sábado, 28 de março de 2009

PARTIDA

Tenho a mala feita, as botas de ski limpas e estou quase a partir. Durante oito dias inteiros, uma semana completa!, vou trocar as voltas à vida e viver a ilusão de ser feliz. Bem cedo, vou descer as montanhas brancas, beber a bica forte nos cafés de madeira com enormes lareiras, sentir na cara o vento gelado e deixar os cabelos voarem loucos. Vou encantar-me com as cores intensas, emocionar-me com a paisagem esmagadora, rir muito com a cumplicidade dos amigos nas longas conversas, no bar do Hotel, em volta de uma bebida forte, desfolhando as memórias do dia. Amanhã, bem cedo, vou carregar o meu C4 e viajar até à neve.
Lembro, agora, outras viagens, a especial sempre "e assim o CX desliza, nas mãos seguras da Luísa" um ano antes de casar, visitando o Norte, Trás-os-Montes, no terno rally de boas memórias apelidado de "Rally do Nordeste". Trocava a neve, de bom grado, para recuperar esses momentos. Mas, como o Deus tempo sempre rouba, nada devolve, continuo vivendo e acumulando experiências e memórias.
Este ano, vou esquiar com um novo estatuto: - Vou ser avó!! E não resisto a rir-me de mim mesma, uma avó a esquiar?, cuidadosamente retendo imagens, pensamentos, para transmitir ao bebé que vem a caminho...

quinta-feira, 26 de março de 2009

Contagem Decrescente

Faltam dois dias - DOIS! - para sair deste buraco de terror em que tornaram Portugal!Levo a revolta comigo, está no fundo da minha alma, levo saudades das minhas árvores, dos meus cães, colam-se-me à pele, levo as ausências que me definem e o desejo ternurento que me molha o olhar. Mas vou com o entusiasmo de, por oito dias, não ouvir enormidades, recuperar a gargalhada, sentir que, às vezes, viver até tem sentido!

terça-feira, 24 de março de 2009

TERNURA

Hoje veio de mansinho, a ternura. Chegou com a manhã fresca, ventosa, as pétalas da cerejeira lembrando-me flocos de neve caindo no meu roupão vermelho quando, pelas sete da manhã, fui soltar os meus cães e limpar-lhes o canil. Depois, ficou-me colada à pela, feita saudades intensas enquanto o duche caía com força no meu cabelo e, de olhos fechados, desejava que a quentura da água me chegasse à alma. A seguir, na minha escola, vestiu-se de olhares cúmplices e andou brincando às esconddidas pelas palavras do Saramago que detesto. De tarde, sem se condoer da minha nostalgia sentida, invadiu-me no entusiasmo da Carolina que fui buscar à aula de Hip hop, desafiou-me na luz quente que cobre a minha cidade, fez-me desejar sumir-me, dissolver-me inteira, nas memórias de ausências dolorosas que não desistem de se fazer presentes.

Há dias em que, sem razão ou lógica, a ternura me ataca assim. E dói. Dói de ausências, fere de impossibilidades, dilacera ao confrontar-se com a realidade.

