quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

2015

Não tarda, aí está o ano novo. A esta hora, muita gente se prepara em grande para o receber, há corridas aos cabeleireiros e lamentos por causa daqueles quilinhos  a mais que o Natal ofereceu... Depois, muita gente vai gastar imenso dinheiro, vai sentir-se na obrigação de estar alegre, vai dançar, comer, beber champanhe, contar passas e, tarde na noite, dormir finalmente. A tudo isto o 2015 vai assistir, escondido, esperando o momento certo para agir. 
E vai agir precisamente quando tivermos baixado a guarda, quando os penteados estiverem desfeitos e os nós das gravatas desalinhados. Vai revelar-se no retorno à vida real, afinal igual, fazendo com que esbarremos com a evidência: - Apenas envelhecemos! 
Acho que, a cada ano, sinto mais esta angústia do nada, o conflito com a inexistência da mudança. Resta-me o sonho, o desejo inconsciente de que o novo tempo me traga forças para tomar as rédeas da minha vida fazendo-a percorrer o caminho que quero fazer. Não vou gastar dinheiro, não vou sair de casa, mas vou ter comigo a verdadeira ternura dos meus netos, o carinho imenso da minha filha e, no coração, a certeza de que as minhas outras meninas pensam em mim.  Talvez, assim Deus me ajude, este 2015 seja finalmente um ano de grande - ENORME - mudança na minha vida...Como diz Pessoa "sem o sonho, que é o homem senão um cadáver adiado que procria"?

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O RESTO

Não que tivessem sido grandes amigos. Ele tinha chegado havia pouco tempo, chovia mansinho, de patas atadas no porta bagagem do carro da dona. Ela, com receio, desatara-o e deixara-o ali, no meio das galinhas e a ser vítima do peneiroso do galo branco. A esse sim, haviam de lhe cortar o pescoço! Um convencido, de mais a mais madrugador, sem distinguir sequer o Verão do Inverno, passeando emproado pelo galinheiro como fosse o dono da quinta. Lá porque tinha sete galinhas por conta, não era motivo para tanta antipatia! Mas o peru não. Modesto, humilde, até o glugluglu saía de mansinho para não irritar o galo branco.
Tinha vindo do campo, animal de vistas largas, habituado a largueza e sem lugar para peneiras nem vaidades. Depois, vendo bem, como podia um homem, ainda que peru, ser peneiroso depois de uma chegada de patas atadas?! Coitado, tinha sido simpático. Ele, cão da casa, não lhe dera logo confiança. Não! Isto da confiança ganha-se, não se dá assim às boas. Para essas facilidades bastavam as crianças que, mal chegavam, abusavam dele o mais que podiam... Fizera-se rogado, chegara até a mandar-lhe duas ladradelas de aviso, só para que soubesse quem mandava, mas depois gostara da conversa dele, das histórias que contava da família, garantia que eram mais de cinquenta lá no campo onde vivia, e começara até a ter uma certa amizade pelo animal. E se ele era feio! Bem se emproava, mas a tromba caída, o rosto azulado, não ajudavam mesmo. Tinha-lhe ensinado o rasto das minhocas, falara-lhe do céu gelado da manhã, das aguarelas vermelhas do fim de tarde.
Uma manhã tinham-no levado e, agora, ali estava o esqueleto para ele saborear. Salivava. Afinal, tinham sido quase amigos... Mas ele que lhe perdoasse, um cão é um cão!

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Noite de Natal


Escolheu a toalha de renda, retirou-a com cuidado do fundo da arca velha e colocou-a sobre a mesa grande. No meio, entre pinhas e azevinho, muitas e muitas velas, porque ela precisava de Luz. Com a neta pequena a dormir a sesta, a casa no silêncio perfumado do leite de creme acabado de queimar, foi colocando o bolo inglês ainda quente, o tronco de Natal, a travessa das azevias, o bolo rainha, os guardanapos bordados. Reconhecia o desvelo exagerado mas, sabia, era a sua forma de iludir a realidade e de se proteger. Sim, na Noite de Natal, e com a casa cheia, precisava de se proteger da saudade, do desinteresse, do abandono também. Vinham memórias de outras Noites, é tão bom ser criança..., mas ela afastava-as para pensar o momento, o desejo de tão pouca coisa nunca possível. E a mesa ganhava cor, luz, as velas nos copos a encher os parapeitos das janelas antigas para lembrar a Paz. Paz para o mundo, mas Paz também para ela, mulher, mãe e avó! 

 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Distrações

É sempre assim, no Natal! Vêm os netos, enche-se a velha Casa de ruídos e cheiros, a cozinha exige presença constante e a vida mete férias. É tão bom quando a minha vida mete férias e leva com ela angústias e desilusões... Agora, o tempo faz-se da inocência da Constança, da ternura da Carlota, da sensibilidade do Manuel Bernardo. É bom ter a cozinha desarrumada, brinquedos espalhados e pouco tempo para me encontrar comigo mesma.
Hoje, bem cedo, ainda com todos dormindo, espreitei a manhã a acordar. O nevoeiro gelado cobria a cidade, o sol brilhava no meu quintal e eu rezei para que, na minha vida, o gelo não subisse mais!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

MEMÓRIAS

Com o final de período a chegar, cheia de avaliações para fazer e, tantas vezes, hesitando entre o 10 e o 9, entre o 13 e o 14, vêm distrair-me memórias de quando a aluna era eu!
Se havia aulas que, no velho Liceu Nacional de Portalegre, sempre achei, como aluna, desnecessárias, eram, sem dúvida, os lavores femininos e o canto coral. Nunca fui prendada, há quem sempre me diga que tenho duas mãos esquerdas, e a minha voz tem tal melodia que, quando há anos tentava adormecer as minhas filhas, elas pediam-me quase chorando que me calasse… Ora, na época, ainda não tinha consciência de que cada pessoa aprende de sua forma, que é preciso, às vezes (quase sempre) descobrir o processo que fará que a aprendizagem aconteça e, como eu, também os meus professores desconheciam, creio, essas variantes. Assim, as aulas de lavores e de canto coral eram, para mim, verdadeiras torturas. As primeiras, leccionadas pela dona Emília, uma senhora paciente de quem muitas vezes me lembro com saudade, eram momentos em que, vá lá saber-se porquê, eu sofria de dores violentas em todas as partes do corpo, variando entre a cabeça e os pés, passando pelas miudezas de que o professor de ciências ensinava os nomes. Cheguei a ter dores no diafragma o que, obviamente, muito preocupava a dona Emília… Mas a mim preocupava-me também a bainha do lençol de berço que deveria fazer ao longo do ano.
Perdi a conta às vezes em que a dona Emília me enviou ao Senhor Reitor, o meu querido e saudoso Dr. Marcão, para mostrar o insucesso do meu trabalho. Subia a escadaria de pedra, batia à porta, e lá vinha o Dr. Marcão, era tão alto!, perguntar-me o que fazia ali. Não me lembro, nunca, de lhe ter ouvido uma palavra azeda. Sorria e falava-me ao coração. Mas, naquela altura (e agora também), o meu coração era surdo a agulhas e dedais. Quando cheguei ao final de ciclo, ainda às voltas com a bainha do lençol de berço, a dona Emília zangou-se e ameaçou dar-me negativa! Salvou-me a minha tia Maria Luísa que, enquanto eu comia uma boleima, fez a bainha na perfeição. Ao entregar o trabalho, a dona Emilia, contente e vencedora, disse-me: - Vês? E sabia que tu eras capaz… Nunca mais cosi na vida.
O canto coral foi mais fácil de resolver. No início do ano o professor Raimundo fazia uma avaliação das vozes e, obviamente, a minha voz de cana rachada foi logo excluída. Assim, levei três anos a, uma vez por semana, ir dizer presente à sala de aula para, depois, ir calmamente namorar nas escadinhas da Praça da República. Devo confessar que aprendi muito. Muito mesmo…

Agora, eu mesma professora, revisito estas memórias e penso se, muitas vezes, não há da parte dos meus alunos alguma (muita) razão quando manifestam a sua aversão a algumas das tarefas, que eu acho brilhantes, que lhes proponho. Ao mesmo tempo, só espero conseguir deixar neles a saudade terna que estes dois professores deixaram, para sempre, no meu coração!

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

ACONTECEU!

