quarta-feira, 29 de abril de 2015

TEATRO

Gosto muito de Teatro! Gosto da magia da criação, da força das palavras, da intensidade dos silêncios, do palco, das luzes, da música, da porta enorme que sempre se me abre para um mundo novo. Como professora de português, tenho muita pena que, na Escola portuguesa, não exista espaço para a expressão dramática e, por isso, sempre que arranjo um pretexto (e arranjo muitas vezes), lá desafio os alunos a teatrarem... 
Este ano, Gil Vicente deu-me uma ajuda  e os meus alunos de 9º ano escreveram um fabuloso, e actual, Auto do balão celestial. Nem mais! Os maus, pecadores, embarcam atrás do demónio, mas os bons, se os houver, entram no balão azul que os levará ao céu...
O professor de educação visual ajudou a construir os cenários, que ficaram lindos!
Hoje, foi o ensaio geral. Como todos os ensaios gerais, correu mal. 
Mas amanhã será a estreia e, espero eu, vai correr bem! 


terça-feira, 28 de abril de 2015

AS PESSOAS

Que o ser humano é estranho, complexo e surpreendente, não é novidade. O que é novidade, para mim, é a capacidade infindável que o Homem tem de reinventar o mal, de espalhar a infelicidade, de estilhaçar os sonhos! Pode não ser um animal selvagem, mas animal é de certeza...

domingo, 26 de abril de 2015

MORTE

À medida que o tempo passa, e os anos se escoam, vamos, eu vou, convivendo com mais frequência com a Morte. O tempo em que "eu era feliz e ninguém estava morto" faz parte de uma memória cada vez mais longínqua e, agora, começo a achar que o meu carregamento de mortos tem um peso considerável. 
Os mortos queridos, aqueles que eu precisava que continuassem vivos, são, para mim, buracos - crateras - na minha existência. Nada há que disfarce a agressão, nada há que suprima a perda. Essas crateras, contudo, estão forradas de memórias que, com a distância, se vão suavizando e até embelezando. 
Há também mortos que não me fazem falta. Mortos de quem não sinto saudade, que me fizeram mal e que, por isso, tento não recordar... 
Há, ainda, os mortos-vivos. Aqueles que me abandonaram, que seguiram sem mim, que lembro, mas perdi, algures, numa esquina da vida. A esses queria ressuscitar nos meus afectos!
Um dia, também eu vou ser morta. Não vou estar morta, porque os mortos não estão, mas vou ser morta. E, quando isso acontecer, eu desejo que, pelo menos para alguns que me são queridos, eu me torne no tal musgo macio que enche de conforto a cratera da ausência.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

SORRISO

A minha cidade, fazendo companhia à minha vida, está envolta em nuvens cinzentas. Do céu caem lágrimas certinhas, frias e constantes. 
Fiz um café forte, bem forte, e fico agora, em paz, ouvindo o meu coração entristecido. Para me animar, fui colher flores ao meu quintal. Coloquei-as na taça de estanho, bem no meio da minha velha camilha de trabalho. Olho-as e, de repente, dou comigo a sorrir. Há coisas bem mais importantes do que a frieza de algumas existências!!

domingo, 19 de abril de 2015

ESPIGAS

Pegávamos na base da espiga, fazíamos correr a mão com os dedos unidos e lançávamos o punhado retirado ao frágil pé às costas das amigas. Depois, elas davam três saltos, mesmo desconhecendo o que o Dicionário de Símbolos diz sobre o número três, e nós contávamos quantos picos, assim lhes chamávamos, tinham ficado agarrados à blusa. O resultado seria, acreditávamos, o número de filhos que um dia teríamos ou, dependendo do humor do dia, a quantidade de namorados que ainda iríamos encontrar. Nesta altura do ano, com os campos lindos e cheios de flores, há destas espigas por todo o lado. Hoje, no meu passeio de bicicleta, lembrei-me das brincadeiras de menina e não resisti a, sozinha, repetir o jogo. Não é que ficaram duas espigas na minha t-shirt??