domingo, 22 de março de 2009

DESEDUCAÇÃO

Há temas que, de tão abordados, correm o risco de se tornar fastidiosos e cansativos. Talvez, sei lá, a educação seja um deles. Porque se fala muito em educação, porque se fazem debates, manifestações, manuais, tratados, ensaios, leis, decretos, etc., e, aos poucos, o cidadão comum deixa de prestar atenção. Mas, mesmo consciente deste cansaço do tema, eu não resisto a abordá-lo. Porque, de verdade mesmo, acho que se fala muito mais de deseducação do que de educação.
Em Portugal, neste governo socialista de estupidez generalizada, tudo se tem feito contra a educação, em nome da mediocridade, do facilitismo, das falsas estatísticas. Este governo, que pessoalmente abomino e considero negativo, não tem respeito pelo Ensino, o que significa não ter respeito pelos cidadãos.
Vamos aos factos: - A violência nas escolas aumenta. Porquê? Porque a imagem dos professores foi posta no zero, porque a autoridade foi abolida, porque os miúdos aprendem, agora, que mais do que o professor conta a opinião dos pais, dos ministros e até, se for caso disso, do funcionário da Câmara Municipal que opina no Conselho Geral da Escola. O clima nas escolas é triste, infeliz, feito de silêncios, medos e perseguições. Porquê? Porque este governo virou os professores uns contra os outros, pondo colegas a avaliarem colegas, sem uma efectiva e justa graduação profissional, numa prática arbitrária e absolutamente envenenada. Hoje, nas escolas há ódios que impedem a comunicação e que, como facilmente se compreende, prejudicam as aprendizagens dos alunos. Hoje, ao professor exige-se o sucesso dos miúdos e, por isso, há que baixar os níveis de exigência, pactuar com a mediocridade, prejudicar aqueles alunos que, de verdade, trabalham e se empenham. Hoje, as Escolas certificam (in)competências, para aumentar estatísticas, em processos feitos, muitas vezes, de ignorâncias chocantes. Hoje, os professores preenchem fichas, fazem percentagens, dão aulas de substituição, dão aulas de apoio, aprendem informática, frequentam acções, registam faltas, comunicam faltas, telefonam aos encarregados de educação, reúnem com os encarregados de educação, fazem actas, usam quadros interactivos, dinamizam clubes, organizam visitas, acompanham visitas, participam em reuniões e não têm tempo para fazerem o que sabem: - Educar!
Muitas vezes, acho que todos os dias, ecoa em mim uma frase da Drª. Catalina Pestana, a maior pedagoga com quem trabalhei, que diz “é preciso que a Escola tenha tempo para a pessoa que mora em cada aluno”. Eu não tenho esse tempo, a Escola de hoje não tem esse tempo! E sinto-me a falhar. Obrigam-me a falhar. E castigam-me, ameaçam-me, porque sou dos resistentes, dos que, convictos da verdadeira essência da sua profissão e incapazes de se agacharem face à estupidez das leis que este governo produz, não entregaram os objectivos individuais. E os meus objectivos são simples e muito claros: - Ajudar a crescer, no saber e no sentido do Bem, os jovens cidadãos que enchem as minhas turmas; despertar neles o gosto e o respeito pela língua e cultura portuguesas; formar uma geração com sentido crítico, com valores éticos e estéticos, amante da liberdade e respeitadora do próximo! Só. Sem percentagens. Porque não me imagino a fazer isto para 75% dos meus alunos… Vivo, agora, neste ano sem graça de 2009, parafraseando Sophia, tempos de chacais,. E queria, TANTO!, um país diferente… Um país com lugar para as Pessoas, com regras e leis, com verdade e autenticidade, com respeito pelas diferenças, com rigor, com justiça. Um país, com lugar para a ternura das aprendizagens!!

sábado, 21 de março de 2009

ANIVERSÁRIO

19 anos fez, hoje, a minha menina, a minha afilhada, a pequenina Leonor de olhos enormes que adorava as minhas histórias, ia comigo ao café e queria ser um rapaz! Hoje, jovem mulher apaixonada, percebeu a magia de ser mulher e cresce linda, lutando, centrando os olhos negros intensos na febre da vida. Passei o dia pensando nela, dei-lhe um presente embrulhado em muita ternura, ri-me com a sua garra e lembrei-a pequenina, na minha cama, adormecendo no mundo fantástico de cavalos, flores falantes e gnomos barbudos que eu inventava para ela.
Hoje, agora, o meu maior desejo era mesmo que a Leonor, e todas as Leonores como ela, não desaprendesse a magia do sonho, a pureza dos gnomos, o valor da Verdade. Parabéns!

