segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Reencontro

Chegaram em cima da hora, olhando o número da fila, da cadeira, e sentando-se enfim. Ele viu-me primeiro e sorriu um cumprimento tímido e simpático, murmurando olha a professora. Ela abriu-se no sorriso lindo que recordo na carteira junto à janela. Olá Professora! Há quanto tempo!!
Começou o jazz. Intenso, muito bom mesmo, embora vindo da Suécia (lugar estranho para jazz), lembrava New Orleans...
De vez em quando, discretamente, olhava os meus antigos alunos. Há quanto tempo? Dez anos? Nove? Pareciam-me os mesmos miúdos. Ela, trabalhadora e brilhante, sempre atenta e empenhada; ele sendo rebocado, mais preguiçoso, menos voluntarioso, igualmente educado. Agora, ali estavam, de mãos dadas, lindos!, com aquela beleza que só a cumplicidade efectiva, o Amor verdadeiro consegue dar. Ela mais mulher, ele mais homem, e as mãos esguias sempre unidas, os dedos naturalmente enlaçados.
No final, aplaudindo de pé, perguntei-lhes pela vida. Se lhes fora mansa. E ela, como se pedisse desculpa pela perfeição, anunciou o curso de medicina concluído, o lugar no Hospital de Évora. E ele? Terapeuta. Não perguntei se já tinham casado porque, sinceramente, com a felicidade que transpiravam esse pormenor nada interessava.
É bom assistir à passagem do tempo, quando a vida faz sentido!! É bom reencontrar gente que vi crescer e que, para além da literatura e da gramática, acertou no texto da existência humana...

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Fantasia

Segurava com força a mão da Mãe e sorria um sorriso total. Ali, mesmo junto dele, estavam o Peter Pan, a Wendy, a fada Sininho, a torre de Londres onde todos voavam descalços e de pijama. Lá atrás, vinha o Rei Leão, o Simba, o Timon e o Pumba e, ali mesmo dançando na estrada, estava a Minnie e o seu eterno namorado, o Mickey! A seus olhos, era a felicidade suprema , ela mesma feita de faz-de-conta e realidade. Os olhos brilhantes, as mãos sujas de algodão doce, as meias caídas e os cabelos desalinhados não denunciavam o galopar desenfreado do coração de criança. Sentia a presença da Mãe de um lado, do Pai do outro, e não sabia o que dizer. Afinal, os livros que lhe enchiam as prateleiras do quarto, as histórias que sempre o Pai ou a Mãe lhe liam antes de adormecer, vinham daquele lugar de verdade. Os seus amigos de papel pintado tinham vida e saíam da caixa da televisão, do ecran da consola e do computador!
Tinha sido o seu presente de anos, oito anos!, e percebia agora o que Mãe, ao ajudá-lo a vestir o casaco, lhe dissera: - Para que percebas que a fantasia e o sonho fazem sempre sentido, vamos passar dois dias na Eurodisney!!!

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

OCO

Quando as palavras perdem o sentido, a escrita apaga-se.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Os Românticos

Amantes incondicionais, carregados de subjetividade, os românticos identificavam-se com a Natureza. Hoje, olho da minha janela e sinto ecoar em mim a poesia de Garrett, as palavras dos poetas da paixão e do amor exacerbado. É que parece que chegou a Primavera, ainda que com quase um mês de avanço. As mimosas estão em flor, as amendoeiras vestidas de branco, os campos atapetados de verde moço.
Hoje, agora bem cedo, a Natureza parece querer dizer que sim. Que vale a pena, que há sempre hipótese de renovação, que o cinzentismo não será eterno...
"...Todo o Mundo é composto de mudança". Seria Camões um percursor do Romantismo?!