Eu tinha pedido milagres. E no singular, ele aconteceu! Hoje, os meus alunos mais queridos, aquela turma que me desespera e encanta, aqueles mesmos com quem tanto ralho, fizeram o primeiro milagre dos do meu pedido: - Pintaram de ternura e alegria o meu dia! Chegaram em bando, como sempre andam, esperaram educadamente que eu terminasse uma conversa comprida com uma colega e, depois, veio o milagre. Das mãos deles recebi palavras boas: - Imortalidade - Serenidade - Ternura. Vinham todas enroladas, atadas com um belíssimo laço azul, dentro de um saco com um ursinho doce. Lá dentro vinha, também, um trabalho de casa para mim... É justo, eu marco tantos para eles! Enchi-os de beijinhos, estava a precisar de um carinho, mas não lhes agradeci suficientemente o BEM que me fizeram. É que, sem darem por isso, eles ensinaram-me que os milagres acontecem mesmo. Acontecem na cumplicidade da ternura verdadeira!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

MILAGRES

MENINO JESUS,
Sei que já não tenho idade para acreditar que, na noite de 24 de Dezembro, descerás pela chaminé. Mas tenho idade, creio, para poder acreditar que, mesmo sem desceres pela chaminé, podes fazer milagres. E eu quero pedir-te milagres! 
Já não peço um boneco, lembras-te do chorão que o meu irmão riscou com esferográfica?, peço milagres mesmo. Queria que fizesses o milagre de me devolver a confiança nos homens, de me reensinar a acreditar que os impossíveis acontecem quando a ternura se faz de Amor verdadeiro. Queria que, mesmo sem embrulho, me desses a alegria da partilha de cada momento, a certeza de que a cada amanhecer alguém ao meu lado abre os olhos em simultâneo. Queria, Menino Jesus, que este Natal varresses dos cantos da minha casa os ódios e as maldades. 
Que me iluminasses o caminho e me oferecesses um abraço total e eterno. Queria que devolvesses aos meus alunos a vontade de sonhar, a disposição para evoluir, o gosto pelo aprender.
Queria...
Menino Jesus, queria também ser capaz de aceitar as minhas limitações e de compreender o que me magoa! Queria, ainda, ter força para lutar pelo Amor pleno, feito cumplicidade e constância, como eu acho que tem de ser. Um Amor sem a palavra ADEUS, sem ausências, sem culpas.
Sim, Tens razão, estou a pedir demais. Mas eu avisei que queria milagres...

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

DESISTÊNCIA

Os homens, em casa, não cobrem a cabeça. Olham para mim como se eu tivesse acabado de aterrar vinda de um qualquer distante planeta. Insisto, lembro outros tempos, os alentejanos a descobrirem-se para entrar em casa, para cumprimentar uma senhora também. O gorro, os gorros, permanecem nas cabeças e eu desisto. 
Desisto porque, acho eu, a desistência é uma opção individual que pode evitar muitos conflitos. Desisto porque, às vezes, a água mole em pedra dura só cria musgo. Desisto porque, cada vez mais, falta-me paciência para a estupidez camuflada de irreverência oca. E se eu gosto da irreverência... 
Lembro outros alunos, há cinco ou seis anos, talvez até menos, capazes de inteligentes irreverências e desisto de explicar que um barrete, um boné (ainda que lhe chamem cap) dentro de uma sala de aula é mesmo só ausência de educação. Depois chego a casa, sento-me olhando o lume solitário e surge-me a dúvida: - Fará sentido um professor desistir de educar? Ceder e não querer saber? Volto a olhar o lume, e desisto de pensar...

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

MAIS FÁCIL

Podia ser tudo bem mais fácil! 
Quanto mais velha fico, mais acho que era possível, se a Humanidade quisesse, fazer da vida um processo de existência fácil e, melhor ainda, com sentido e significado. 
Não era preciso fazer revoluções, matar alguém, sequer preparar exércitos. Bastava, penso, mudar o léxico. Ou seja, substituir as palavras agudas, e cortantes, por palavras redondas de abraçar. Assim, em vez de ódio usariamos respeito, trocavamos a ofensa pela compreensão, a certeza pela possibilidade, a distância pelo perto, a crítica pela cumplicidade, a violência pelo carinho, a urgência pela calma, o tu pelo nós! 
Podia ser tudo tão mais fácil...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

QUANDO NÃO HÁ

No paradoxo que é a vida, ou na sucessão de paradoxos de que  a vida se faz, acontece só valorizarmos muitas coisas quando as não temos.
A mim, acontece-me isso com a saúde. Gosto de ironizar, confesso que até (às vezes) ridicularizar, as pessoas que vivem atormentadas com a saúde, a quem tudo faz mal, para quem um doce pode implicar fazer análises no dia seguinte... Acho disparatadas as pessoas que sabem as calorias de cada alimento, que só tomam café depois das 9,30h, que carregam a fruta na caixinha para comer de forma saudável ao longo do dia, que só comem ervas e ainda assim não mugem Ora bem, eu achava isso tudo porque era saudável! Não me lembro mesmo, tirando algumas cirurgias e ameaças de cancro, de estar doente. Agora, quando sinto falta da saúde, já olho com outra seriedade para quem vive temendo a doença. 
Estar doente é mesmo horrível. É até um pouco humilhante, estupidamente humilhante, eu acho. Por isso, não vou dar à doença tratamento privilegiado e se morrer direi que o que vivi já ninguém me rouba. Nem essa figura negra que dizem carregar uma foice com ela!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O AMOR

Esta coisa do Amor, e de Amar, é muito complicada. Às vezes, fica lamechas, ridículo, até um bocado foleiro falar de amor. Imaginam-se logo coraçõezinhos, florzinhas e outros inhos e inhas muito ridículos. No entanto, eu acho que falar de amor nunca está desactualizado. Porque eu acho, com a minha mania de achar muita coisa, que quanto mais se falar de Amor melhor pode ser a vida. 
E acho também que o Amor é uma chatice. É uma chatice porque cada um não ama como quer, nem como os outros esperam que ame, mas, e apenas, como sabe e pode. Não há, para mim, quem ame em excesso, como não pode haver quem ame se. O Amor não pode ser parcial, e menos ainda condicional. 
Deve ser por tudo isto que o AMOR provoca tanta dor, tanta confusão e tanta agitação.
Quem nunca viveu um grande amor, decerto não compreenderá o  que quero dizer. Mas quem ama, ou amou, sabe bem como este sentimento é exigente, gratificante e fantástico. Destrói, por vezes, mas, ainda assim, eu acho que o Amor faz sempre sentido. E acho ainda mais: - Ninguém devia dar palpites nestas coisas de amar...

domingo, 30 de novembro de 2014

Papa Francisco

Vi o Papa Francisco em Istambul abraçando o representante máximo da Igreja Ortodoxa. Ouvi-o falar na injustiça crescente e na necessidade de Amar, a única coisa que Cristo pede é que se amem, que pratiquem o amor. Ouvi-o falar do perdão e da necessidade da velha Europa se repensar. Eu, que tive uma semana terrível, que começo uma nova semana com os sentires estilhaçados e o coração encolhido, senti uma força nova ouvindo Francisco. Tenho tanto que aprender...

