domingo, 30 de setembro de 2012

Avé Maria de Schubert

A Igreja naive, tão singela e acolhedora, estava  cheia. No altar, a Alexandra e o Miguel, nervosismo indisfarçavel, davam as mãos e olhavam o Padre.
Ouvia-se o sururu dos vestidos de seda, e as orações murmuradas. Eu distraía-me. Descobria rostos conhecidos, pensava como, de facto, há momentos que unem estranhos, que unem pessoas em torno de afectos.. Para longe, com força, afastava recordações. Outros casamentos, outras noivas, a mesma esperança, a mesma confiança nervosa, o mesmo desejo de ser feliz, invadiam-me dolorosamente... De repente, tocada a guitarra portuguesa, começou a ouvir-se a Avé Maria de Schubert.
Agora, travar a emoção era impossível. A peça bem conhecida ganhou novo sentido tocada na guitarra e eu, indiferente ao borrar da maquilhagem, deixei correr, líquida, a saudade, a emoção, as memórias, os sonhos desfeitos....

sábado, 29 de setembro de 2012

O MAPA

No teu corpo fui Magalhães. Atravessei oceanos, uni continentes, pisei desertos. Pela tua mão, nos sulcos do teu tronco, conheci a América, calcorreei a Austrália e adormeci a Europa. Juntos fomos a euforia nova iorquina, os dois fomos o café forte da ilha do Princípe, um só aquecemos o mar do norte...
Num corpo único navegámos pelo índico e foste o ferro lançado nas profundezas dos meus sentires.
Sei que sou sargaços, só. Mas em ti desenhei novos continentes, pintando de cores quentes as fronteiras da sensação. Há, agora, um mapa novo onde procuro caminhos. Um mar de ilhas possíveis, de oásis reais e de florestas iluminadas.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Engenharia

Estou desanimada, infeliz, frustrada! Tenho a certeza que errei a minha escolha profissional e, agora, é tarde demais para mudar... Resta-me, por isso, dar o alerta aos mais novos:
- Vão estudar engenharia! Façam-se engenheiros! Matriculem-se no técnico, a média nem é muito alta, e façam-se engenheiros. Porquê? Porque esta é uma profissão com, literalmente, saída profissional.
Ser-se engenheiro, em Portugal, já tinha provado ser profissão de futuro, dava para entrar directamente na Sorbonne, para ter andares na zona nobre de Lisboa, para, imagine-se, fazer férias em Safaris no Quénia! Agora, permite, também, a saída rápida deste país condenado ao vazio e à tristeza. 
A Noruega, A NORUEGA!, procura cinco mil engenheiros portugueses, o Brasil cerca de 15 mil, a Austrália mais de dez mil.
Queridos jovens portugueses, esqueçam medicina! Esqueçam direito! Esqueçam economias e afins! Tornem-se engenheiros e fujam daqui. Partam enquanto é tempo porque, a cada dia que passa, a desgraça aumenta e o futuro escurece.
Ah! Como eu queria ser engenheira...

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

No Convento

Entrou no vazio total. O coração a doer, a saudade forte, a dúvida e o medo, fizeram-na sentar-se e ficar olhando. Não rezava. Não tentava as fórmulas que há muito desaprendera mas, ainda assim, gostava daquele lugar, da frescura, da beleza do altar. Olhou os azulejos, mais uma preciosidade do seu Alentejo, e foi-se deixando ficar.
Porque estava ali? Entrara para tomar um café no Hotel, para recordar o baptizado do neto, para recuperar memórias, para descansar do pó da existência e, afinal, substituira o café pela entrada na capela. Conscientemente inconsciente, a troca...
Sendo um Convento pequeno, não deixava de ser rico. Talvez, até, excessivamente rico. Mas ela gostava do cuidado da construção, da brancura predominante, do silêncio do campo envolvente, do conforto da recuperação do espaço.
Olhou a imagem central. Uma Nossa Senhora, de manto longo e olhar triste. Conversou com ela, na cumplicidade que o silêncio permite.
Ao sair, colocou os óculos escuros. Não queria leituras de alma.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Meninos Velhos

