dos sentires, dos desejos e dos possíveis.

    Ordem, prioridades, necessidades, tudo, ou quase tudo, se altera ao sabor dos percursos da vida.

    Só o que, realmente, faz parte fundamental do alicerce da nossa existência é que não muda e se mantém em ordem e a justificar o nosso viver.

    Cumprimentos.

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  2. Adoro este texto!!
    Que bom que, não seja só eu a sentir, a todos os níveis, mesmos os das t-shirts de verão e de inverno...muitas,demais, e depois a vestir sempre as preferidas e das mesmas cores, 2 ou 3.
    Os pensamentos e realizações mais urgentes, esses, enfio lá bem no fundo e vou adiando...adiando...
    Escreve com mestria!
    Venho espreitar os seus textos quase sempre à noite, com o entusiasmo que, quando tinha os meus 7 ou 8 anos, metia os livros da Enid Blyton debaixo dos cobertores e lia com uma lanterna para não ser apanhada, a ler a altas horas...,isto já foi há uns quarenta e alguns aninhos.
    Já agora: tem de fazer a marmelada.E quando as suas meninas vierem?
    Eu, nem sequer tenho meninas, mas os irmãos perguntam logo como ficou a marmelada este ano...,papam-me as tigelas quase todas...
    Felicito-a!

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