sábado, 29 de novembro de 2014

CARTA ABERTA

Senhor Ministro Nuno Crato,
Não sei se o senhor passa os olhos pelas redes sociais, talvez ache que são coisas de gente comum... De qualquer forma, como não tenho outra forma de entrar em contacto consigo, esta é já a segunda vez que me sirvo das abertura da internet para lhe dizer o que penso. 
E penso tanta coisa! 
Em primeiro lugar, o senhor desiludiu-me. Ao contrário de muita gente avisada que nunca acreditou em si, eu vi-o chegar à 5 de Outubro cheia de esperança. Tinha lido o seu Eduquês (deveria ter-lhe chamado politiquês) e acreditava que ia olhar a Escola com seriedade e razão. 
Devia talvez, eu que já virei os 50, estar habituada a desilusões. Mas não estou e, por isso, não consigo olhar para Vª. Exª com indiferença. Na minha opinião de professora e cidadã, o senhor está a destruir a Escola portuguesa, a infectar o clima de Escola, a humilhar os professores e, mais grave ainda, a enganar e a excluir os portugueses. Tudo o que o senhor decide, pauta-se pelo absurdo:
1º As notas do final de um ano de trabalho devem corresponder à nota de um momento: - o EXAME!. Então, Senhor Ministro, para que serve o aluno progredir, empenhar-se, ser avaliado continuadamente ao longo do tempo? Um ano pode equivaler a um momento? 
2º Os alunos devem ter notas para entrarem nas faculdades. E os que têm outra opção de vida? E aqueles que não querem seguir o ensino superior? E aqueles que querem aprender uma profissão e sair de 12 anos de Escola para a vida activa?
3º As Escolas com melhores resultados (nos exames, claro!) vão ter mais dinheiro. Não deveria ser exactamente o contrário? É o mesmo do que administrar antibiótico a quem não sofre de nenhuma patologia.
4º Os professores, ainda que avaliados externamente como Excelentes, estão sujeitos a cotas e poderão ter de ficar com Bom. Incentiva alguém a trabalhar?
5º A sociedade moderna tem a responsabilidade, a obrigação mesmo, de permitir o acesso à cultura e ao saber a TODOS! O senhor ministro apresenta rankings idiotas, conclui que os filhos de gente com dinheiro e formação superior têm melhores resultados e, a seguir, penaliza os que têm menos dinheiro. Escola Para Todos diz-lhe alguma coisa? Saberá que TODOS não é sinónimo de ALGUNS?
Senhor ministro, neste momento, como professora, digo publicamente que não tenho nenhuma consideração pelo senhor. O que está a fazer, prejudicar uma geração de portugueses, um dia será julgado.
Não tenho vergonha de ser professora. Pelo contrário, tenho imenso orgulho em ser professora! Gosto de ver os meus alunos a aprender, gosto de os ver tornarem-se PESSOAS, gosto de desenvolver projectos diferentes, gosto de passar horas conversando com eles sobre coisas de SER, gosto de desfiar sonhos, de ler poesia, de ordenar as palavras para que façam sentido. 
Eu tenho vergonha, senhor ministro, é de viver num país onde a igualdade é uma quimera e a liberdade um sonho por cumprir!
Tenha um feliz Natal, se for capaz. 

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O CANTE

Quando me perguntam de onde sou, sai-me logo alentejana. Eu, que tantas vezes critico a sinédoque que faz de metade do país um lugar singular, entro na coisa sem dar por isso. Nunca me lembro de dizer que sou portuguesa, mas nunca me esqueço de dizer que sou alentejana. De facto, é o vento soão que me traz neuras, a imensidão das planícies que me define e o branco do casario que me espelha. Sou alentejana inteira. Gosto de açorda, de migas, de carne de porco, de chouriço assado, de vinho tinto, de doces de ovos, de boleima e de bolos fintos. Gosto do falar lento e denso, das expressões só nossas, dos olhares escuros marcados por presenças de um passado muito cheio de canela e fome. Assim, o reconhecimento do Cante Alentejano como património imaterial da Humanidade encheu-me de orgulho. Por ser o Cante da minha gente, por ser imaterial, por me emocionar sempre! 

FANTASMAS

De noite, a velha casa conversa. Oiço os móveis cansados a esticarem as madeiras gastas, estalam as madeiras do chão aliviadas de pesos incómodos e despertam os fantasmas que, de dia, evitam presenças vivas. Escuto o silêncio. Não te esqueças de desligar as luzes da árvore de Natal, diz-me o meu Pai, sempre prevenindo azares descuidados. Ainda não fiz o presépio, este ano. As crianças de outrora são adultos, não há pressa. Por favor, não deitem os papéis dos presentes para a lareira, lembrem-se que já duas vezes os bombeiros tiveram de vir passar a Consoada connosco. Sorrio no silêncio. Não há presentes ainda, o Natal está adiado por aqui. Como está adiada a calma feita paz da minha infância. Mas sim, hei-de fazer o Presépio e, de certeza, hei-de ir buscar um pinheiro ramalhudo, dos verdadeiros, para encher de cheiros novos a minha sala, para iluminar os passeios dos fantasmas da minha velha casa. Coitado do burro, já nem tem orelhas! Para o ano, temos de renovar as figuras. E o para o ano eternamente prolongado, e a vaca a perder um corno, o pastor a coxear, as ovelhas a ganharem um tom achocolatado que as mãos infantis vão deixando. Vou mesmo ter de fazer o Presépio. Talvez dia 8, cumprindo a tradição do Natal pequenino.

Era no dia 8 que instalávamos o Natal em casa. Bem cedo, de botas e casacões, descascávamos os muros, carregávamos tapetes de musgo e o meu Pai cortava o pinheiro. Depois, o dia esgotava-se a fazer os lagos com as pratas da regina, a colocar as figuras, a encher de bolas a árvore que insistia em ficar torta. Tenho mesmo de instalar o Natal em casa… Os fantasmas continuam vagueando, sinto-os passarem por mim num arrepio de frio que me faz enfiar a cabeça debaixo dos lençóis. Sinto as vozes que partiram a embalarem-me os sentires e, de mansinho, converso com a saudade feita eterna presença. Como suportaria a realidade, se não tivesse os meus fantasmas?

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

DIFICULDADE

Li hoje, no meio de muitas tarefas, uma frase de Lobo Antunes com a qual me identifico. Ele, como eu, pensa que a paz interior é a forma real da felicidade. Eu, por mil trezentas e cinquenta e sete razões, mais ou menos, cada vez tenho menos paz, menos tranquilidade e, pior ainda, menos capacidade de aceitar a estupidez. Só para chatear, ou apenas para me mostrar que a vida não é fácil, cada vez mais me confronto com que parece existir apenas para infernizar a vida alheia. Eu gostava, mas de verdade, de saber porque razão cada vez mais encontro pessoas que não sabem conversar, que não sabem ouvir!

domingo, 23 de novembro de 2014

5 ANOS!

Há cinco anos nevava intensamente em Cambridge. Cheguei ao aeroporto de Stanstead ansiosa, atrasada e nervosa. Hoje, cheguei cedo porque é amanhã que o meu neto faz cinco anos. Não neva, mas a chuva recebeu-me violentamente em Gatwick. Agora, como as crianças já a dormir, bebendo um chá forte e negro, penso nestes 5 anos que passaram. Aconteceu tanta coisa! Vivi dias horríveis, sofri o impensável (continuo sofrendo...) mas a vida ganha nova cor quando vejo o Manuel Bernardo sorrir, brincar feliz e quase ler sozinho. O abraço que hoje me deu, forte e inteiro, lavou-me a alma!

sábado, 22 de novembro de 2014

Tristeza

Sócrates está nas televisões pelas piores razões. Eu, que não sou socialista e nunca gostei de Sócrates, não consigo, ainda assim, ficar contente. Porque em causa está o meu país e, pior ainda (se possível), em causa está um povo inteiro que é confrontado, ultimamente, quase todos os dias, com questões tão graves e tão amorais como esta. 
Não sei se Sócrates é ou não culpado. Nem acho sinceramente, que o homem deva ser sujeito a este julgamento público. Mas acho é que tenho vergonha de viver sob a constante suspeita dos dirigentes que, democraticamente, o povo escolheu. Faz falta uma nova geração de políticos mas, de certeza, a olhar por o que vai acontecendo nas Escolas, ainda não será a próxima... Oiço os noticiários e penso no meu quotidiano profissional. Depois, olho a mala que estou a fazer e penso que sorte têm os jovens que conseguiram sair deste país moribundo!

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

OUTRA VEZ

Eu já tinha decidido arrumar os meus sentires no fundo da gaveta dos papéis por organizar. Tinha decidido esquecer os afectos exagerados, deixar de sonhar e ambicionar a tal felicidade utópica, deixar de acreditar em promessas de cumplicidade e plenitude. Mas, como sou burra (sem ofensa para os animais de que tanto gosto), voltei a cair no erro de sonhar, de gostar, de acreditar que sim, que podia ser possível... BURRA!!