sexta-feira, 20 de março de 2009

A PUNIÇÃO

Já muitas vezes disse que não tenho memória real, consciente, do tempo da ditadura. Há quem diga que por isso sou defensora da democracia cristã, embora eu ache que o sou apenas por uma questão de inteligência e lógica. De qualquer forma, para mim a ditadura era a prática da não-liberdade, a castração de vontades, a opressão, o reinado da injustiça e, por isso, aprendi a rejeitá-la com toda a razão intensa das minhas emoções. É meu costume dizer até que tive a sorte de crescer em democracia. Ora, agora que já parei de crescer, quando pouco falta para assinalar meio século de vida (um ano passa a correr), estou a experimentar os efeitos de uma democracia ditatorial. Infelizmente, não é um paradoxo com fins literários!
Vivo num momento que, um dia, a História classificará como o tempo das nulidades, a era do poder da força, a caça à livre inteligência e opinião. O governo do meu país, um Portugal que cheira a mar e a farrapos de sonho, persegue, penaliza arbitrariamente, premeia a mediocridade, certifica a incompetência, legisla contra os direitos básicos dos cidadãos e pratica a injustiça diariamente. Eu, que perderei talvez o vício de pensar quando morrer, fui penalizada, punida, por ter tido, tal como alguns colegas que recusam a mediocridade, a coragem de não entregar os malditos objectivos individuais. E em causa estava, apenas, fazer copy-paste de umas banalidades de fazer de conta que se avaliavam professores! Por discordar, porque os meus alunos exigem de mim - MERECEM!- um exemplo de efectiva seriedade e honestidade intelectual,recusei a mediocridade e o meu chefe, oficialmente Presidente de Conselho Executivo, entregou-me, hoje, a minha/nossa punição: - dois anos sem progredir na carreira!
Choca-me, obviamente, a estupidez inerente a todo este procedimento apadrinhado pelo Ministério da Educação. Mas, mais do que isso, revolta-me a forma como gente que até conheceu a ditadura desiste da democracia!!Magoa-me, agride-me, que uma elite intelectual, porque os professores são, ou deviam ser?..., uma elite intelectual, ceda a pressões vindas de gente sem escrúpulos, sem razão e sem verdade.
Hoje, lamento o povo português que ainda não aprendeu o valor da Democracia!!

VAZIO

Incrível como o tempo se esvazia, estando cheio. O Dia do Pai é um dia cheio, especial, Dia que vivi de mil formas, tempos de poesias, de longas cartas, de gravatas bem embrulhadas, de jantares com mesa cheia. Hoje, Dia do Pai é dia de doer. Dia de saudades acesas (mais ainda), de memórias tecidas de dor, de coração a estalar de angústia!
O tempo passa, a saudade cresce e a angústia dói!
A partida do Pai deixou uma cratera de dor na minha existência e não passa mais!!

quarta-feira, 18 de março de 2009

AMIGOS

O que seria eu sem os meus AMIGOS? Tenho-os de verdade. Autênticos, ouvintes, solidários, cúmplices, críticos, atentos, preocupados, ternos e indispensáveis. Porque não poderia existir sem eles. Porque eles me fazem ser assim, como sou, com mil defeitos, coração mole, cabeça quente e sentires despertos. Dos meus amigos, todos especiais, há um que é Poeta. Não poeta de poetar, de rimar e pronto, mas poeta de SER por dentro, real e autêntico, verdadeiro e genial. Hoje, depois de uma tarde indescritível, a seguir a mil momentos traumáticos e demolidores, cheguei a casa e, com um enorme copo de leite gelado, sentei-me no quintal passando um bom bocado com a poesia do Meu Amigo:
fim
Meus passos vagarosos
e cansados
percorrem a planície magenta
e triste
e levam os meus lábios cerrados,
minha boca sedenta,
em busca duma fonte
que não existe.
Terra e céu diluídos
e sem horizonte.
Tudo é perto e longe para mim.
Tudo é princípio e fim.


Obrigada, Amigo!!

terça-feira, 17 de março de 2009

SURPRESA!!

Tem de nos deixar ir lá abaixo, é por uma boa causa! Por favor! - E foram. Antes que eu tivesse tempo de abrir a boca, a Filipa e a Margarida desapareceram para logo voltarem, comprometidas, deixando-me, finalmente, escrever o sumário. Mas, ainda a meio do início do estudo da obra O Memorial do Convento, entrou-me pela sala o 12º C. Olhei espantada, sem, de facto, adivinhar a razão de tanta confusão. Perante os meus protestos, saltaram os Parabéns a você! O você era eu!! Assim, com uma ternura intensa, fazendo-me sentir com sentido, os meus meninos, aqueles com quem tanto ralho e que tanto adoro, deram-me um presente de anos, uma caneta LINDA!, e lembraram-me que, embora o meu BI marque 29 de Fevereiro, posso fazer anos quando calhar. Afinal, o Natal não é quando um homem quiser?
Estes miúdos são a minha razão de ir à escola, a causa de muitas insónias, a justificação para longos serões de trabalho, os responsáveis por muitas preparações e divagações. Costumo dizer-lhes que quero ajudá-los a serem melhores PESSOAS, que quero fazer deles cidadãos de facto. Acho que nunca lhes disse que são eles que me ajudam, e como!!, a sobreviver, a não baixar os braços, a seguir acreditando em muitos (im)possíveis, a acordar reinventando o amor a cada madrugada.
Hoje, sem que eles adivinhassem como o meu coração anda estilhaçado, fizeram-me chorar a sério, por dentro. Mas, ao mesmo tempo, lavaram a mola dos sentires-sentidos-de-ser que andava muito, mas muito, enferrujada!