sábado, 18 de abril de 2015

OS GATOS

Sempre preferi cães, a gatos. Cresci com cães por perto, o meu Pai era caçador, e a Princesa e o Romel serão, para sempre, referências de perdigueiros leais na minha memória. Os gatos fugiam do quintal, corridos pelos cães, e não me lembro, nunca, de haver gatos em casa. Já adulta, comecei a olhar os gatos com outros olhos. Gosto da independência dos felinos, da sua elegância, da forma como prezam a sua liberdade e independência. Ainda assim, este reconhecimento de algum encantamento nunca foi suficiente para que me deixasse convencer pela ideia de conviver com os bichanos.
Ora acontece que os meus netos, com o poder de persuasão que lhes confere o estatuto de netos, instalaram dois gatos cá em casa. Os bichos vieram pequeninos, um preto e uma malhada, eles baptizaram-nos de Charlie Blackie e Lowa, fizeram-lhes algumas tropelias e, quando voltaram para a casa deles, os bichos, que não podem viajar de avião, ficaram. Comecei por mudar-lhes a moradia. Dentro de casa, não! Arranjei-lhes um lugar numa casinha do quintal, bem abrigados do frio, e dou-lhes de comer todos os dias. Este fim-de-semana resolvi, numa decisão cheia de coragem, apresentá-los ao Buda, o cão que também herdei da minha filha, para que os bichanos pudessem correr no quintal. Bom, a intenção era boa mas correu mal! O Buda não quer gatos nos seus domínios. Os gatos não querem aceitar ordens do Buda. Eu continuo com os gatos fechados, com o Buda à solta, com uma sinfonia no quintal sempre que o cão resolve aproximar-se da residência felina.
Há coisas que só me devem acontecer a mim!!

quinta-feira, 16 de abril de 2015

DESISTIR

O povo diz, num adágio conhecido, que "desistir é próprio dos fracos!". Eu não consigo concordar com esta sabedoria popular. Cada vez mais, se calhar porque o mundo está a mudar muito depressa, ou se calhar porque já aprendi muito com a experiência, acho que desistir pode ser, e é frequentemente, um sinal de inteligência. Que sentido faz, por exemplo, uma pessoa dispor-se a sofrer eternamente por uma quimera? O que se adianta, ou de que serve, travar-se eternamente uma luta contra uma muralha indestrutível? Desistir é, acho eu, ser capaz de preservar alguma sanidade mental, alguma paz interior também. Claro que desistir implica sempre perder. Mas perder faz parte dessa coisa a que chamam vida...

quarta-feira, 15 de abril de 2015

TROVOADA

Gosto de chegar a casa, ao fim da tarde, e de ficar sem fazer nada. Um nada que encho de pequenos afazeres, de muitas memórias e reflexões. Hoje, com o céu carregado de negro parecendo decidido a não deixar rebentar a trovoada, penso noutras trovoadas.
O meu Pai tinha pavor de trovoadas. Ficava doente, metia-se na cama e mandava logo buscar o "cobertor de papa" que, dizia, protegia dos relâmpagos. Eu, miúda, sentia um certo fascínio pelo céu a rasgar-se, pelos estrondos dos trovões, e gostava de ficar na varanda, ou perto da janela, a ver as cores que vestiam o céu nas tardes de trovoada. (Obviamente, era sempre obrigada a sair de perto da janela se o meu Pai estivesse em casa...)
 Um dia, já não sei bem porquê, a minha tia Maria Luísa (a única tia que o foi de facto), ficou a tomar conta de mim e dos meus irmãos e aconteceu uma terrível trovoada. A minha irmã, então miúda, chorava com medo e a minha tia, cheia de boa vontade, explicava que não havia nada a temer, que era tudo natural. De repente, um relâmpago caiu perto de casa, e a caixa do telefone, então ainda telefone fixo, saltou para o meio da sala. A minha tia correu da sala e só parou na cozinha...
Agora, esperando que a trovoada aconteça, recordo este episódio e não consigo deixar de sorrir. Ao mesmo tempo, penso que estes medos, medos dos quais podemos fugir, não são nada se comparados com outros que nos limitam. 
Eu não tenho medo de trovoadas. Mas tenho tanto medo da vida! Eu não fujo dos relâmpagos, mas gostava muito de poder fugir dos raios de ódio que me lançam vezes demais!

segunda-feira, 13 de abril de 2015

O DIA DO BEIJO

O Hotel era branco e branco. Assim, num abuso de claro, de paredes nuas, no estilo que, com a mania dos estrangeirismos, se chama de clean. Eles chegaram, num abraço de silêncios, dispostos a três dias de paz. Seria uma tentativa, uma experiência de cumplicidade efectiva, um viver de possíveis feitos de muita  aceitação adiada. 
A bagagem que carregavam era leve, subiram rapidamente a escadaria de madeira - flutuante-, e entraram no quarto. Lá fora, um excesso de verdes floridos, a Primavera exuberante e o calor antecipado. Lá dentro, o cuidado nas palavras ditas, a opção pelos silêncios de paz procurada. Os dois num só abraço, os corpos unidos em pleno, o êxtase a gritar possível. O duche forte, a dois, o sono embrulhado na procura do eu em cada outro.
Depois, num instante, o raio de sol a despertá-los, a brincar com o pé descalço, com o ombro nu, com as costas descobertas. A aquecer o desejo, a provocar a entrega. E o pequeno-almoço na varanda larga, a saber bem o café forte, a conversa agora mais fácil. Passeios, observações inocentes e a manhã envolta, ainda, na selecção criteriosa de cada palavra. O SPA, o jacuzzi partilhado, a sauna, a preguiça que ela encompridava na cadeira de repouso.
De vez em quando, fugindo ao controlo, uma nesga de conversa difícil, uma crítica aguda, uma acusação dilacerante. E ela a optar pelo silêncio, pelo sol morno e o dia lindo... Pela aceitação...
Três dias esgotaram-se num instante. E veio o adeus, até outro momento, até outra oportunidade. De novo a vida adiada, o amor disfuncional apenas por não caber nos cânones alheios!
Ela a arrumar os restos do sonho terminado e a ouvir que fora o Dia do Beijo! Não dera por ele...