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

TERMINAL 2

Muitas vezes, muitas mais do que as que gostaria, viajo partindo do Terminal 2 do aeroporto da Portela. Sempre que lá chego, normalmente em companhia de mim mesma, penso que chamar aquela garagem grande Terminal é muito boa vontade ... Ali não há conforto, não há um espaço agradável onde esperar, não há um restaurante de qualidade, não há, sequer, uma casa de banho limpa e decente. Eu vejo tudo isto e lamento a falta de qualidade do Terminal 2 que, no fundo, revela o pouco (ou nenhum) respeito que existe pelas pessoas, cidadãos comuns, que não podem pagar os voos das grandes companhias e optam, por isso, pelo lowcost. Sou cliente assídua da Easy Jet e nunca me senti mal por isso. 
Só que, no passado dia 13, o incrível aconteceu! A convite do MPT, do eurodeputado José Inácio Faria, viajei para Bruxelas com vinte e quatro alunos. O voo, low cost, era da RYANAIR. Ora, o low cost tornou-se tão-tão low que o voo, previsto para as 9,40h, partiu de Lisboa às 15,00h. E o que pode fazer um grupo de jovens e de professores fechado numa garagem durante nove horas? Sim, porque, com medo de eventualidades, partimos de Portalegre às três da manhã e entramos no Terminal 2 às seis... Nada, se não aborrecer-se, comer hamburgueres e desesperar! Porque, no dito Terminal 2, NADA existe que possa ajudar a passar o tempo!
Bom, eu não estou a lamentar-me, porque eu ia já amanhã outra vez, se pudesse. O que me indigna é a falta de qualidade de um espaço que serve, por dia, centenas de pessoas. Será que quem visitar Portugal, se usar o Terminal 2, está isento das tais taxas e taxinhas?? É o mínimo que se pode esperar...

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

SUGESTÃO

Sugiro:

letrasetretas9a.blogspot.com

É uma ousadia...

Vou morrer em paz. Um dia...

Quem escreve, sempre se expõe. É impossível, acho eu que gosto muito de achar, despirmos-nos completamente de quem somos quando damos forma de letra a pensamentos e emoções. O que se pode questionar, e continuo a ser eu a achar, é se essa exposição, ou entrega ao olhar alheio, deve ser objecto de vergonha, ou até de crítica. 
Ora bem, eu, que acredito em Deus (para além de todas as religiões, lembrando Régio), acho que o Criador se enganou quando nos fez olhando para fora. Ou seja, Ele construiu-nos do avesso, fazendo-nos olhar os outros, e o que nos rodeia, muito mais vezes do que as oportunidades de nos olharmos a nós mesmos. Assim, e só assim, eu compreendo que haja quem tanto se indigne, e proteste, quando eu escancaro a porta dos sentires e deixo correr as emoções. Acontece que, e juro que não sei porquê, às vezes sinto uma necessidade imensa, uma coisa-vontade-quase-física, de escrever. De dar forma às angústias, aos sentires e aos pensares. Não tenho a pretensão de influenciar ninguém, não quero convencer o outro, ou os outros, de coisa nenhuma, mas dá-me um formigueiro na ponta dos dedos e, quando levanto o olhar, o meu coração dos sentires está esparramado no ecrã. (O outro coração, o que os cardiologistas conhecem, continua na caixinha, batendo, até que.) 
E hoje, agora, com mil coisas para preparar para a pos-graduação que estou a concluir, com a mala para fazer (vou às três da manhã - daqui a bocadinho) para Bruxelas com os meus alunos, vim escrever! E vim escrever, exactamente, a certeza que tenho que o mundo está a entrar em rota de colisão com a emoção e, em breve, tudo vai estoirar e vai chegar o novo Homem! Esse, ao contrário do que todos pensam, vai ser feito de emoções, de compreensão e de humanidade. Vai valorizar a individualidade, vai criar um mundo inclusivo de facto e vai-me ver morrer em paz e sem angústias...

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Só Porque Está Frio


Muitas vezes tenho pesadelos. Hoje, tive sonho:
"O  cheiro forte dos churros, das tostadas e do café forte, acordaram-na no espaço diferente. Fxou, primeiro, o tecto de madeira escura e, em seguida, deixou o olhar mergulhar na imensidão de branco que  a pequena janela lhe oferecia. Saudou em silêncio a pausa na vida que, subitamente, podia gozar.
Tinha cinco dias para viver, para ser mais do que existência em cumprimento, para transgredir e fazer do sonho o real. Há alguns anos que não via a neve, e como a desejava Deus meu. Agora, era tempo de escolher as cores fortes, de se deixar afagar pelo frio cortante e de descer, tranquila e seguramente, as pistas feitas de neve fofa e paisagens intensas.
Saltou da cama, gozou com volúpia o banho quente e partilhou o pequeno-almoço, ali desayuno, falando de afectos, cruzando olhares e desfiando sentires. Depois, num instante, a chegada ao cimo da montanha e as descidas a sucederem-se. As subidas para repor o creme protector e forte, as descidas para sentir o prazer do quase voo, a liberdade de deslizar marcando, com o batôn seguro, o lugar de cada curva .  A meio da manhã, o café. A paragem, as gargalhadas verdadeiras, simples, a desnecessidade de temer o medo. Eram só os dois, pr cinco dias, com  a neve, o frio, o toque prometedor, a partilha cúmplice do lenço, da caneca, do chocolate negro.

Mas o dia a esgotar-se. O céu a pintar-se de rosa e a chegada ao Hotel, cansada agora, a oferecer o abraço total, a cumplicidade efectiva. À noite, com a pista do Rio bem iluminada, puxou o capuz até aos olhos, e foi tempo de, com a quentura protetora do abraço, caminhar pela praça de gelo e madeira. Tarde já, depois da bebida forte junto à lareira forte,  a cama branca, o édredon leve e o abraço único. Total. Encerrando em si tudo o que a totalidade garante."

domingo, 2 de novembro de 2014

Os Santinhos

Com o Halloween a invadir o país, nesta consequência directa de sermos um povo permeável e colonizável, desapareceu o hábito dos santinhos. Morreu, ou agonizou, o tradicional pão por Deus. 
Eu nunca pedi os santinhos. Fui sempre um bicho estranho, cosida no meu silêncio, incapaz de bater a portas desconhecidas, ou mesmo conhecidas, para pedir fosse o que fosse. Mas lembro-me de ver pedir os santinhos, lembro-me de os dar, lembro-me de deixar as minhas filhas irem pedir à casa dos vizinhos de onde voltavam, invariavelmente, com uma flor feita de pão pela tia Zélia, ou com um livrinho por ela oferecido. Gostava dos santinhos. A Serra enchia-se de miúdos, à porta era um não parar de gente, e ainda sinto vivo o cheiro dos sacos de serapilheira que todos tentavam carregar. Já adulta, gostava de me preparar para dar santinhos. Ia aos rebuçados, fazia broas de mel, comprava chocolates e chamava as minhas filhas para que aprendessem, também, a dar a quem nos batia à porta. 
Este ano, ninguém me pediu os santinhos e eu não fiz broas. Este ano, vi as bruxas e os zombies, os fantasmas e os vampiros, e comi uma empada, num instante, numa área de serviço sem identidade. Quero fugir ao saudosismo, afinal a vida faz-se de mudança, mas não resisto a achar que estamos a perder, depressa demais, aquilo que nos faz pessoas: - a nossa identidade! Hoje, estamos todos excessivamente iguais, num mundo excessivamente plastificado, com modelos excessivamente vazios. Acho eu...

AFECTOS


Ao lado do vestido que aguarda ser estreado em viagens sucessivas, (a ocasião não chega nunca), dobrou as saudades antecipadas, os estilhaços de memórias já construídas e prontas  a desfiar e trancou a mala. Depois, aproveitando o sono infantil, ao menos que às crianças não se imponha a dor do adeus, fez-se à estrada. Sob chuva intensa, com os números da temperatura a descerem vertiginosamente, sorria sozinha sentindo falta de limpa pára-brisas interiores. É que as lágrimas insistiam em fazer despique com a chuva forte... O Minho, verde mesmo, envolto num cobertor cinzento de nuvens fofas, dizia-lhe adeus, ou até breve, ladeando a língua negra onde ia devorando quilómetros. 
Num instante, a rapidez da existência, a travessia do Porto,o choque com o gigantesco estádio do dragão, o Dolce Vita com multidões devoradoras de domingos consumistas a ofuscar a vista fantástica do Douro. Depois, sempre a língua negra, as ultrapassagens, o cuidado para  detectar polícias e radares. 