Está certo, senhora professora? Peço desculpa, senhora professora; Oh, só tive Muito Bom, senhora professora... São os meninos velhos, adultos antes de tempo, preocupados com o óptimo e ignorando o sabor do bom. Estes meninos, de 12 e 13 anos, envelheceram antes do tempo!
Eu acho que as pessoas não deviam envelhecer, ganhar debilidades, adoecer, ver as rugas surgirem, ouvir os ossos ranger. Seria muito melhor se fossemos como as borrachas! Iamos gastando, gastando, e, um dia, já não eramos. Desapareciamos de mansinho, pronto.
Estes miúdos, que não são borrachas, estão a envelhecer antes de tempo!! Olho-os e fico com pena. Muita pena! Porque sempre me dói ver desperdiçar os tempos de ser feliz!

A Chuva!

Eu sabia que ela havia de cair! Sabia que não ficaria para sempre trancada nas nuvens, lá longe, e há dois dias que olhava o céu esperando vê-la escorrer. Gosto de a esperar. Gosto de ver os preparativos da terra para a receber, gosto do cheiro forte que a antecede e da música húmida que faz concertos nas minhas janelas.
Agora, tarde na noite, oiço-a forte  e enérgica.
Não durmo, fico gozando o privilégio da noite escorrida e, estupidamente, desejo que a chuva lave  a existência humana deixando, pelo caminho, a  minha alma mais leve...

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Os Moinhos

O campo estava povoado por moinhos e o barulho, zzzzzzuuuummmm constante, fazia-lhe companhia.
Caminhava com a calma que as férias sempre concedem,
gozando a solidão numa paisagem diferente, olhando a água escura, seduzida pelo ruído das pás (ou hélices?) dos mais de vinte moinhos que já contara. Não encontrava o D. Quixote mas os Sancho Pança abundavam nos olhares vorazes de outros turistas, na febre dos disparos de muitas máquinas curiosas.
Perto, um grupo de miudas brincava na água, mergulhando de um cais de madeira e oferecendo-se para fotografar os turistas no enquadramento certo. Assim, diziam, com o moinho por trás. Ela recusou. Imortalizar-se no enquadramento de um momento, para quê?
Mas deu conversa às crianças, surpreendida pelo inglês correcto daquelas holandesas tão pequenas. No seu país, dificilmente encontraria adultos com um inglês assim fluente... Afastou a realidade. O tempo era de diferença, de horizontes desconhecidos e de oportunidades únicas. Reparou nos nenúfares, no verde, nas flores de mil cores, no equilibrio do mundo, ali, só cortado pelo zzzzzzzzzzzzuuuuuuuuuuuummmmmmmmmmm cada vez mais intenso.
Aquele som, estranho, forte, envolvente, nunca mais se calaria nos seus sentires.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Acasos de Sorte


Foi por acaso mesmo que esbarrei com Affonso Romano de Sant'Anna, um escritor brasileiro que desconhecia. Tenho, com o português do Brasil, devo confessar, uma relação de extremos: - Amor e Ódio! Se me delicio, comovo, refugio, na escrita de José Mauro de Vasconcelos, ou de Vinicius de Moraes, desespero com outros escritores que, na minha opinião, adoçam excessivamente a língua tornando os textos calóricos em demasia. É a escrita a que chamo balofa...
Affonso de Sant'Anna veio engrossar a lista dos escritores brasileiros que eu  leio com gosto. Sem pretensiosismos, com clareza e humor, este autor fala de coisas tão comuns como, imagine-se, a mulher madura, ou o fazer trinta anos. Diz aquilo que eu sinto, e que eu acho que muitos sentem, fazendo-nos sorrir e pensar!
Li os textos deste autor num livrinho pequeno, livrinho de bolso, e já reli alguns pedaços muitas vezes.
Há frases, nele, que nunca esquecerei: "quando se ama, acontece de um habitar o sonho do outro, e fecundá-lo"

