sábado, 30 de julho de 2011

Equilibrio

São todas diferentes, na cor, na forma, no perfume, na postura até. Convivem, numa desordem que sei que é artificial e provocada mas que, ainda assim, me encanta, fazendo uma tela sedutora. Gosto da mistura das cores, do aspecto quase selvagem deste jardim, da paz que se respira ao caminhar por ali.
Muitas vezes penso que, na vida moderna, a organização das cidades do século XXI esqueceu as pessoas que lá moram... As nossas cidades portuguesas, mesmo depois do fenómeno Pólis, carecem de espaços de cor, de bem-estar, de zonas de passagem com sentido!
Assisti, na minha cidade de Portalegre, a obras ditas de requalificação que, para mim, foram apenas de descaracterização. Talvez por isso, quando no estrangeiro observo formas de conciliar, com equilibrio e qualidade, a modernidade e a vida das gentes, fico com pena que, por aqui, se continue na senda da destruição...
Gosto de Portugal. Gosto deste país de (relativamente) brandos costumes mas, sinceramente, acho que o meu país merecia ser mais bem cuidado!! Passear, hoje, num qualquer "jardim" da cidade que Régio adoptou, dá vontade de chorar!!!

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Tem de haver!!

Tinha sido um dia de muito calor. De calor excessivo até para o Verão, de céu limpo, ausência total de vento e com o mundo parecendo prestes a derreter-se. Bom, verdade-verdadinha, não se perderia grande coisa, pensava, olhando a chegada do anoitecer, sentada à beira da piscina. Se se derretesse a loucura vigente, seria um sossego... Por companhia, o Ducks, o cão jovem, às vezes parecendo louco nas correrias e saltos, companheiro sempre fiel. Naquele momento, na hora em que o mundo sempre pára, quando o sol recolhe os raios para ir dormir, reparou na súbita quietude do cão.
O Ducks sentou-se, virou costas e ficou observando, lá longe na linha do horizonte, bem por detrás da Serra da Penha, as pinceladas vermelhas que o Artista deixava na tela real. Ela olhou também. Não estava tranquila, feliz, sequer descansada. Mas aquele momento, aquela hora partilhada com a atenção do Ducks, fê-la pensar que tem de haver Alguma coisa, Alguém?, para além do quotidiano que a esgota. Alguma coisa talvz primitiva, mais acessível ao instinto do que à Razão.
Tem de haver um sentido, crendo ela que se faz de afectos e sentires, para justificar a Beleza pura, a quietude da paisagem, a paz que lhe secou as lágrimas incómodas.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Conversas e bancos de jardim

São bancos de madeira, resistentes e perfumados, os que polvinham os jardins ingleses. Sempre me faz confusão como resistem à chuva, à humidade, porque nunca os vi cheios de fungos ou quebrados. São bancos de sentar mesmo, não de pedra e modernamente desconfortáveis como os que, na era post Poólis, invadiram as cidades portuguesas. São bancos de pensar, de afectos, de memórias e de histórias. Alguns destes bancos ostentam uma placa com um nome, ou dois, com datas também. Gozando do privilégio de não conhecer os nomes, e por isso não ser atacada por saudades, gosto de imaginar os rostos, e as vidas, que dão sentido áquelas inscrições. Imagino sempre casais com tempo, ou velhas senhoras sem idade, olhando as flores, envolvidas nos casaquinhos escoceses, comentando as mudanças do mundo e a beleza das flores com a mesma ternura na voz. Gosto, também, de me sentar, rodeada de verde e acariciada pelo vento fresco dos ingleses, de fechar os olhos e de deixar sentarem-se a meu lado as ausências sempre presentes. Converso, então. E falo de sentires, até dos proibidos, de sonhos, de desilusões, de afectos, de quotidianos, de indignações. Converso tanto que, quando dou por mim, os melros, os melritos que o meu neto adora, fazem companhia aos esquilos ouvindo o meu falar. Felizmente, só os bichos escutam os meus monólogos nos bancos dos jardins ingleses...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sem aviso