Por companhia, os afectos distantes. 
Amarrada na sua própria liberdade de ser sozinha, os atilhos da ternura, do amor aos seus, não servem de companhia visível, pára enfim, movida pela vontade portuguesa de café, pela necessidade de esticar as pernas também. E de novo a solidão a acolhe. É a única singular na moderna área de serviço. Há casais, há grupos, e há ela. Sozinha. Talvez, pensa, seja ela a mais acompanhada na solidão aparente. Porque carrega o abraço quente da neta, a voz doce dos netos longe, a ternura das filhas, a quentura da certeza de, algures,haver quem a ama de facto. Sem interesses, sem necessidades, sem abandonos. São os filhos, os netos, quem dá sentido à essência da sua vida que, na aparência, se faz de tanto adiamento e dor. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

PRAXES

Cada ano que passa, sucedem-se os excessos nas praxes académicas. Eu cresci a ouvir contar histórias de Coimbra, cidade berço (também) das praxes, e nunca pensei que fossem práticas humilhantes ou violentas. O meu Pai falava com imenso carinho, saudade e orgulho, das praxes coimbrãs, das amizades, das cumplicidades que aí se iniciavam. Eram, com certeza, outros tempos... Hoje, o que a televisão nos mostra são humilhações gratuitas, excessos graves e comportamentos doentios. Para piorar as coisas, aqueles - Veteranos(?) - que dão voz em defesa das mesmas, mal sabem falar português, têm um discurso cheio de lugares comuns e, estranhamento para mim, orgulham-se por há "muitos anos" frequentarem a Universidade... Faz- me imensa confusão, traz-me muita preocupação, o comportamento de alguns dos jovens portugueses que frequentam o Ensino Superior (e não só...). Num texto, fantástico, de Teolinda Gersão, levanta-se a questão destes caloiros - apelidados pelos veteranos de vermes e bicos (no mínimo) - estarem legalmente menos protegidos do que os animais eles mesmos. Não concordo. Penso que não é de protecção legal que estes jovens precisam. O que precisam é de formação e educação a sério. Um indivíduo que tem prazer em humilhar outro, que acha integrador esfregar cabeças de colegas com porcaria, não tem competência social que lhe permita usufruir da verdadeira designação de cidadão...
Acho eu. Eu que, nos últimos tempos em Portalegre, esbarro com as praxes feitas de água suja, berros, humilhações e bebedeiras. 
Às vezes, só às vezes, penso que algumas das praxes mais não são do que oportunidades privilegiadas para que os cobardes, os idiotas, os medíocres, tentem impor-se...

sábado, 18 de outubro de 2014

O ABRAÇO

A Vinha virgem, feminina e ousada, abraçou o Alecrim. Indiferente à altura dele, sem se importar com a robustez dos ramos, ela, frágil, trepou e foi-o envolvendo, abraçando-o, aproveitando-lhe o apoio para chegar mais alto. Ele aceitou-a sem protestar, suportou-lhe o peso, ajudou-a a ver o sol mais de perto e achou-se lindo naquele abraço vermelho. Quem passava perto não comentava, nem criticava. Olhava apenas, rendido, a beleza daquele abraço. Ali, não havia quem ousasse pôr defeito.
Há coisas que, sendo tão naturais, quando acontecem nos humanos parecem estranhamente desajustadas...

domingo, 12 de outubro de 2014

CONVERSA PROIBIDA

Buarcos
Olhava-o zangada. Eram só os dois: Ela, envolta no casaco encerado gasto, com o chapéu até aos olhos, e ele imenso, excessivo. O silêncio era total, feito do marulhar do dia de Outono-Inverno. E ela atirava-lhe as palavras que caíam na água revolta. Estava zangada sim! Zangada com aquela imensidão, aquela força ruidosa, aquela presença sempre constante que a atraía inexplicavelmente. As lágrimas misturavam-se com a chuva, com o sal trocista que o mar cuspia com força. Ela falava tremendo. Dizia dos impossíveis, da solidão, dos adiamentos, da dor da ausência que, por absurdo, desejava até. Ele rugia. Feroz e denso, poderoso e mágico. Ele tinha nele o Gama e o Adamastor, tinha a coragem e a ternura. Ela tinha os destroços, o quotidiano imposto. Era uma luta desigual, mas ela insistia. Sentia o corpo gelar, os cabelos emaranharem-se, mas não desistia: Queria dizer-lhe que, no jogo inconsciente de muito querer amar, ele, mar, estava escandalosamente presente. Queria dizer-lhe o indizível, as palavras cheias que os homens não compreendem, as desilusões que todos garantiam serem rotinas. O frio abraçava-a, violento e negro, mas ela recusava fechar-se no conforto do seu automóvel. Às vezes, achava, é preciso sentir a energia da Natureza para poder aceitar a estupidez de alguns homens!

sábado, 11 de outubro de 2014

OUTONO NA COZINHA


 O Outono inundou hoje a minha cozinha. Pela manhã, de botas de borracha e armada de coragem, fui colher marmelos, dióspiros e folhas de vinha virgem. Se os primeiros me enchem o paladar, as folhas aquecem-me a alma gelada. Depois, meti mãos à obra e tenho ocupado a tarde na tarefa de fazer marmelada e geleia. Por companhia, uma montanha de memórias e a voz de Cesária Évora. 
Enquanto descascava marmelos desfiava memórias. A minha avó, primeiro, a senhora Joaquina, a minha mãe também. Gerações de mulheres de quem herdei o saber nos gestos que repito. Já não sou a miúda que ajudava, sou a responsável pelo ponto certo, pela medida exacta do açúcar, pela canela bem colocada nos dióspiros que colhi  com mil cuidados. As horas foram correndo e o saco, não já a canastra de bunho,  foi-se esvaziando de marmelos cheirosos.

O pulso começou a doer, mas não dei ouvidos e cumpri o que me tinha disposto a fazer: - 5 kgs de marmelada! Com as cascas, e os caroços, hei-de fazer a geleia vermelha que a minha avó insistia em deixar líquida demais para o meu gosto.



Enquanto cortava os marmelos em pedaços pequenos, via cenas de um filme gasto onde fui protagonista. A casa cheia, as empregadas atarefadas, os miúdos a lamberem a colher de pau. Hoje, estou sozinha. Estou com as memórias, com algumas saudades, mas estou, também, com a calma segura da paz que começo a conquistar. Talvez, afinal, envelhecer seja esta capacidade de abrir a janela dos sentires apenas ao que é importante. Talvez, quem sabe, esta arte de fazer marmelada nos/me sirva para mostrar que das cascas e caroços, do lixo aparente da existência, se podem fazer coisas saborosas, bem envoltas no açúcar da paz de espírito, temperadas com um pau de canela confiante!!

Afinal, é tudo uma questão de Tempo, e de sabedoria: - A marmelada precisa de uma hora para ficar no ponto, faz-se com o fruto bom; a geleia precisa de três horas, faz-se com as cascas! A vida também se cumpre mais rapidamente quando é fácil, mas fica deliciosa quando as agruras se adoçam!

O INSULTO

É comum considerar-se o Homem um ser de comunicação, um ser que, por ter o poder da palavra, pode comunicar, partilhar, opinar, amar e até odiar. Mas, acho eu, às vezes o homem baralha tudo e torna a palavra uma arma vulgar, metálica, cortante e assassina. 
O insulto é, para mim, a concretização da mediocridade, a afirmação do vazio de argumentos, a assumpção da estupidez. Quem insulta, é o cobarde que não tem argumentos, é o idiota (ou a idiota) que não consegue sair do seu mundinho de certezas vazias, para ouvir o outro, para compreender e partilhar. Às vezes, eu tenho também vontade de insultar! Mas obrigo-me a pensar que, se calhar - DE CERTEZA - há-de haver no outro diferenças que, não sendo minhas, merecerão ser escutadas.
Muitas e muitas vezes tento ensinar os meus alunos a debater ideias, a construir argumentos, a fazer citações, a usar a palavra ao serviço da inteligência. Não o faço apenas porque os programas o impõem... Faço-o, sobretudo, porque acredito que é através da palavra, da conversa calma, da capacidade de ouvir e compreender que se poderá, um dia..., construir um mundo melhor.
E eu quero tanto um Mundo Melhor!!