segunda-feira, 16 de março de 2009

CONFESSAR???

Não há meio de acertar o passo com a vida. Agora, com um computador novo - OBVIAMENTE NÃO É UM MAGALHÃES!!! - tenho o poder de poder teclar onde me apetece, até metida na cama, ou no meio do jardim gozando a Primavera antecipada e, no entanto, o meu eu-essência-de-ser continua a sentir-se isolado e perdido. Este mundo, este mesmo onde sou Mãe, Mulher e Professora, nada me diz, em nada (ou quase nada) me preenche. Este mundo faz-se de hipocrisias, de receios, de muitos medos, de solidões mascaradas e a minha alma encolhe-se, amedronta-se, procura um lugar onde se refugiar da obrigatoriedade de existir. Só que cada vez é mais difícil encontrar esse lugar! Aqui e agora, no meu canto de paz, na companhia de sempre do João Chaves, desfio o tempo e apavoro-me. Ecoa em mim o Eça, "Falhámos a vida, menino!" e recuso ser o Carlos da Maia ou mesmo o refilão acomodado do Ega. O que eu queria... Não, não é que nem às paredes confesse, é que não sei como confessar. Acho que temo a penitência...

domingo, 15 de março de 2009

RATO!

Logo de manhã, depois de uma noite mal dormida, entrei na cozinha e apanhei um susto. Um ENORME susto... Dentro de um balde, daquele onde costumo levar a comida para os meus cães, estava um rato!!! Um rato de verdade, com orelhas redondas, nariz bicudo e cauda comprida. Mal queria acreditar! Em pânico, disposta a ir pedir ajuda a alguém, fui surpreendida pela calma da minha filha Joana que, sem vacilar sequer, e descalça, pegou no balde e levou o bicho horrível para a rua. O Tango correu atrás dele e... comeu-o!! Eu fui arranjar-me cheia de nojo, medo e impressões.
No duche, depois de ter investigado bem todos os cantos, pus-me a pensar no ridículo de temer um rato, eu, eu que já enfreitei tubarões da vida, que coexisto profissionalmente com hienas e falcões. Sempre sentindo a água quente correr forte, pensei como seria bom se o Tango conseguisse engolir os imensos bichos, nojentos e assustadores, que me surpreendem (ou não?)no dia-a-dia...

O Baile

Estavam lindos, todos! As meninas, elegantes, mulheres já,de vestidos longos e sapatos de saltos altos, maquilhadas, bem penteadas, não pareciam as miúdas refilonas, e encantadoras também, que diariamente me entram na sala de aula de olhos sonolentos e calças rasgadas. Eles, os rapazes, a revelarem-se inadaptados aos fatos, incomodados com o nó da gravata, bem barbeados, sorridentes, pareciam já os homens que, num futuro mesmo muito próximo, serão decerto. Fui vê-los. Porque gosto destes alunos, criámos laços, vi-os crescer; porque quero lembrá-los sempre; porque acho importante a presença dos professores nestes momentos. Mas não gostei das bebedeiras excessivas, das raparigas a vomitar, do exagero de fumo, dos palavrões, dos abraços fortes a coberto da noite que encontrei quando saí. Vim para casa calmamente, o meu Alentejo por companhia, deixando divagar os sentires. Lembrei-me dos outros miúdos, os que no 10º ano me desesperam e desejei, com que força!, que sejam capazes de crescer melhores. Mais PESSOAS!!!

sábado, 14 de março de 2009

Ouvir??