domingo, 23 de setembro de 2012

Orfãos de Filhos

Porque a ordem natural dos acontecimentos é (felizmente) os pais morrerem antes dos filhos, não há uma palavra para designar os pais que perdem os filhos. No entanto, eu acho que é com os filhos bem vivos que existem orfãos de filhos! Os orfãos de filhos são os pais que, um dia, perante uma frase mais madura, uma opinião lógica e inteligente, percebem que já não têm os seus bebés. Então, interrogam-se e assustam-se (eu assustei-me) ao perguntar onde está a pele que cheirava a leite, onde foi morar a criança que gravaram na moldura dos seus olhos... Ser orfão de filhos é sentir-lhes a falta, mesmo sabendo que estão bem, felizes, a viverem a vida DELES!
É uma questão de afectos, de emoções, onde a razão se revela ineficaz...

sábado, 22 de setembro de 2012

EM TI

Às vezes, assim num repente de vida, surgem frases como flashes que nos ajudam (a mim ajudam) a vencer o quotidiano (não é vencer no quotidiano, não foi gralha!).
Aconteceu-me recentemente, numa das mil conversas sobre a crise e as dificuldades da vida, ouvir de uma amiga a frase nunca haverá paz enquanto não se estiver em paz consigo mesmo. A paz é individual, primeiro. Eu, que sempre procuro a paz e vivo ansiando por ela, fiquei a pensar na afirmação, deixada cair sem pretensiosismos ou busca de protagonismo. E concluí que a minha amiga tem toda a razão do mundo! A paz tem de  existir dentro de nós mesmos, primeiro, para poder ser passada aos outros.
 O problema é: - Como se conquista a paz individual?
Por mais que pense e repense, concluo sempre que a confiança, a verdade, a liberdade e o respeito por nós próprios são a minha paz! Como dizia Caeiro, na conversa entre o Poeta e o Pastor "a mentira está em ti."

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Na Noite

"Na noite escreve um Cantar de Amigo", diz Pessoa de D. Dinis. Hoje, sem conseguir dormir, vem-me à memória este verso.
Os amigos, o cantar, a noite. Um trio que, para mim, é fundamental! Os amigos que me ouvem, que me compreendem, que não sabem tudo, que não julgam, que me mimam; o cantar feito a Poesia que me acompanha, que é sempre nova, que me embala quando durmo e me ajuda a esgotar a insónia quando o sono não vem; a noite que se faz de ruídos, de estalar da madeira velha das cómodas herdadas, do ladrar dos cães, do pio da coruja que me arrepia a alma.
Se eu fosse poeta, como D. Dinis, também gostaria de, à noite, escrever Cantares de Amigo!

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

PROTESTO

1. Protesto contra os aumentos constantes do custo de vida!
2. Protesto contra as turmas de trinta alunos!
3. Protesto contra o acordo ortográfico!
4. Protesto contra as reduções ESCANDALOSAS  do meu vencimento!
5. Protesto contra o calor excessivo!
6. Protesto contra os olhares indiscretos!
7. Protesto contra a crítica barata e constante!
8. Protesto contra  a curta duração da novela da Gabriela!
9. Protesto contra o preço da gasolina!
10. Protesto contra o custo dos medicamentos!
11. Protesto com os emails que entopem a minha caixa prometendo impossíveis!
12. Protesto contra a falta de tempo!

Eu sei que de nada servem os meus protestos mas, sei lá porquê, fico aliviada quando dou corpo à minha raiva!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Suavidade

Este calor é insuportável. É sufocante, doentio, excessivo, fora de tempo. O sol está violento, áspero, cruel mesmo. E eu tenho saudades (necessidade) de suavidade, da maciez do outono.Estou cansada da aspereza do existir. Tenho saudades da doçura suave da queda das folhas na minha Serra!
Ah! Desejo, como desejo!, que o meu quotidiano se avelude...