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

GOSTAR DE GOSTAR

É bom gostar. Gostar de chocolate, de um bom bife, de legumes no forno, de fruta fresca, de entardeceres mágicos, de luares brilhantes, de roupa nova, de conversas reais. Mas é melhor ainda gostar de gostar de pessoas. Gostar de ouvir, de partilhar espaços, de rir em simultaneo, de fazer brindes sorrindo, de coçar o nariz no momento em que as borbulhinhas do champagne fazem cócegas no nariz. É bom gostar de abraços intensos, de encostos fortes, de gargalhadas uníssonas.
Às vezes, acho que estamos a desaprender a prática do gostar. Andamos muito cinzentos, muito apressados, e olhamos o gostar com demasiado desinteresse, com se fosse uma coisa menor! E gostar é tão MAIOR!!

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

CONVERSAS MUDAS


Vamos conversar? 
Então senta-te aqui, despe as reservas, sacode da alma as certezas, deita para o lixo as mágoas. Senta-te bem, ajeita-te no coração da ternura e ouve. É tão importante ouvir! 
Ouve o silêncio da minha tristeza, escuta a verdade da minha desilusão e sente o sal quente das lágrimas que já sequei. Não te mexas. Oferece-te tempo (eu sei que isso vale dinheiro!) e escuta só. Um dia, eu prometo, o que escutas vai fazer verdade no teu coração magoado. 
Agora, ouve só a conversa impossível. 
Não protestes, aceita. Apenas.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

MONSTROS NA EXISTÊNCIA

A gente - gente singular eu - faz quilómetros, salta do comboio para o avião, faz-se à estrada de automóvel, corre a cumprir obrigações e, quando dá por isso, esbarrou na meta: - Um buraco escuro onde se constrói o esquecimento. 
Já passei (há muito) o tempo dos porquês, mas não passei, talvez não passe nunca, a mania de querer encontrar sentido, ou sentidos, para as idiotices (muitas) que tecem o nosso quotidiano dito moderno e desenvolvido. Cada vez mais, o meu quotidiano profissional me dilacera. Onde estão os sonhos que eu tinha, os meus projectos de grandes mudanças, as ideias fantásticas para melhorar a educação? Os meus netos dizem que há uns monstros terríveis, vindos do algures, para nos chatear. Eu, mais velha, começo a adivinhar de onde vêm os monstros.. Mas não digo. Não digo porque, embora não acredite em bruxas, eu sei que elas existem.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

RETALHOS

Afinal, descobri hoje, o ser humano, sobretudo mulher, não é uno e indivisível. Eu tenho 50% do coração em Inglaterra, outros 50% em Ponte da Barca, a cabeça em Portalegre, a memória nas saudades vivas de quem já partiu, a consciência profissional amarfanhada no fundo da pasta e a competência social partida em mil pedaços. Isto tudo, assim mesmo esfrangalhado, faz-me ser quem sou agora: - A Luísa a despachar a mala para embarcar! 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

MADE IN

Um destes dias, treinando a competência oral dos meus alunos de 10º ano, pedi-lhes que falassem durante um minuto sobre o marcador que uso para escrever no quadro branco (o giz já faz parte de outra era). Houve hesitações, algumas aflições, mas houve, também, gente que se desembaraçou bem. Um dos alunos resolveu partir do facto da dita caneta ser "Made in Germany". Confesso que eu, que a uso diariamente, nunca tinha reparado nisso... 
O meu aluno lá falou de tempos perdidos, dos tais Descobrimentos que só já servem, infelizmente, para encher páginas de livros de história. Saí da aula satisfeita (acontece muitas vezes), não porque a caneta era "made in Germany" mas porque me pareceu que ajudei os alunos a compreender como se formula um argumento.
Hoje, resolvi ir às compras na minha cidade. E não é que encontrei uns sapatos, giríssimos e de sola cosida, baratos ainda por cima? E, cereja no topo do bolo, "Made in Portugal!" Fiquei apaziguada (um bocadinho) com o meu país: - Há quem produza! 
Soube-me mesmo bem, muito bem, calçar os meus sapatos novos Made in Portugal. É que, ainda por cima, fazem bom andar!

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

SVEVA

Sempre que encontro um livro da Sveva Casati Modignani, não resisto a comprá-lo. Depois, não páro enquanto não chego ao fim e, a seguir, fico muito tempo a partilhar serões com as personagens, a reler passagens, lamentando ter terminado o tempo da ficção libertadora.
Lembro-me muito bem de todas as histórias, gosto da escrita correcta, dos diálogos bem construídos, das muitas mensagens não escritas mas claras e ternas. 
Nos livros da Sveva há sempre personagens masculinas perfeitas! São homens completos, lindos, másculos, amigos, compreensivos, misteriosos. São homens presentes, capazes de gestos espantosamente banais e raros, como oferecer uma rosa ou ajudar a vestir um casaco, e cheiram sempre maravilhosamente. No último livro dela, A Família Sogliano, conhecemos um Eduardo tão fascinante que até morre decentemente e sem espectáculo! A este Eduardo perdoamos, nós mulheres, o filho de uma traição... Eu acabei de ler o livro, que comprei há três dias, e não consigo deixar de pensar nesta personagem. Ai, quem me dera ser eu uma personagem das de Sveva!

terça-feira, 23 de setembro de 2014

BLOGUES

Esta coisa dos blogues, da blogosfera,da internet, é estranha. 
De facto, de que serve a gente (neste caso eu) ligar o computador e sacudir a alma? O que interessa ao outro, leitor, o que cada um sente? Objectivamente, nada. Mas, para além da fria objectividade, talvez se teçam lados, talvez se criem identidades.
Quando me gozam, ou ridicularizam, por continuar a alimentar o meu blogue, penso que, se calhar, têm razão. Ou, se calhar, não... Porque esta janela, que se abre silenciosa para o mundo, sabe receber, ouvir e guardar como poucas pessoas. É um espaço que, ainda que público, nos/me oferece alguma privacidade. E, além disso, o hábito de conversar, ou o tempo para se conversar, vai escasseando e o ecrã permite, num bocadinho, despejar a alma... 
Eu hoje preciso mesmo de despejar a alma. Se a dor dilacera, eu estou em pedaços.  Evoco Sophia porque, hoje, não é a minha alma que é feita de maresia, é a minha existência que é sargaço apenas!


A PAZ SEM VENCEDOR E SEM VENCIDOS

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida

Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Fazei Senhor que a paz seja de todos

Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Sophia de Mello Breyner

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

PORTALEGRE

Sempre que posso, quando o tempo não me persegue em fúria danada, gosto de caminhar pela minha cidade. Apesar de estar abandonada, ainda que não tenha centros comerciais, mesmo sem engarrafamentos, apesar de não permitir o anonimato que alguns desejam, eu adoro a minha cidade. Em cada canto, a cada olhar, há algo que me parece surpreendentemente belo. Hoje, de manhã, fui tomar a bica ao meu lugar de eleição, Sons e Sabores. Depois, vim passeando, passei na Corredoura e fiquei com os olhos pregados na entrada da nossa Câmara Municipal. A alpendrada sempre me comove! Olhei, fotografei e fiquei pensando que, haja o que houver, dê o mundo as reviravoltas que der, esta cidade é o ninho dos meus afectos, é o espaço da minha identidade!

domingo, 14 de setembro de 2014

O CARROSSEL

Quando eu era miúda, as Feiras, em Portalegre, aconteciam no espaço onde hoje está a Segurança Social (por acaso nada Segura e pouco Social...), ali na Praça João Paulo II, bem perto da minha casa. A Feira acontecia duas vezes por ano: - Em Junho, a das Cerejas; em Setembro, a das cebolas. Em Junho ainda havia aulas, era preciso ser hábil na gestão do tempo... Mas, em Setembro, as aulas ainda não tinham começado e, por isso, a partir das cinco ou sei da tarde a Feira era lugar de encontro. O meu Pai fazia-nos prometer que não andávamos de carrinhos de choque nem de aviões (tinha morrido um jovem num avião que se soltara) e eu prometia transgredindo sempre. Os carrinhos de choque não me encantavam, não gostava do cheiro, ainda hoje tenho a mania dos cheiros, mas os aviões deliciavam-me. 
Entrar naquelas maquinetas, rodopiar com os cabelos ao vento, saltar lá dentro era uma experiência única! No entanto, era o Carrossel "uma voltinha uma voltarela para a menina da saia amarela"/"A avozinha não paga, mas também não anda" o que mais me agradava. Adorava a girafa e a roda. Entrava na roda com as amigas, girávamos a alta velocidade e saímos de lá com os cabelos emaranhados, as saias revoltas e as bochechas rosadas.
Depois, um dia, a Feira saiu da cidade e eu cresci. Parecia que já não tinha idade para a roda, menos ainda para a girafa... Como a Feira era longe, esqueci-me de como era bom andar de Carrossel! Este fim-de-semana dei comigo numa Feira de verdade, como as da minha infância, lá no Minho, em Ponte de Lima. Fosse porque o ambiente exigia, fosse porque ninguém me conhecia, fosse mesmo porque a saudade era muita, fosse porque tinha o pretexto da minha neta, peguei nela e voltei ao Carrossel grande. Lá estavam as girafas, as rodas, os cavalos tentadores... Mas eu tive juízo, escolhi o banco e, com a Constança ao colo, subi e desci nas ondas do tempo, nas memórias e nos desejos. É tão bom andar de Carrossel!

