terça-feira, 6 de setembro de 2011

Mau Humor

Cedo, bem cedo, e a cidade a acordar. Hora de sombras, de reflexos, de brilhos, de luz difusa. Para ela, a oportunidade de viver a cidade limpa de gente, livre dos ruídos da civilização, perto mais da Poesia que a fazia gostar de sentar-se ali e, indiferente ao vento de fim de Verão, saborear uma bica mal tirada - A senhora veio cedo demais, a máquina ainda não aqueceu! Não fazia mal, preferia o café assim, sem força e morno, do que a espera pelo aquecimento da máquina. Esperas não queria mais. Estava farta de esperar, de adiar, de ter calma, de compreender, de crer em futuros eternos. Preferia o café morno, como preferia a vida possível à espera dolorosa pela perfeição impossível. Estava diferente, sentia. Onde ficara a sonhadora sempre confiante? Onde perdera o outro eu que lhe fazia tanta falta? E ria-se ao lembrar a reportagem da Visão, garantindo que era depois dos 50 que as pessoas atingiam o desenvolvimento ideal, que encaravam a vida desfrutando dela plenamente. Balelas! Deviam vir na senda da incrível adolescentização (se há acordo ortográfico, até ela podia inventar palavras. Chamar-lhes-ia neologismos...) que fazia com que adultos de 20 anos fossem vistos como jovens imberbes. E idiotas, às vezes.
Os 50 anos traziam, apenas, rugas, cansaço, dores nas articulações e, talvez, a capacidade de se poder fazer escolhas, e tomar decisões, ignorando as opiniões alheias. Trazia a capacidade de se olhar-o-hoje desligado do ontem, porque o amanhã poderá ser inexistente.
Aqueceu as mãos na chávena Delta, o poder do Sr. Nabeiro, e pediu ao vento que levasse para longe os seus pensamentos incómodos, cruelmente reais. Olhou Lisboa. Nascera ali, naquela cidade linda, mas não era dali. Não se é de onde se nasce, mas de onde se aprende a ser. E ela era de longe. Do espaço sem fim, dos tons amarelos, da zona das águias, dos falares arrastados e dos olhares escuros. Levantou-se, porque chegavam os primeiros turistas, uma camioneta carregadinha de insuportáveis japoneses, e fugiu para o Tejo conseguindo, quase milagre, escapar aos frenéticos disparos das máquinas Nikon de grandes canhões. Estava de mau humor. Mas num país com tantas proibições, o mau humor ainda estava livre de impostos.

3 comentários:

  1. Bom dia
    eu também acho que os 50 trazem algumas vantagens. Realmente é pena que começam a aparecer as "mazelas", mas a juventude também as tem doutra maneira.
    Estou a gostar dos meus 50 (embora nem tudo seja perfeito, claro...)
    Um abraço

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  2. Parece que acordou mal disposta mesmo!

    Espero que o Tejo, no seu remanso de águas turvas, mas sempre em movimento, lhe tenha devolvido o humor bom que nos faz sorrir para a vida...

    Cumprimentos.

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