sábado, 10 de setembro de 2011

A Feira das Cebolas

Era todos os anos assim. Mais ou menos assim. Era sempre em Setembro, agora setembro, nos dias 8-9-10 e 11, e havia sempre tourada. Da de verdade, com cavaleiros, forcados, calor, touros, e até cabrestos chamados madrinhas. Havia também de outras touradas, mas essas não tinham direito a cartaz, nem precisavam de cobrar bilhete. Era mesmo assim a Feira das Cebolas. Dantes, no centro da cidade, apareciam as résteas, tranças loiras sem cabeça, que haviam de garantir a presença das cebolas ao longo do ano. Vinham, também, os barros, os plásticos, as frutas, as cuecas a pares, as peúgas às riscas, as barracas de tiro, o algodão doce imaculadamente branco (não havia em cor-de-rosa), as farturas e os carrosseis. Quando eu era miúda, vinham os carrinhos de choque, cinco escudos vinte fichas, os aviões de dois lugares, ideais para namoros proibidos e o carrossel sobe-e-desce com girafas e cavalos. O meu Pai tinha pavor dos aviões da feira (dos outros também) e fazia-nos jurar que não entrariamos neles. Os meus irmãos, não sei como faziam, mas eu jurava de dedos cruzados atrás das costas, e levava a noite - até às 11! (pior que a cinderela), a subir e a descer. Adorava subir, ver as estrelas mais perto, sentir as vertigens da velocidade e o vento fresco do início de Setembro. O medo, mais dramatizado que real, era pretexto para fechar os olhos e rir livremente. Também gostava dos carrinhos de choque, - uma voltinha - uma voltarela, para a menina da saia amarela - , da perícia necessária para escapar aos amigos que adoravam chocar de frente. Quando chegava a Feira das Cebolas, vinham sempre amigos dos meus pais, a casa ficava cheia de gente e eu inchava de orgulho por TUDO acontecer na minha cidade.
Agora, a Feira das Cebolas é num terreno próprio, fechada entre grades, com parques de estacionamento insuficientes, sem carrinhos de choque nem aviões, sem farturas nem frangos assados. Agora, já não vou à Feira das Cebolas, já não compro tranças loiras, já não subo nos aviões, já não juro com dedos cruzados, já não vou à tourada sequer. Agora, com tanta normalização, regra, proibição, imposição, sinto uma desolação tal que, juro sem cruzar os dedos, as lágrimas são mais do que as que me provocam as cebolas que descasco...

2 comentários:

  1. Querida,
    a minha recordação da feira das cebolas é a Tourada. Iamos SEMPRE!! Lembro-me do avô andar a tratar dos bilhetes,de querer ir muito cedo e vir embora antes da última pega. Lembro-me de me zangar com ele porque eu queria ficar mesmo até ao fim... Depois começamos a ir só as duas. E era tão bom, mãe. Era tão bom ir contigo e "mostrar" a toda a gente que TU ÉS A MINHA MÃE. E que me orgulho disso! Temos boas recordações...não há dúvidas!
    Mil beijos

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  2. «Não chores porque acabou, sorri porque aconteceu...?» Alguém diz isto. E que o presente se vive com as experiências e todas as vivências do passado.Parecem frases feitas, mas acho-lhes um grande sentido.
    E esta menina aqui será uma prova disso...

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