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

GOSTOS E (DES)GOSTOS

Não gosto de certezas alheias
Não gosto de ternuras adiadas
Não gosto de sonhos emprestados
Não gosto da solidão por companhia
Não gosto de palavras agudas
Não gosto de ódios protegidos
Não gosto de encontros adiados
Não gosto de presenças ausentes
Não gosto da crítica cortante

MAS

Gosto do abraço quente
Gosto do silêncio ouvinte
Gosto do olhar cúmplice
Gosto de presenças desejadas
Gosto de prioridades afectivas
Gosto de sorrisos reais
Gosto de palavras doces
Gosto de ombros disponíveis
Gosto de dúvidas partilhadas
Gosto de romper impossíveis
Gosto de rasgar horizontes
Gosto de compreender sem palavras
Gosto de olhares leitores
Gosto de bons dias sorridentes
Gosto de boas noites entrelaçadas
Gosto de fugas sem aviso
Gosto de partidas sem adeus
Gosto de colo
Gosto de mimo
Gosto de partilhas de talheres
Gosto de construções de partilha

Afinal,
Tenho muito mais gostos, do que (des)gostos! Tenho de me lembrar disto mais vezes...

terça-feira, 9 de setembro de 2014

GUERRAS INSEGURAS E DE COSTAS

Não sou do PS. Não sou de esquerda, embora ache, às vezes, alguma piada a teorias por essa área apresentadas. No entanto, como sou pessoa, e como tenho o azar de viver em Portugal, tenho esbarrado com as guerras do PS nacional: - Seguro (porventura um dos mais inseguros que tenho visto), contra Costa. A maioria dos socialistas que conheço defende Costa. É um político mais experiente, dizem, e eu fico pensando o que quererá isso dizer... Gostam mais dele, é mais adulto, tem o apoio dos mais velhos, qual na Grécia Antiga os senadores têm peso, é mais consistente. 
Eu até concordo. 
Embora de fora, vejo o Tó Zé como um seminarista em férias, sem consistência e sem norte. Mas tenho pena dele, coitado. O homenzinho até ja perdeu a voz.. E deve ser duro ser maltratado por quase todos, ele que serviu o Partido no momento em que ninguém queria dar a cara. 
O Dr. Costa, que se manteve planando por cima, desceu agora, quando achou que o terreno era seguro e a presa era fácil. Desceu dos céus em voo picado e aí está, sorridente e feliz, cheio de si mesmo, propondo já confrontar-se com Rui Rio. Eu pasmo! O que tem de facto António Costa que justifique tanta confiança e entusiasmo? Olho com surpresa este frenesim em torno do PS e, no silêncio meu, desejo que empatem e que continuem a guerrear-se para que o país continue a ter algo que o faça distrair-se da realidade...

domingo, 7 de setembro de 2014

PERDÃO

Gosto de ir à missa, nos domingos. Gosto do tempo de reflexão, de alguma paz, de luz filtrada. Hoje, falava-se de perdão. Da necessidade de sabermos desculpar, de não julgarmos, de aceitarmos a diferença e a singularidade também. Ouvia, no banco da minha Sé de Portalegre, e pensava no quão longe estou da realização do perdão. Queria ser capaz de perdoar também, de eliminar os pequenos ódios, de aceitar e compreender as diferenças. Mas também queria poder ser perdoada e compreendida. Tenho tanto porque pedir perdão, tenho tanta incompreensão a pedir compreensão!

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O 1º DIA

Bem cedo, no país distante, o meu neto vestiu o uniforme e fez-se à escola. É uma nova fase, determinante, que agora começa e, para mim avó, é cedo demais... O meu neto mais crescido só tem 4 anos, é um quase-bebé, e vai começar a aprender a ler, a conhecer o fascínio de saber e de compreender, a desenvolver as necessárias competências para viver em sociedade. O meu Manuel Bernardo vai deixar o colo da mãe, a quentura do ninho, e vai iniciar o voo que, desejo eu, o levará a altos céus! Hoje, bem cedo, imaginei o meu menino (será sempre o meu menino) a entrar na nova etapa da vida. Sei que crescer dói mas, hoje, desejo que doa mais aos pais e aos avós do que ao meu menino. 
A preparar o meu ano lectivo, sonhando actividades capazes de encantar os meus meninos crescidos, penso ainda no meu neto. Sei que em Inglaterra tudo é diferente, que se valoriza o ensino colaborativo, que se trabalha por objectivos e perfis de desempenho, que há turmas por nível de competência. Aqui, neste Portugal cinzento, ainda se segue o modelo da escola do século XIX embora estejamos no século XXI... Enfim, sorte tem o Manuel Bernardo... 
Hoje, é nele que penso. Estava lindo no seu uniforme escolar, com os caracóis loiros e o olhar escuro carregado de curiosidade!

terça-feira, 2 de setembro de 2014

SETEMBRO

Chegou ao fim o intervalo na realidade. Terminou o tempo longe da rotina, ignorando problemas, olhando estupidamente a aparente calma como se fosse realidade. Por alguma razão se chama a esta época "silly season"...Setembro, apesar de ter chegado quente demais para o meu gosto, lança sempre um balde água gelada (sem direito a donativos) na minha vontade de viver. O meu coração, embora eu o ache enorme, está partido em pedaços e, ao contrário do do Poeta, não foi a criada descuidada que o deixou cair pela escada abaixo. Cada partida de seres importantes levou um pedaço de mim e, agora, só me restou um farrapito para encarar a vida possível. 
Setembro devolveu-me os medos apavorados do amanhã, o susto do futuro negro, a solidão do amanhecer. Agora, com o vento quente a soprar lá fora, com o corpo da cor castanha do bem-estar que já não é, começo a desejar a chegada do Natal...

terça-feira, 19 de agosto de 2014

INSIGNIFICÂNCIAS

Correndo o risco de repetir banalidades, apetece-me destacar, hoje e agora, o fascínio das pequenas coisas. O encantamento das insignificâncias que, normalmente, desvalorizamos por, exactamente, serem insignificantes (O pleonasmo é intencional). Creio que a idade, e a vida, me têm ensinado a cada vez mais, desfrutar do silêncio, da paz dentro de mim, das ninharias que tornam o meu quotidiano mais significativo. Para quê ódio, brigas e maledicências se, um dia, que é sempre breve demais, tudo se desfaz em nada? Se, afinal, o fim é o mesmo para todos? Ricardo Reis que a inveja provoca movimento excessivo aos olhos, e eu acho que o ódio, a má língua, a crítica cruel e feroz, provocam movimento desnecessário à alma. Quero aprender a valorizar cada amanhecer, cada palavra suave, cada abraço cúmplice, cada mergulho na água fresca. A vida, a exterior, passa...

