quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

OS BARQUINHOS

 Se o fim do dia traz a paz da noite, ele carrega também, vezes demais, o reflexo de dias fazendo-se, a cada amanhecer,  de maiores estreitezas e mágoas. Ela sabia isso de cor. Um saber de experiência feito que, ao contrário do que acontecera com o Velho do Restelo, apenas lhe dava a angústia da razão sem solução. Ainda assim, era a hora que preferia e, sob chuva ou sol, sempre privilegiando a primeira, gostava de sair de casa, de caminhar e de se abrigar, com a cumplicidade de uma chávena de chá negro, no restaurante dos barquinhos. 
Quando tinha filhos pequenos, jogavam com os barquinhos, inventando-lhes destinos, imaginando-lhes aventuras, protegendo-os de monstros e sereias traiçoeiras. Agora, as crianças tinham partido, os monstros eram outros, e ela ficara só com os barquinhos...
Hoje, sob chuva ventada e embrulhada em nuvens negras, olhava os barquinhos e desejava tornar-se num deles ficando, para sempre, na tranquila segurança de uma parede onde se apoiasse.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A IDADE

Envelhecer é um processo natural, normal e que deve ser aceite, com sabedoria, por todos. E blábláblá, numa sequência de frases e ditos que, de tão repetidos, já não fazem sentido. 
Envelhecer é tramado, e ponto final. 
Obviamente, é obrigatório mas, ainda assim, custa que se farta. Quem pode gostar de ver embranquecer o cabelo, alargar as formas (ou estreitarem-se), surgirem as rugas e as marcas nas mãos?! É porque ninguém gosta de envelhecer que se pintam cabelos, se fazem plásticas, se procuram formas de atrasar o inevitável... A mim, a idade (como a vida) tem-me dado o contrário do que eu esperava. Eu esperava que a idade me trouxesse serenidade, capacidade para aceitar absurdos, e inteligência para compreender o incompreensível. Nada disso aconteceu! Com o surgimento de mais cabelos brancos, vem, diariamente, uma maior dificuldade em comer e calar. A cada dia que passa, sinto que me é mais difícil aceitar o que, para mim, é inaceitável! 
Hoje, dei comigo a irritar-me e a indignar-me (uma vez mais) face a uma medida que, designada educativa, me parece escandalosamente deseducativa... A um aluno indisciplinado foi aplicada uma suspensão de dois dias. Ora, considerando que o aluno está a frequentar  a escolaridade obrigatória, que é um pré-adolescente, que ninguém está em casa com ele durante o dia, eu acho que o rapazinho recebeu um prémio: - Dois dias inteiros sem aulas, a ver televisão, a jogar à bola, a navegar na net! Para a próxima, vai desejar quatro dias de suspensão!
Como querem que compreenda esta decisão?! Este miúdo devia ser castigado de modo a que percebesse que errar dói, não dá bónus! Este miúdo devia ser olhado como um elemento no todo que é a sociedade e não, apenas, afastado do olhar da mesma. Que Escola é esta que considera educar apenas sacudir a água do capote?! 
Muitas vezes tenho dito, e escrito, que a Escola tem de mudar. Hoje, tenho medo que a mudança chegue tarde demais... É que estou a ficar velha e não viverei, talvez, o suficiente para festejar a mudança que desejo!

sábado, 24 de janeiro de 2015

INSÓNIA

Às vezes, sem porquê, acontece assim. Em vez do sono bom, necessário, retemperador, em vez das asinhas de anjos a passarem-me pela alma, vem a dona Insónia. A dona Insónia é uma bruxinha como as que enchiam as histórias da minha infância: - Surge sem ser convidada, é escura, traiçoeira, carrega sempre um saco enorme de maldades e, quando lhe apetece, entra-me no quarto a espalhar memórias de doer, desilusões, receios, desesperanças, destruições e mágoas. Tal como as bruxinhas, parece ter como fim combater a paz e a segurança e, mais cruel ainda, rouba-me o sono de que tanto preciso. 
Saio da cama cansada. 
Eu sei que devia dormir! Mas como fazer para mandar embora de vez a maldita dona Insónia?? Cada vez mais ela me visita e, hoje, penso que a única solução é mesmo tornarmo-nos amigas e passar a encher de coisas boas o buracão grande que ela faz no meu descanso!

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

CALMA

Com a calma da tranquilidade face ao conhecimento do impossível, enroscou-se no sofá. Arrumou livros, papéis (incrível a quantidade de papéis que guardam agressões), ligou a música e ficou olhando o fogo. Gostava da lareira assim enorme, feita de fogo sonoro, de chama perfumada, transformado na presença feita companhia. Não fechou os olhos, ficou olhando o calor e vendo desfilar momentos, opções, desgostos, sonhos e mil utopias. Lá fora, o frio. Por vezes, o ladrar dos cães, uma buzinadela apressada e tardia. A presença dos outros confortavelmente ao longe.
Fixou as muitas fotografias que enchiam a sua sala, tantas amarelecidas pelo tempo, e lembrou infâncias. Veio Pessoa, sempre presente, ouviu os Sinos da Aldeia que nunca o foi, viu o soldado que,  no plaino abandonado que a morna brisa aquece, jaz morto e apodrece.
Também ela arrefece, e apodrece, ao ver esboroarem-se sonhos, ao confrontar-se com a desistência assumida. Como viveria sem a Poesia, sem a urgência das palavras, sem a magia de tecer sentidos quando o sentido não acontece?