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Farrapos

Acordou cedo, ou tarde, porque tudo depende da perspectiva. Mas, para ela, era cedo mesmo. Abriu a larga janela de par em par e percebeu a agitação dos melros, a preguiça dos gatos, a calma das lagartixas - Zéfineta de Vasconcelos - ali mesmo no muro branco que já reflectia o sol. Olhou para ver. Era o mundo a sorrir-lhe. O mundo ainda feito do essencial, sem intervenção humana sempre excessivamente agreste, capaz de a comover e fazer sentir viva. Há quanto tempo não parava assim, no parapeito da existência, para olhar o quotidiano? Sentiu o silêncio a envolvê-la, olhou o céu e reparou nos farrapos brancos que faziam sombra no seu quintal  desejando poder guardar, para consumir ao longo do dia, aquele momento. Farrapo também. Farrapo de vida decente!

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Mia Couto

A Demora

O amor nos condena:

demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.


Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.


Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.



Mia Couto, in " idades cidades divindades"

domingo, 16 de setembro de 2012

Os Milhares

Indignados, revoltados, humilhados, descontentes, os portugueses sairam à rua. Os números, como sempre, diferem, mas, com certeza, foram mais de 600 000!
É muita gente! E gente que saíu à rua em resposta a uma manifestação apartidária. Agora, não é  a esquerda que está descontente, não é a direita que se revolta: - Somos todos! CHEGA! Foi o grito que, ontem, entre palavras de ordem mais ou menos excessivas, se ouviu por todo o país.
O que mais será preciso para que o nosso governo tenha coragem de dizer à troika que somos seres-humanos, que queremos viver com dignidade, que não somos esfregões que se torcem para fazer cair os últimos pingos de decência?!
Será que o governo precisa que haja tiros, que os militares saiam à rua, que se faça um outro 25 de Abril?!
Não tenho grandes esperanças, receio a teimosia (burra) do nosso primeiro-ministro, mas, bem no fundo, aqui na solidão do meu domingo, ainda tenho um bocadinho de esperança numa mudança de direcção destas políticas acéfalas. Finalmente, os portugueses parecem ter acordado e estar dispostos a lutar pela sua sobrevivência!

sábado, 15 de setembro de 2012

As rimas

E se a vida fosse um poema?, penso por vezes. Se tivesse de rimar? Se fosse sempre possível acertar o amar com o pensar, o sentir com o sorrir, o querer com o viver, o estar com o ficar, o mimar com o gostar, a lonjura com a ternura, a paixão com a emoção?
Se, ao longo dos dias, nós escrevessemos poemas nas linhas do caderno de viver?
Se assim fosse, eu acho que erraria as rimas. Havia de ser capaz de fazer concordar, com métrica certa, ainda que em verso branco, a vida com a alegria, a esperança com a verdade, o amor com a compreensão.
Se assim fosse, faria até, no meu poema, criar sentidos entre existência e essência, compreensão e afecto, respeito e liberdade. Era mesmo bom que a vida fosse poesia!