Abusadoramente, chegou e instalou-se. Tentei fugir ao inesperado, mudei de lugar no sofá, fugi para o quarto tentando o apoio do ar condicionado, mas sem êxito. Quase em desespero, apaguei as luzes, petrifiquei-me e rezei. Teria sido tão bom se Alguém me ouvisse... Mas a intrusa manteve-se. Zunia, escarnecendo da minha angústia, ocupando o meu espaço total, interior e exterior, mostrando as garras afiadas,tenazes que me arrancavam da memória o Mestre Finezas do meu universo de leituras infantis.
Aliando-se à minha revolta, o meu olho esquerdo começou a palpitar e a lágrima escorria imparável. Perdida na minha prisão injusta, meti-me na cama, antes do sol dormir, e fiquei quieta. Ela partiu, quase de madrugada, tão ao de leve como chegara. O duche matinal encontrou-me olheirenta mas aliviada e, enfim, consegui voltar ao trabalho com alguma boa disposição...
Acho um abuso, uma violência, a forma como a enxaqueca de vez em quando me visita!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Asnos?

Levadas por um vento fresco, soltas e sem amarras, as nuvens pintam o céu do meu Alentejo. Cá em baixo, no mundo que piso, a desertificação,
socialmente grave, permite que as antigas aldeias, como o Porto de Espada, se mantenham  iguais a si mesmo. Quase... porque já há umas portas de alumínio, umas colunas romanas (?), uns azulejos exteriores. Mas, ao longe, visto do cemitério branco e silencioso, o panorama continua a encantar-me. Passo ali muitas vezes, a caminho da gasolina MUITO mais barata em Espanha, e nunca consigo ficar indiferente.
São Mamede, maternalmente, abraça no colo a pequena aldeia, o tempo parece não ter pressa e a beleza rude, intensa, enternece o olhar mais desprevenido. Às vezes, gosto de parar o carro e ficar observando o campo cheio de castanheiros, um castinçal - como dizem por aqui -, e as milhentas flores que polvilham o chão. Mesmo ao lado, junto de um regato romântico, há uma criação de burros. Burros de verdade, com identidade reconhecida, grandes orelhas e olhos enormes. Olho-os e penso sempre que o nome que lhes atribuiram deve ter sido colocado por antinomia. É que eu conheço muitos seres, muitos mesmo, que se chamam pessoas inteligentes e, na prática, são muito mais asininos do que eles!!!

domingo, 17 de julho de 2011

O lado esquerdo do cérebro

De olhos fechados, estirada na cadeira dura, há quanto anos se desfizera o colchão protector?, gozava a tarde de piscina. Era uma tarde quase férias, um domingo sem história, sem data de referência, sem factos a registar. Um vento fresco corria, de vez em quando, afagando-lhe a pele, arrepiando-a um pouco num arrepio gostoso, vivo. Como companhia, o cão, que se abrigava na parca sombra da hera abandonada, e um copo de Pinot Noir, bem gelado, na mesinha baixa. Companhia era, também, o livro que nunca esquecia, hoje Torga revisitado, e o desfiar de memórias, de sonhos, que passavam na tela escura dos olhos fechados. Sempre gostara da piscina, da solidão das tardes quentes, quando podia, sozinha, nadar no esforço, às vezes bem sucedido, de afogar pensares tristes e sentires de doer. Ouvia as pedras de gelo no copo, chocando numa dança sensual, e lembrava os ritmos de que gostava, as salsas mexidas, os tangos ousados, as valsas austeras, os kizombas quentes, as mornas, por antinomia escaldantes. Pensava noutras férias, noutras tardes e outros tempos, com a certeza de que é a mente que nos mata, e não o coração! É o pensar, não o sentir, que nos ilude, que nos faz contestar o óbvio, descrer do evidente, desejar o impossível! É a mente que efabula, que exagera, e é a mente que atraiçoa a segurança dos sentires. Se ela pudesse, daria descanso à mente e deixar-se-ia ficar, na mornice dos afectos, no conforto do coração. Lera, onde?, que é o lado esquerdo do cérebro que dá nome às coisas. E desejava poder desligar esse mesmo lado esquerdo, para não saber identificar a saudade, reconhecer o desejo, ou nomear a ausência.

sábado, 16 de julho de 2011

Noite

A lua está redonda, perfeita, luminosa, quase causando inveja ao sol que dorme já. O silêncio da noite envolve-me e o concerto das cigarras é exclusivamente para mim. São as cigarras da minha infância, as artistas eternas das noites de Verão na Serra, as que aprendi a descobrir, escondidas nas folhas das heras, perto dos pirilampos que então me extasiavam. É o mundo autêntico, o não-humano, a falar-me da força do silêncio melódico, da cumplicidade da escuridão que a lua mascara de magia. É a minha Serra, hoje.