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Felicidade

Já muitas vezes, talvez demais, aqui falei de felicidade. No entanto, quando a vida se veste de cinzento, quando a tristeza diz presente, sinto que a felicidade traz cor e necessita ser chamada. 
É possível viver momentos de felicidade! Eu vivo-os quando os meus alunos me fazem sorrir, quando a verdade está presente, quando o carinho é quente, quando a noite tem luar, quando olho o que me rodeia e me sinto parte de algo!
Talvez pareça prosaico, ridículo até, falar de felicidade, mas eu acho, acho mesmo, que se falarmos muito nas coisas há mais probabilidades delas se concretizarem...

sábado, 10 de janeiro de 2015

SILÊNCIO

Acho que foi Churchill quem disse que é precisa muita coragem para falar, mas também é precisa muita coragem para ouvir. E hoje tenho-me lembrado muito desta frase, por causa dos horrores em Paris e por causa, também, da minha vidinha pessoal. Paris revolta-me, apavora-me, faz-me viver o pior dos  sentimentos: - O Medo! A minha vida fica insignificante e experimento uma enorme necessidade de paz e silêncio. Aterrada, eu que sou profissional da solidão, dediquei-me, consciente e voluntariamente, a ouvir o silêncio!
Depois de uma aventura no mundo da Saúde em Portugal, que me ocupou de angústia a tarde de sexta-feira, dediquei a mim mesma tempo de qualidade: - Sem telefones, sem ligar o computador, frente a uma boa lareira e na companhia de um bom livro. Fiz com mil cuidados uma salada de mozzarela, tomate e salmão, enchi uma taça com vinho suave e fresco e concluí que, na vida,  temos de saber ser às vezes a nossa própria prioridade... Concluí, também, que o silêncio da humanidade é uma óptima companhia.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

VIOLÊNCIA

Medo. É, talvez, o pior dos sentimentos. E é com o medo que a sociedade actual, na era das tecnologias e da modernidade, tem de aprender a viver. O que hoje aconteceu em Paris não tem classificação. 
Há duas palavras que me saltam: - bestialidade e maldade. Tenho medo. Medo físico, medo social, medo emocional. Que mundo é este onde se mata com a ligeireza com que se bebe um copo de água?! 
Eu acreditava na educação, costumava achar que se se educasse a sério, se se ensinassem Valores e comportamentos, se haveria de construir um mundo bom. Hoje, já não acredito em nada. Tenho MEDO! Um MEDO feito indignação, revolta, mágoa, incompreensão, raiva. Mas, MEDO...

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

PARTILHA

Li hoje, numa daquelas revistas que não têm interesse nenhum e servem para acelerar o tempo no cabeleireiro, uma frase que retive: - Não se pode viver sem partilhar. Quem disse a frase foi a Catarina Furtado, a propósito do trabalho humanitário que desenvolve e que eu, sinceramente, não conheço em profundidade. Mas não foi o trabalho dela que me marcou, até porque disso pouco se falava na reportagem,  foi sim a frase que ficou a ecoar em mim. 
Cada vez mais acho que faz sentido a ideia de que não se vive isoladamente, que não é possível uma pessoa realizar-se humanamente, experimentar momentos de felicidade, sem partilhar com o outro. Com os outros. E, se é bonito falarmos de ajudar os desfavorecidos, não devia ser menos bonito falarmos da partilha com aqueles com quem vivemos rotinas e quotidianos. Talvez, acho eu, a partilha possibilite a vivência plena do Amor que, ao contrário do que cantou Camões, não quer "suas aras banhar em sangue humano", mas, sim, elevar a patamares superiores os Humanos que o são...

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Deixem-me Rir

5 de janeiro. Regresso ao trabalho, à escola, à vida rotineira com tudo o que tal implica. E não me sai da cabeça a letra cantada pelo Jorge Palma - Deixem-me rir! -. Porque esbarrei com o pequeno poder buscando tirania, com a idiotice em bicos de pés, com o vazio a encher o absurdo que não devia ser a Escola.
Deixem-me rir, porque esta vida, infelizmente, é a minha...

sábado, 3 de janeiro de 2015

OPTIMISMO

Já é dia 3. Já passou a euforia, já subiu a gasolina, já aumentou tudo e a tristeza voltou à rotina. Sei lá porquê, provavelmente por nenhuma razão, hoje sinto uma enorme vontade de acreditar em impossíveis. A luz do dia, clara e intensa, o céu azul, o lume a arder com força, o cheiro do bolo inglês e do café, fazem-me ter vontade de ser optimista e de acreditar que, como diz o Papa Francisco, é melhor aproveitarmos o que temos do que lamentar o que não podemos ter...