Chamaram-nos para nos ouvirem. Era uma sessão de trabalho, convidados ilustres como a senhora secretária de estado de qualquer coisa, Idália Moniz, o Dr. Juíz Armando Leandro, uma procuradora de voz de tabaco, modos de marinheiro embriagado e, obviamente!, vestido beringela. Falaram sobre crianças em risco, jovens também, manifestaram preocupações, repetiram a sonoridade do nonsense bem meu conhecido. Depois, foi a vez dos alunos. Seis jovens subiram à mesa, a de oradores para, disse a tal senhora secretária, serem ouvidos. Sentada na plateia, atenta, adivinhava o nervosismo dos meus meninos e aguardava as suas intervenções. Começaram. Falaram verdade, da realidade que conhecem, dos problemas que enfrentam, das dificuldades que vencem, dos sonhos que por vezes adiam. E, para meu espanto e profunda indignação, caíu-lhes a estupidez adulta em cima! Não os ouviram, não compreenderam, não respeitaram. Afinal, aquela gente queria apenas que os jovens dissessem o que eles próprios queriam ouvir: - que a opinião conta, que são solidários, que têm tempo para o desempenho de actividades cívicas. Via a Ana a desmoronar na real e justificada indignação, senti a surpresa atónita da Filipa, sofri com a dor magoada da Nazaré. Assim, com adultos destes, não vale a pena investir nos sonhos.Ou vale? se calhar vale. Porque eu acredito que tem de fazer sentido fomentar a mudança, provocar os sentires e construir sentidos. Mas, às vezes, faltam-me as forças...

terça-feira, 10 de março de 2009

VERÃO???

Nesta loucura geral que atacou os Tempos, o tempo também parece ter alinhado. Está calor demais! O céu está azul, o sol é intenso, os pardais andam tontos e os humanos, os que resistem à crise..., espirram e coçam-se! O Verão parece ter chegado, em Março??, e eu já começo a sentir os efeitos da depressão que sempre o calor me acarreta. Estou cansada. Fisica e emocionalmente exausta. Dói-me a consciência humana, sangram as emoções, estilhaçaram-se os meus sentires. Agora, hoje, apetecia-me ser um ser não ser. Uma existência sem essência, uma professora capaz de treinar as crianças, de se limitar ao cumprimento da idiotice decretada e normalizada, uma mulher apenas centrada na selecção de cor para a próxima saia a adquirir. Queria ser vulgar e, ao contrário de Pessoa, não ter sequer consciência disso!!!