Gravatas

Foi notícia de telejornal a decisão da Ministra da Agricultura de abolir as gravatas e optar por um traje mais casual. Diz ela que os homens ficam mais frescos, mais soltos, igualmente charmosos (??) e que as senhoras, nos seus decotes e cavas, passam menos frio...  Parece também que, por os homens não usarem gravata, se vai poupar energia e poluir menos o ambiente. Talvez seja verdade. Não sei com rigor se é assim tão significativo, mas quero acreditar que seja. No entanto, não consigo deixar de achar ridículo o destaque dado a tal decisão! Em todos os telejornais, e nos jornais que leio, houve espaço para a notícia, em parangonas, como se daí viesse a salvação da crise, ou ao menos a solução para a angústia colectiva que estamos a viver... Ri-me do destaque dado, mas fiquei a pensar que se, por acaso, pega a moda de se relacionar o traje com a eficácia do trabalho, não tarda muito estaremos a voltar aos uniformes. Será que, na sociedade actual, ele, o dito traje,  faz mesmo o monge??

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Os Resultados

Foram afixados os resultados dos exames de 9º e 12º ano e gerou-se o pânico. Foram os piores resultados dos últimos 14 anos. Apetece-me dizer que, para o ano, serão os piores dos últimos 15 anos... Como professora, e de Português!, fico preocupada, mas não surpreendida, com estes resultados. Há muitos anos, talvez mais de 20, que venho assistindo ao degradar do processo de ensino e aprendizagem e, por isso, não me surpreende a constatação de que os nossos jovens são cada vez mais incompetentes no que respeita ao domínio da língua portuguesa. Hoje, os media procuram culpados, serão decerto os professores..., as escolas reflectem, os pais lamentam. Mas falta o essencial. Essencial é analisar o modelo educativo vigente, que premeia a reprodução, o mimetismo, o nivelamento pela mediocridade.Um modelo que desresponsabiliza os alunos, que assenta em aulas de apoio acrescido, em explicações, em desculpas para aqueles que, de facto, não querem aprender nem trabalhar.
Temos um sistema que aposta no facilitismo, na memorização simples, em vez de privilegiar o desenvolvimento do reciocíno, o espírito crítico, a interpretação, a diferença e a qualidade. Os alunos do secundário, quanto a mim erradamente, são treinados para resolver testes modelo, em vez de serem desfiados para a descoberta da leitura, da Arte, da estrutura de uma língua que lhes permite estruturar o pensamento e crescer! Para que so resultados dos alunos melhorem, é necessário modificar completamente este sistema idiota e oco. Todas, mas TODAS, as medidas recentemente adoptadas pelas duas ex-ministras da educação, apenas contribuiram para  piorar as aprendizagens.
Neste momento, com as pautas afixadas, é bom, também, que se reflicta sobre o que se tem feito aos professores, tornando-os marionetes de um sistema absurdo, fomentando o desinteresse pela profissão e o desamor à Escola.
Os resultados dos exames vieram, com toda a certeza, certificar a ineficácia de um sistema educativo que, a continuar, fará com que o lixo da dívida se torne, também, humano.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Instruções