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Aprendizagens Activas

Eramos 29 almas curiosas e ansiosas. Esperavam-nos 4 dias diferentes, de experiências e desafios, entre Estrasburgo e Paris. Para o caminho, autocarro, avião, TGV, bus, tramway. O frio anunciado não metia medo, a comida estranha também não, e apenas a língua, já ninguém fala francês..., assustava um bocadinho.
Partimos. Os dias voaram, entre gargalhadas, arrastares de malas, voltas loucas nas montanhas malucas da Disney, brincadeiras e trabalho sério. O dia vivido no Parlamento Europeu foi o culminar de um processo, e a vivência desse dia, a experiência de trabalhar com jovens de 20 diferentes países, foi a "cereja no cimo do bolo".
Mas, para mim, foram sobretudo dias de aprendizagens efectivamente activas e participadas.
Tenho a certeza, posso mesmo jurar, que para os jovens que integraram esta actividade, um dia no Parlamento Europeu, a Escola ganhou um novo significado. Vi-os crescer e, apesar das noites sem dormir, das dores de pernas e dos horários violentos, sinto-me feiz por ter ajudado estes miúdos (serão sempre os meus miúdos) a aprender a ser pessoas. Claro que a Escola não pode fazer-se apenas de viagens e passeios, mas, sem dúvida, estes momentos dão-lhe um novo sentido...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Priority Boarding

Chegaram devagarinho, de braço dado e ele carregando a carteira de mão dela, à fila do embarque. Confirmarm, num inglês mesmo british, que tinham bilhete para embarque prioritário e ficaram na fila. Encostavam-se um ao outro e não pude deixar de reparar na ternura com que o faziam. Ela, de pele muito branca, com as mãos onde corriam veias muito azuis à transparência, vestia um saia-casaco de bom corte, salmão, com um camiseiro branco e um simples colar de pérolas brancas, uma só volta, no pescoço. Apesar das muitas rugas, percebia-se que fora bonita e os olhos, teriam sido azuis?, brilhavam em risquinhas cinzentas. Ele, mais alto, um pouco curvado já, tinha o cabelo de um branco imaculado, a cara rapada e um chapéu de feltro, castanho, que segurava numa das mão, junto à gabardina Burburry's de forro escocês. Falavam baixinho, como se o mundo fosse só deles, numa intimidade cúmplice e, a meus olhos, perfeita. Reparei que traziam três alianças, decerto já haviam festejado bodas de ouro, mas ainda se apoiavam com ternura. Qual seria o segredo para manter vivo o amor ao longo de tantos anos?!
Porque o embarque tratava, ela murmurou cansaço e ele, cortês, levou-a pelo braço até à cadeira voltando para retomar o seu lugar na fila. Notei que a velha senhora não tirava os olhos do seu homem, e percebi que ele não desviava dela os seus. Quando se iniciou o embarque, ela veio de novo dar-lhe o braço. Deixei que passassem à minha frente e reparei que escolhiam os lugares da primeira fila no avião. A meio da viagem, três horas voando, fui à casa de banho e vi que a senhora dormitava encostada no ombro dele. Sério, de olhar fixo, ele segurava-lhe a mão transparente. À chegada a Faro vi-os recolherem a bagagem, duas malas de xadrez, e observei-os, sempre devagarinho, a encaminharem-se para a saída. Eu própria encontrei a minha boleia e perdi-os de vista... Mas impressionou-me o velho casal. Acho que, de certa forma, fiquei com um pouquinho de inveja da senhora velhinha, de três alianças e com um braço atento onde se apoiar.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Os ões

Eu gosto da minha língua, da portuguesa, cheia de metasignificados, de possibilidades ternas, de jogos e desafios. Gosto das palavras saborosas, que se enrolam na língua e se desfazem em açucar de zero calorias, das palavras com história, que sempre me trazem aventuras e paixões. Gosto, também, de brincar com os dizeres, com os sons da minha língua, e fico estupidamente feliz quando, no estrangeiro, me perguntam que língua estou a falar que soa tão bem.
No entanto, há palavras na minha língua que me magoam e que, sinceramente, dispenso. São quase todas as que fazem o plural em ões. Detesto proibições, desilusões, suspeições, agressões, insinuações. Em ões, só gosto mesmo dos calções do Manuel Bernardo. Mas ele fica lindo sempre!!!