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A entrevista

Decidi, contra a força da minha desilusão e vontade de fuga, assistir à entrevista do primeiro ministro, ontem ao serão. Fiquei estarrecida! Acredito que o senhor está convencido da sua verdade, que não é vigarista nem aldrabão, mas que é um obcecado teimoso! Insiste em reduzir salários, insiste em subir impostos e, perante as mil evidências dos erros que comete, fala em futuro. Lá para 2015... Este senhor não saberá que a vida não pode ser congelada e que o tempo é inexorável?! Ouvi-o com medo até! Não teme manifestações, não teme opiniões contrárias, não teme a miséria crescente. Este senhor vive noutra dimensão, noutra realidade decerto...Porque, na verdade,  a vida dos portugueses, faz-se de muita contenção, de muito sofrimento, de imensa insegurança e desespero!
Valerá o acordo com a Troika que se sacrifiquem duas gerações de portugueses? Não creio. Como não posso crer que tantos políticos não sejam capazes de encontrar outras formas de reduzir a despesa que, desde já, podia passar por reduzir para metade os deputados, vender a frota automóvel de alta cilindrada ende as excelências se deslocam em nome do estado, reduzir em 80% os assessores, fomentar a criação de empresas e de postos de trabalho com isenções de impostos... Há tanta possibilidade!
Pessoalmente, não acredito no sucesso de medidas centradas na injustiça e na caça aos ricos. Se não houver riqueza, o que será de nós? Eu, sinceramente, gostava mais de ser rica do que pobre, e ficaria muito mais feliz se o meu país me permitisse criar riqueza em vez de me condenar a ser miserável!

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Os Meninos

Chegam à escola de olhos brilhantes, andar hesitante - por onde devem seguir? - sorrisos rasgados. É a escola nova! É a escola que só tinha os crescidos, são professores que os olham com curiosidade (?) são tão pequeninos... São os alunos do 7º ano! Alguns, precocemente adultos, carregam já as mochilas, perguntam se há teste de diagnóstico, anunciam que já estão a estudar; outros, meninos mesmo, riem-se de tudo e de nada, brincam, perguntam onde é o bar e o campo de jogos. São estes os meus novos alunos! E eu queria tanto ser capaz de os ensinar a crescer...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Pirata

Pirata

Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.

Gosto de uivar no vento com os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.

A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
 
                         Sophia de Mello Breyner

Porque me sinto assim, na vida de hoje!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Tristeza

Fecharam-se os sorrisos, escureceram os olhares, calaram-se as conversas, trancaram-se os corações. Na minha escola a alegria perdeu-se; na minha cidade o silêncio triste impera. Ninguém sabe o amanhã, ninguém confia no agora, ninguém sonha possíveis. Agora, o quotidiano cumpre-se nas rotinas impostas, na descrença vigente.
Parabéns ao governo de Passos Coelho! Este já não é o Portugal a entristecer. Este é o Portugal entristecido!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Conversar

Fala comigo. Senta-te aqui, deixa a luz apagada, este calor terrível não passa nunca mais!, e fala comigo. Sim, prometo desligar o computador, calar a televisão, fechar o jornal, desligar o telefone e tirar a bateria ao telemóvel. Tens razão, há tanta coisa a impedir-nos de conversar... Mas está tudo desligado! Fica aqui, ouve-me, tira a carapaça, aceita a minha diferença. Deixa-me falar-te dos erros, das hesitações, das minhas (pouquíssimas) certezas, dos meus anseios e sonhos. Deixa-me dizer-te que é bom sentir os teus pés descalços nos meus, que gosto do cheiro a café que vem da cozinha, que me desgosta a escola de hoje, que estou farta de notícias terríveis, que não gosto do meu país de agora. Ouve-me sim? Conversa comigo. É bom conversar.

sábado, 8 de setembro de 2012

Terapia a Dois

Sempre que a Meryl Streep aparece nos ecrãs, eu corro para a ver. A Dama de Ferro foi o último desempenho que aplaudi com entusiasmo, mas nunca esqueço o Mamma Mia... Foi  com altas expectativas que fui, por isso, ver a "Terapia a dois".
Saí com a sensação de ter assistido a uma chachada, a um esticar de um assunto de uma forma monótona e desinteressante.
Dormi e acordei a pensar outra coisa.
O filme faz sentido! Chama a atenção para o facto de dar muito trabalho ser feliz e de ser muito importante, fundamental eu diria, que os casais comuniquem. Que falem! Que conversem! Por outro lado, vem também abordar uma questão relativamente recente: - Em qualquer idade faz sentido acertar o passo e tentar estar bem e ser (se possível) feliz. Cruzar os braços? Só se for para abraçar alguém!

