Há uns anos li a obra Bilhete de Identidade, de Maria Filomena Mónica. Lembro-me que achei o livro um pouco excessivo, provocatório até, e que me surpreendi com a coragem de referir nomes muito conhecidos da vida política e, nem sempre, de forma simpática. Gostei da escrita, fluida e escorreita, directa e correcta. Não me chocou que falasse de si mesma, acho isso natural e acredito na justificação que ela dá: "(...) começo pela minha experiência, esperando conseguir elevar-me, com base nela, a uma perspectiva geral". Assim, mal ouvi o Professor Marcelo (que me irrita intensamente!) falar na obra A Morte, comecei a procurá-la. Finalmente, consegui encontrá-la e li-a de um sopro.
Ao contrário da autora, desde muito cedo que a morte me faz pensar. Em miúda, lembro-me de olhar o céu e de pensar como seria possível viver lá toda a gente, fazendo-me confusão aspectos tão banais como a lavagem da roupa ou a alimentação. Pensava no Inferno, e tinha medo do fogo, do diabo, e do calor que sempre detestei. Talvez por uma catequese mal feita, ou por alguns excessos da religião católica, imaginava Deus como um indivíduo de humores, disposto a apontar o dedo a cada um de nós e, especialmente, a mim... Mas hoje, passada a barreira dos 50, olho a morte de outro modo. Olho Deus de outro modo, também. Às vezes, acho que a Morte deve ser libertadora, outras vezes temo-a. Mas, mais do que a Morte, temo, sobretudo, o envelhecimento e a perda das minhas faculdades mentais. Temo a solidão e o abandono, também.
Como Maria Filomena Mónica, apesar de eu ser católica e ela ateia, acho que deviamos poder decidir sobre a hora da nossa morte em caso de doença incurável, de demência ou de outra qualquer limitação à nossa condição humana. Chamem-lhe eutanásia, suicídio consentido, morte assistida, não me interessa. Mas permitam-nos, enquanto estamos lúcidos, deixar escrita e legalizada a nossa opção de morte.
Na minha cidade, no meu Alentejo amado, o suicídio é muito frequente e se, muitas vezes, o vejo como uma cobardia, muitas outras encaro-o como um acto de grande coragem. Não sei se um dia terei essa coragem, mas espero que no meu país, como em muitos outros, o poder político decida, sem referendos nem falsas morais, conceder-nos o direito à Morte digna. Agora, ouvindo os silêncios da grande cidade sempre estranha, penso no fim, no silêncio total, na paz eterna.Tantas vezes desejo a paz.
Mas a paz deve ser vivida e não "morrida", a tranquilidade deve ser apreciada e não "jazida", o silêncio merece ser apreciado e não "sepulcrado"...
ResponderEliminarEntão, ainda ontem estava a fazer a mala grande para a tal viagem de sonho e dos sonhos e hoje já quer partir para outra sem destino certo?
Acho que tem que mudar de agência de viagens...
Cumprimentos.
Não conheço o livro. Gostei do que tu disseste, às vezes penso que é indecente as pessoas chegarem a situações de decadência, solidão, infelicidade e compreendo a vontade de "ir embora". Aceito que as "ajudem" a morrer...
ResponderEliminarUm grande beijo!
Não acho que o suicido seja um acto de cobardia. A maior parte das vezes é um grito de solidão. E penso que no Alentejo há muito suicídio de pessoas idosas, não é? Pessoas sós.
ResponderEliminarTambém não tenho medo da morte, mas tenho do sofrimento que muitas vezes lhe está associado. E por isso, e porque também gostaria de poder escolher, se fosse caso disso, concordo com a legalização da eutanásia ou algo assim.
Já estive com esse livro da Maria Filomena Mónica na mão e acabei por não o comprar, mas ainda hei-de comprá-lo.
Já agora, eu gosto muito de ouvir o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.
Um abraço