sábado, 7 de março de 2009

SALTOS ALTOS

Acorda cedo, domingo é dia de tentar por ordem na casa onde, durante a semana, chega sempre tarde demais… Arranja-se com cuidado, maquilha-se levemente, não ousa sair à rua com o tempo gritando presente no rosto cansado, e sai sem bater a porta. Os filhos dormem ainda. É festejada pelos cães, faz festas, escuta no silêncio de Primavera antecipada, vindas talvez da sua memória de afectos, palavras lidas um dia: “Se procuras em homem fiel, escolhe um cão!”, e sorri à lembrança. Não queria um homem/ cão. Mas sentia, e sabia de verdade, que eram os seus cães quem melhor a compreendia, que eram eles quem lhe adivinhava as tristezas e desilusões. Afagou-os uma vez mais pedindo, nunca tivera jeito para lhes ralhar, que a não sujassem. - Por favor, não saltem, tenho de sair - e, com a carteira fazendo de escudo, lá se enfiou no automóvel. Enquanto o motor aquecia, nunca arranques com o motor frio!, ligou o rádio para ser agressivamente lembrada do seu dia: - Dia da Mulher! Promoções, propostas de programas, saldos, lojas a fazerem ofertas, restaurantes sugerindo almoços de mulheres a preços em conta. Não gosta do dia da mulher. Aliás, de dias só gosta mesmo dos dos aniversários e do Natal. Estes, das Mulheres, da SIDA, da Droga, da Liberdade, da Mãe, do Pai, do consumo, da solidariedade, da pobreza, da árvore, da flor, da água, do vinho, de sabe lá mais quantas razões que achava desrazões, nada lhe diziam. E, no entanto, considerava-se uma feminista! Não feminista no sentido social do termo, carregado de desejos de ridículas igualdades, feito de combates de sexos, procurando o direito a usar barba também, a não fazer depilação, a poder beber cervejas, cuspir tremoços e discutir futebol com o vocabulário reduzido, excessivamente grosseiro e reduzido, que muitas vezes caracterizava alguns homens. Não. Era uma feminista de saltos altos, como gostava de dizer. Achava-se bem no seu papel de mulher, gostava das idas ao cabeleireiro, da passagem cedida nas portas, da delicadeza do sexo masculino, algum…, ao dirigir-se-lhe. Era uma feminista convicta da importância de ser mulher. De facto, considerava não haver nada, nada que não se prendesse directamente com força física, que uma mulher não pudesse fazer tão bem como um homem. Aliás, achava mesmo que, tirando a dificuldade em ler mapas, qualquer mulher desempenharia com igual mérito uma qualquer profissão. Ainda por cima, as mulheres conseguiam fazê-lo de saltos altos, pensava, sorrindo, enquanto escolhia as hortaliças para fazer sopa nutritiva.
Tomou café com calma, a calma do domingo de manhã, e leu com cuidado os jornais do dia. Sabia-lhe bem o sol, o calorzinho da existência de um domingo que lhe chegava como um elogio à ternura. De regresso a casa, a rádio continuava anunciando o comercial dia … vieram-lhe lembranças de grupos de mulheres, galhofando, em torno de longas mesas, gozando o tempo, atribuído pelos homens, de UM DIA num total de 324. Encolheram-se-lhe os sentires. Não ia de certeza a um desses almoços! Achava uma coisa absolutamente masculina, essa de se juntarem apenas para beber e comer ou, talvez, para comentarem homens com a mesma vulgaridade com que os homens (alguns) comentavam mulheres. Chegou a casa e foi recebida em festa, miúdos acordados, saltos dos seus cães quase a deitando ao chão. Sentiu os olhos húmidos pela doçura daquele momento, pela certeza da sua pouca duração – as crianças crescem depressa demais! – e em silêncio agradeceu a sua condição de Mulher.
Com os miúdos à volta, arrumou as compras, encheu a máquina de roupa, arrumou quartos, ajudou a fazer trabalhos, sentiu as mãos do marido saudando o seu dia e, reparou também, continuou achando fantástico o som dos saltos altos no sobrado da sua casa…

sexta-feira, 6 de março de 2009

Uma aventura...

"Jura, não vai ser uma aventura". É o Rui Veloso, no Oceano Pacífico - claro! - a fazer-me companhia. Mas a mim apetecia-me uma aventura. A sério. Com ousadias, irreverências, cumplicidades, originalidades, lareiras, vinho do Porto, chocolate e morangos. Apetecia mesmo.

quarta-feira, 4 de março de 2009

O SIMULACRO

Eu hoje tenho de ficar ao pé da porta, vai haver um fogo! - E eu a protestar. Fogo?? Sim, esclarecia o João, um simulacro, a setôra nunca sabe de nada.E eu a admitir que sim, que nunca presto atenção aos simulacros, sem confessar que me vejo aflita para dar conta da realidade! O João esqueceu-se da porta, centrou-se na desculpa a inventar para justificar a ausência do livro, não admitiu ser um simulacro de aluno..., e a aula começou.
A Mensagem a fazer-me despertar para o sonho, o desejo de contagiar os meus miúdos, o mito é o nada que é tudo, A Europa jaz, posta nos cotovelos, a actualidade das palavras geniais do meu Poeta e o alarme dado pela cumpridora funcionária numa interrupção aflita: - Depressa! Já deviam ter saído! - Saímos com calma, sorrindo, os alunos brincando com o facto de eu ter trazido o livro de ponto (deficiência profissional?), alguns reclamando por causa do frio, outros entusiasmados com o intervalo antecipado. Dez minutos depois, todos na rua! Centenas de jovens, de adultos, esperando a chegada dos bombeiros. Frio. Sentia o vento gelado, a chuva grossa, entrarem-me na alma e fiquei esperando, ouvindo os comentários ao simulacro.
Meia hora depois, começou o espectáculo: - Bombeiros, ambulância, PSP, governador civil, jornalistas! Impressionante!! Montaram-se escadas, cordas, saíu o Miguel, actor inato, fingindo pânico, foi retirada a Cátia, de maca, simulando ter sido vítima de um desabamento. Entretanto, gelava-se na rua!
Demorou quase duas horas o circo armado. Ou melhor, o simulacro! Simulacro de incêndio e de espectáculo porque, de verdade, nenhuma das coisas teve qualidade... Se houvesse um incêndio a sério, teriam libertado o parque de estacionamento de véspera para estacionarem os carros de bombeiros e as ambulâncias? Teriam os alunos saido calmamente, rindo e sem atropelos? Ter-me-ia eu lembrado do livro de ponto? Duvido.
Foi, sem dúvida, uma manhã diferente. Gelada e húmida, com o governador civil a tomar café no Bar da minha Escola. De que serviu? Creio que de nada. Mas teve graça porque mostrou que este país, o Portugal de hoje, nem a simulacro chega!!!