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

E Agora?

Começou o novo ano lectivo, com muitos problemas e dificuldades. Nos Media fala-se dos direitos dos professores (existem?), fala-se de turmas enormes, de horários absurdos, de metas que não se adequam aos programas, de nomenclaturas diferentes para a mesma realidade, de avaliação, de objectivos, etc.
De acordo com o senhor ministro, não interessam competências e é importante valorizar o SABER. Eu, humildemente, pergunto para que serve, por exemplo, saber de cor a tabuada ou o alfabeto se não se for capaz de fazer contas ou escrever textos...
O senhor ministro sabe que, graças às famosas obras da PARQUE ESCOLAR as escolas, mesmo as pequeninas, pagam rendas mensais que chegam aos 50 mil euros (cinquenta mil!!) ficando sem dinheiro para nada mais? O senhor ministro terá noção das assimetrias? Será que já parou um minuto para pensar no que separa a oferta cultural do litoral para o interior? Terá noção de que o ensino obrigatório (que eu defendo!) não é o mesmo para todos os jovens portugueses? Saberá que jovens com necessidades educativas especiais necessitam - exactamente - de acompanhamento especial e não "mais do mesmo"?
 
Vou voltar a olhar os meus alunos com um misto de ansiedade e esperança. Mas, este ano, a ansiedade, a frustração, ultrapassam o entusiasmo que sempre experimento quando começa o ano. E não são os direitos dos professores o que mais me aflige. São os direitos dos alunos!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

LABIRINTO


Na noite vagueia na velha casa. Há ausência, está escuro, procura no vazio as presenças inexistentes, ouve os silêncios eternos, cheira os perfumes perdidos. Não procura certezas, mas deseja respostas, e segue no escuro com a luz do conhecimento afectivo do espaço. Não há espelhos, não se vê, toca a medo as paredes e sente a força do limite imposto. Caminha sempre, presa na liberdade da noite, adivinhando o luar constante. Ouve os cães, sente as corridas dos bichos, arrepia-a o pio da coruja. É noite ainda. É noite sempre nas esquinas da casa onde, perdida, procura as portas que não há. Precisa sair. Mas continua presa no espaço aberto, perdida no lugar que conhece bem, amedrontada pelas esquinas que vira continuamente. Ainda sem portas, ainda sem respostas, sente que as esquinas são sempre bicudas, nunca macias, no labirinto da noite. Da sua noite.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

LOUCURA

Sinto que o meu país se tornou num manicómio! Sou confrontada com leis absurdas, choco com contrasensos constantes, vejo alimentar-se o ódio e punir-se o amor e a ternura, oiço o riso escarninho face à dor alheia e não compreendo o egoísmo crescente. O sol nasce já furioso, querendo destruir tudo, e o desalento geral neste início de ano lectivo mete-me MUITO medo.
Se isto é Portugal, eu não quero ser portuguesa!

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

De volta

Fim de férias. Retorno à vida real, feita de stress, de muita ansiedade, de repetições sempre traumáticas.
Mas é preciso viver. Ou sobreviver?

sábado, 1 de setembro de 2012

O Sinal!

Nada habituada a andar de autocarro, tentando agarrar-me ao varão ou, em desespero, à alça que pende do mesmo, sentia-me uma equilibrista de má qualidade, apertando o saco com os joelhos e tentando segurar a carteira só com dois dedos, quando, de repente, uma jovem, de enormes corações pendurados das orelhas, se levantou e me cedeu o lugar. Aliviada, agradeci e aproveitei.
De repente, lembrei-me que uma amiga, há meia dúzia de dias, me dizia que uma pessoa sabe quando chega à meia-idade quando "o trabalho deixa de dar prazer, e o prazer passa a dar trabalho." Na altura, achei que era uma verdade mas, depois da minha experiência de autocarro, concluí que uma pessoa chega à meia-idade quando nos cedem o lugar nos transportes! Dá jeito, mas é um sinal...