Acho sempre que só as coisas simples, como os eletrodomésticos, trazem instruções. Normalmente, são textos instrucionais, de redacção confusa, para nos fazer compreender que o botão verde liga, e o vermelho desliga, ou que as multifunções são tantas que nunca esgotaremos as potencialidades recém adquiridas. Não costumo perder muito tempo com as instruções, até porque, a maior parte das vezes, surgem em letra miudinha, tão minúscula que os meus olhos recusam o esforço de as decifrar. Nos exames dos meus alunos, nas apólices de seguros, nos contratos, nos empréstimos bancários, etc., também surgem as instruções, muitas vezes armadilhadas..., e eu, mesmo consciente do risco, ignoro-as quase sempre. Mas, hoje, deu-me para pensar que seria útil se  a vida viesse com livro de instruções. Seria importante saber como guardar para sempre um passeio na praia à hora das gaivotas, como redigir os milhentos relatórios (ou ralatórios?) que fazem a vida de um professor, como  enfrentar sem irritação as filas do supermercado, como meter gasolina sem que o cheiro se cole à pele, como sorrir a quem nos magoa, etc. Acima de tudo, hoje acho que devia haver instruções para se celebrar o Amor em cada momento, para se combaterem eficazmente as saudades, para se evitar a passagem do tempo tecido de boas presenças.
Se a vida viesse com livro de instruções, juro que as leria atentamente!

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Lixo

Classificaram-nos como lixo. Pior, a nossa dívida vale lixo, menos que nada, e Portugal não parece, aos olhos das agências de rating, merecer crédito ou confiança. Penso que chegou a hora de repensarmos esta União Europeia de tão grandes diferenças, de tão escandalosas tiranias. Talvez não seja má ideia sairmos do euro, se este não se adapta à nossa realidade, se não responde às nossas necessidades, se se tem revelado castrador dos nossos sonhos e ambições. Sempre achei que esta Europa fazia pouco sentido, por me parecer uma construção anti-natural, por querer unir realidades que, historica e culturalmente, são completamente diferentes. Agora, tenho a certeza que estava certa! Para mim, a economia, essencial sem dúvida, não poderá, nunca, impor-se aos valores humanos. Olhar esta tirania da economia, que leva as pessoas a viverem cada vez pior, lembra-me as histórias de avarentos, dos forretas que amealham para, apenas, se divertirem a conferir os números dos extractos bancários indicativos do dinheiro que, um dia, quando morrerem, deixarão a quem o souber gastar. A economia não pode existir para sufocar as famílias e fazer os países pagarem juros escandalosamente altos!!
 Este modelo europeu vai falir e, acho eu, é porque o lixo não está  SÓ em Portugal...

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Cacos

Era uma pilha de pratos de boa loiça. Pratos com história, presenças em muitos jantares, depositários de muitos manjares, assistentes de muitas conversas, testemunhos de muitos sonhos e projectos. Tinham sido lavados à mão, um de cada vez, com detergente de não promoção, luvas de borracha suave, água morna sem calcário excessivo. Ela enxugara-os com um pano branco, sem riscas vulgares, e colocara-os numa pilha ordenada: - Em baixo os rasos, por cima os de sopa, no topo os de doce. Se fossem pratos de vida, seriam primeiro os indispensáveis, depois os profundos e, bem à mão de semear - que é como quem diz de utilizar -, os das coisas boas! Essas coisas boas que, diz a (des)razão, devem sempre ser moderadas, sem exageros. Mas ela exagerara e tentara carregar a pilha completa, de uma só vez. Um esforço ousado. Porque, sem aviso, sem balançar sequer, a pilha caíu no chão e os cacos chegaram a todos os cantos.
Pegou na vassoura, mas não conseguiu varrer tudo para o lixo. É tão difícil apanhar cacos!!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Senhora Mulher

Morreu, hoje, uma mulher que foi uma Grande Senhora. Fez a vida lutando por ideais, servindo a comunidade, defendendo, com garra, os Valores em que acreditava.
Conheci a Drª Maria José Nogueira Pinto há muitos anos, quando eu era activa na luta política, quando ainda acreditava que era possível mudar o mundo através da palavra, das convicções, do debate de ideias. Eu desisti cedo demais. Acomodei-me ao deixa andar tão português, remeti-me aos protestos escritos e às discussões entre amigos, duas práticas cada vez mais estéreis. Ela continuou sempre lutando e morreu, hoje, vencida por um adversário pouco leal, o cancro. Impressionou-me a morte desta Senhora. Admirava-a. Sinto que o meu país, que era o dela, ficou mais pobre, e desejava poder fazer alguma coisa para continuar a sua acção .
Ser Mulher não é o mesmo que ser homem, e, tenho a certeza, não são os aspectos físicos o que mais nos distingue... Esta Mulher Senhora deixa um espaço incrivel e dolorosamente vazio!