domingo, 5 de abril de 2015

DOMINGO DE PÁSCOA

É outra vez Domingo de Páscoa. E eu, que já vivi muitos domingos de Páscoa, vivo mais um sem sentimentos de repetição. Porque todos os Domingos de Páscoa foram, para mim, sempre singulares.
Lá longe, ao fundo do túnel grande que a memória ilumina, vejo os Domingos da minha infância. Casa cheia, o Tio Eutíquio e a Tia Maria Luísa a chegarem cedo, o meu Pai a orientar tudo e a casa a encher-se de cheiros bons. Lembro-me das batatas fritas, nunca mais comi iguais, do cabrito tenro, dos doces que enchiam a mesa. Mas lembro-me, sobretudo, da família grande, das conversas que faziam o almoço pegar com o jantar, das janelas abertas para a cidade, das cores da Primavera tão tenra quanto o cabrito. Então, eu detestava a sopa de miúdos. Aquela cor castanha, os bocados de sangue que eu pensava serem carne mole, apavoravam-me. Eram os Domingos de Páscoa com canja...
Nesse tempo, a minha avó Leonor gostava de pôr a mesa, de colocar tudo numa ordem que era só dela e eu gostava de a ajudar. Era o Tempo dos Vivos!
Hoje, adoro sopa de miúdos! Já sei cozinhá-la, gosto de ir ao quintal colher as laranjas e de as cortar em rodelas finas, já sem casca, para depois as deitar na sopa. Gosto dos cominhos que coloco no final, da cor castanha que fica na panela e na terrina de flores. Hoje, lembro outras Páscoas também. 
Páscoas de missa chorada, num canto sozinho da Igreja Grande, com medo do futuro que era já presente de agressão e dor.
Mas hoje, agora, sento-me na varanda e reparo que a cidade continua lá, em baixo, no alinhamento curioso dos telhados. Hoje, sei que me faço boa companhia, que a minha solidão se enche de memórias e, porque não sonho mais, não temo desilusões.
Este é o Domingo de Páscoa da aceitação. Sim, aceito a impossibilidade de compreender, aceito o sonho quebrado e aceito, ou tento..., a desistência do sonho.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

O Lúcio

Ocupava toda a mesa da cozinha e, achava eu, cheirava a verde. A lodo, esclareceu o meu Pai. A curiosidade infantil colava o olhar no peixe grande, seria aquilo um tubarão?, e o meu Pai explicou que era um lúcio. Lembro-me de ter calado a minha surpresa, escapando aos risos trocistas dos meus irmãos, por achar que Lúcio devia ser o marido da Lúcia, a senhora que ia lá a casa, uma vez por semana, coser bainhas e pôr joelheiras nas calças rasgadas. Era um lúcio, então, aquele peixão que tinham oferecido ao meu Pai e que chegara na Sexta-Feira Santa, dia mesmo de só se comer peixe. Pensei que tinha sido uma bela ideia a de substituir o bacalhau, que não apreciava...., por um peixe com nome de gente.  
Vieram, então, as mulheres para tratar do bicho. As crianças foram empurradas para o quintal e, munidas de facas e dois enormes alguidares, elas começaram a fazer que eu chamava desmontar o animal. Tinha espinhas grossas e eu, que ainda hoje não sei muito bem comer peixe, antecipava com horror o que uma daquelas espinhas poderia fazer se se espetasse na minha garganta...
Às três horas, o meu Pai chamou-nos. Era sempre assim, na Páscoa. Sexta-feira Santa, às três da tarde, tocava a sirene e nós ficávamos juntos, normalmente no quintal, pensando em Cristo. Eu, nesse ano, pensava no lúcio. Coitado, ia ser comido, não ía mais nadar no rio, não ía mais passear com a Lúcia. Porque seria que não se podia comer carne?, pensava eu lembrando-me dos cabritos que berravam atados por uma perna junto aos galinheiros. Talvez Jesus quisesse proteger os cabritos, afinal era menos mau matar peixes, concluía eu no momento da oração familiar. Era tudo tão rápido que eu nunca tinha tempo para rezar.
Calava-se a sirene e  eu via sempre lágrimas nos olhos do meu Pai!
Hoje, na mesa da minha cozinha não há lúcios, o almoço foram rissóis. Hoje, as lágrimas estão nos meus olhos e, se bem que nunca mais comi lúcio, mantive a dificuldade terrível em rezar enquanto a sirene toca...