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

LEMBRANDO UMA AMIGA

Não tenho a pretensão de gostar de toda a gente. Aliás, eu assumo que há pessoas de quem não gosto e sobre quem não perco tempo a pensar. Mas há, também e felizmente, muita gente de quem gosto muito. Gente que cresceu comigo, que caminhou na vida perto de mim, que conheci por diversos motivos. Há pessoas que me são especiais e não são, apenas, as minhas filhas e netos, os meus maiores amigos, aqueles que me marcam e, de alguma forma, definem. 
Hoje, há pouco, perdi uma dessas pessoas. A Luísa Mourato era da minha idade e morreu, depois de um ano de intenso sofrimento, vítima de um cancro voraz. Estava a ler "O Grande Conspirador", gozando no silêncio da minha Serra os últimos dias de férias, quando a notícia surgiu. 
Lembro a Luísa. Lembro-a na minha turma, como eu fraca aluna a matemática, lembro-a nas aulas da minha mãe, a tentar dar nomes à imensidão de orações e ques que Camões inventou sem querer. Eramos os números 16 e 17, os nossos pais eram médicos e trabalhavam juntos no Sanatório, íamos às festas de anos uma da outra. Depois, a vida separou-nos: Eu fui para Lisboa, ela para Coimbra. Não havia Facebook, afastámo-nos. Mas, sempre que nos reencontrávamos, a velha amizade voltava. A Luísa deu explicações de Filosofia à minha filha e não deixou nunca que lhe pagasse (isso não é coisa de amigas, dizia). A minha filha diz sempre que ela era a melhor professora de mundo, e eu acredito. A Luísa conversava e ensinava, gostava de jovens e sabia chegar a eles. Às vezes, no cabeleireiro, riamos juntas das nossas vidas, do facto de já termos passado os 50 anos, da necessidade de sermos felizes! A Luísa adorava meias, e eu brincava com ela por vê-la usar peúgas com bonecos e flores. A Luísa via as fotografias dos meus netos e achava-os lindos!
Agora, a Luísa partiu. Sei que há momentos em que as palavras perdem o valor, o sentido, mas quero acreditar que, lá onde estiver, ela há-de rir-se deste meu post. Um dia, quero muito acreditar, voltaremos a encontrar-nos. Até lá, fiquei mais sozinha na vida. 

sábado, 9 de agosto de 2014

PORTUGAL DOIS

É comum e frequente ouvir falar em assimetrias, na existência de um Portugal esquecido, na injustiça que preside à distribuição da riqueza. Normalmente, quando oiço dissertações sobre este assunto, penso no meu Alentejo, no isolamento de muitas populações, na carência de quase tudo. A meus olhos surge, invariavelmente, a planície amarela e seca, polvilhada de Montes românticos onde habita a solidão.
No entanto, depois de uma vivência familiar no Minho, percebi que as assimetrias não têm a ver apenas com o Alentejo. O Minho, uma das províncias mais belas de Portugal (se eu não amasse o Alentejo diria que é a mais bela), sofre também com as sucessivas políticas de centralidade no litoral. Ponte de Lima, a mais antiga vila portuguesa, Ponte da Barca, de águas límpidas e gentes simpáticas, Arcos de Valdevez, um lugar mágico e terno, vivem com o flagelo do desemprego e abandono. Vi, claramente visto!, fábricas fechadas, homens com rostos sulcados de desalento, crianças portuguesas pedindo esmola à porta dos hipermercados. Espantei-me com o número exagerado de emigrantes, gritando numa língua cheia de misturas, estacionando em segunda fila ruidosamente, desejosos de matar saudades, de encher a alma da terra que é a deles.
Para além da mágoa, experimento uma sensação de revolta enorme. Como é possível que os nossos governantes, independentemente da cor política, continuem centrados em belos discursos, em parangonas ocas, esquecendo os portugueses que fazem o país verdadeiro? Numa lavandaria, um jovem empresário dizia-me que a mulher, licenciada em jornalismo, passava roupa e ele, licenciado em marketing, geria a lavandaria. Contou-me do sonho impossível de terem filhos, do esforço imenso para sobreviverem. Este país que ignora os jovens, que se faz de diferenças, que não tem um projecto para crescer humanamente, revolta-me e incomoda-me. Até quando? Como fazer para mudar? Romanticamente acredito que teremos de nos unir, de fazer ouvir a nossa voz; mas, realisticamente, sei que o silêncio e o vazio estão para durar...

quinta-feira, 31 de julho de 2014

PACIÊNCIA

Já não tenho paciência para muitas coisas. Não que me tenha tornado snob, ou sequer adquirido a mania da superioridade, mas porque acho que, com 54 anos, é tempo de poder assumir que não tenho paciência para muito do que faz o quotidiano. Não tenho paciência para a hipocrisia, que me magoa quando o sorriso morde; não tenho paciência para frases feitas, pessoas vazias, ordens irracionais e comentários maldosos. Já não me apetece perder um minuto com a falta de reconhecimento, com as injustiças vigentes, com a inveja e a estupidez feita chefia. Não estou mais disponível para chorar por quem me rouba a paz, não vou mais fingir que compreendo o que é, para mim, incompreensível! Não estou mais disponível para os falsos amigos, para o egoísmo, para a crítica alheia de quem  não reconheço valor. Não vou mais concordar com o absurdo, não vou assinar de cruz as anormalidades profissionais com que me confronto.
Se a idade me oferece alguma coisa é, com certeza, a possibilidade de não ter paciência para quem não merece a minha paciência!

quarta-feira, 30 de julho de 2014

GEOGRAFIA

Sempre fui uma péssima aluna a geografia. Aliás, ainda hoje tenho pesadelos com as aulas de geografia na sala corredor, a sala do fundo do Convento de São Francisco, onde vivi dos piores momentos como aluna, de pé em frente de um mapa, com um professor aos berros para que eu localizasse Nova Iorque...Hoje, já sei bem localizar Nova Iorque mas, confesso, geografia não é o meu forte. Nunca aprendi os nomes das nuvens, nunca sei se vai chover olhando o céu de véspera, e confiava muito mais na direcção dos fumos da Robinson do que nos meus conhecimentos. Agora, com a Robinson encerrada, oiço os meteorologistas e continuo sem perceber nada das explicações que dão... 
Vem esta confissão de ignorância a propósito do cenário com o qual, nestes últimos dias, me tenho deparado quando me levanto, pelas sete da manhã: - As nuvens estão a meus pés! Cobrem a cidade, deixam de fora o cume da Penha e surgem-me como claras em castelo acabadas de bater. Pego nos meus netos e mostro-lhes o fenómeno: - Estamos acima das nuvens! - Hoje, o Manuel Bernardo concluiu: - Estamos no céu, avó! Vamos chamar o Menino Jesus! . Garanti que o Menino Jesus tinha ido de férias para outro céu, com praia...

domingo, 27 de julho de 2014

INCREDULIDADE


Há uns dias que, voluntariamente, ignoro o mundo. Não tenho visto noticiários, não tenho lido jornais e, quando ligo o computador, mudo num instante de página para não esbarrar nas notícias. Soube do caso BES, das suspeitas sobre Ricardo Salgado, dos três milhões de caução, em viagem, no noticiário breve da M80 que, agora, resolvi escolher como estação preferida. Neste alheamento consciente, tenho aproveitado cada minuto com os meus netos, com o Fluffy, com a minha filha que vive longe. 
Hoje, movida por uma espécie de sentimento de culpa, será correcta esta minha fuga?, decidi-me passar os olhos pela actualidade. Ficou-me uma dúvida: - Vivemos num mundo humano, ou apenas num infinito de estupidez animal (sem ofensa para os bichos)? Muito mais grave do que a história de Salgado, é o crime do Médio Oriente onde, diariamente, morrem e sofrem crianças inocentes. Onde estão as organizações internacionais, onde está a ONU? Como podemos continuar a fingir que somos civilizados enquanto morrem crianças e inocentes?
Olho o mundo que integro e não compreendo. Porque é que não conseguimos dar razão à essência que nos faz considerarmo-nos humanos? Porque fazemos guerras até de coisas pequenas, porque esticamos ausências, porque invertemos prioridades, porque insistimos em praticar o ódio e a agressão?

Acho que vou assumir a minha cobardia e continuar a ignorar o mundo que integro. Prefiro a minha solidão silenciosa, sempre que a alternativa é ódio e raiva!

domingo, 20 de julho de 2014

NÃO

Não me peças palavras
Não me exijas respostas.
Dá-me colo,
Dá-me silêncio quente.
Fica aqui. 
Deixa passar o medo, 
deixa esgotar-se o tempo.
Depois, breve, vai.

sábado, 19 de julho de 2014

A LUA

Há três dias a lua nascia gorda, enorme, sobre o mar das minhas férias. Surgia imensa, obrigava a grande amplitude de marés, permitindo-me  andar pela beira-mar em longas extensões de areia. Hoje, não há lua, não há férias, não há caminhadas. 
Hoje, com mais 46 exames de 2ªfase para corrigir, procuro nas memórias recentes forças para resistir.
Hoje, lembro a lua imensa, a lua que sem luz ilumina, e penso nos contrastes do quotidiano. É estranho viver, às vezes.