terça-feira, 3 de março de 2009

INJUSTIÇA

Fazem parte da vida, as injustiças. Dizem presente, magoam, provam que mandam e fazem chorar. Também ajudam a crescer, acho eu... Foi assim hoje, no Parlamento dos Jovens, ao provar-se que são os acordos de bastidores, as falsidades e hipocrisias, que marcam a política. Até a dos mais jovens! A Ana Drago, uma esquerdosa que me surpreendeu agradavelmente, afirmou que a razão de cada um vale o número de votos... Consciente da verdade óbvia, não resisto a questionar-me: - Fará sentido a razão numérica?? Como dizia Fernando Pessoa "maioria não é sinal de razão"!! Que raiva a democracia da estupidez oca dos números!!! Como me doeu ver a revolta chorada, verdadeira e justa, das minhas meninas! Como me dói, me dilacera!, ter de educar encolhendo os ombros e afirmando que, enfim, temos de aprender a viver com as injustiças!
Felizmente, hoje há dança!!

segunda-feira, 2 de março de 2009

CONTRASTES

Vida e morte. De mãos dadas, presentes, exigentes, dolorosas.
Começou a Semana das Línguas, era a minha Semana do Português ... Agora, tem um nome mais pomposo, envolve o Departamento e ficou mais imponente. Ou talvez não. Talvez seja eu que estou assim cinzenta, a ver as coisas sem luz. Afinal, os meus meninos BRILHARAM no desempenho do Felizmente Há Luar! Encheram-me de orgulho, fizeram-me sentir que, apesar de muitos e dolorosos pesares, às vezes vale a pena ser professora!
Depois, de tarde, morreu a Senhora Dona Odete! Era a mãe da minha amiga Lena. Uma senhora suave, de olhos pequeninos e sorriso doce, sempre de saltos altos, terna e maternal. Encontravamo-nos às vezes no cabeleireiro, e sempre sorria, sempre era simpática.
Começa a morrer gente a mais no meu campo de afectos!Começa a haver buracos demais no meu património de sentires... Cada vez mais, neste contraste de morte e vida que faz a existência, sinto a inutilidade das pequenas coisas. Ou queria sentir...

domingo, 1 de março de 2009

DIA DE ANOS

Hoje é o dia. É o dia a seguir ao 28 de Fevereiro, o dia dos meus anos que devia ser 29 de Fevereiro e se faz de1 de Março. A vida começou cedo a tentar dizer-me que não ia ser fácil, não ia dar folgas.
Nasci em Lisboa, ninguém nasce em Lisboa!!, por acaso, porque o meu Pai estava a fazer a especialidade; nasci na Maternidade Alfredo da Costa, onde nasce todaa gente sem história, inserida na freguesia de São Sebastião de Pedreira que ninguém merece. Nasci longe do meu espaço de ser, da minha cidade amada, das ruas que conheço de cor, das esquinas onde as beatas cochicham, das escadas do velho Liceu onde aprendi a namorar. Para cúmulo, nasci no Carnaval (EU!!!) do ano de 1960, no dia do Terramoto de Agadir. Ainda por cima, era dia raro, só há de quatro em quatro em quatro anos! Ora, obviamente, todas estas voltas da vida marcaram o meu destino.
Ou não. Se calhar, fui eu que fiz as minhas escolhas, que teci os meus momentos, que inventei o meu ser neste mundo escuro e sem anexo em que tenho vivido. Fosse como fosse, ou porque fosse, faço anos hoje. E por isso vou ao Castelo, ao da minha cidade, almoçar diferente para marcar a data. Estou viva, tenho mil memórias, sonho impossíveis, conheço os caminhos do Amor, com azinhagas incluídas. Justifica-se o almoço!