quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Novo Ano

Aproxima-se o fim de ano. Termina o 2009, que parece há pouco ter começado..., e é tempo de fazer balanços, de lembrar momentos bons, lamentar os os menos bons e tentar esquecer os maus. Todos os anos, eu, tal como milhões de pessoas no mundo inteiro, realizo esta tarefa de sublimação do passado. E todos os anos, invariavelmente, constato a velocidade alucinante do Tempo e as cedências que, estupidamente, lhe fiz. Este 2009 trouxe-me a alegria de ser avó. Sem dúvida, foi o facto mais marcante destes 365 dias que esgotei sem (quase) dar por isso. Mas trouxe-me também, será talvez a proximidade dos meus 50 anos??, um desejo imenso de, como costumo dizer aos meus alunos, "agarrar a vida pelas orelhas" e obrigá-la a cumprir-se a meu gosto. Este 2009 ensinou-me que a vida existe para ser vivida e não sofrida. A infelicidade, os azares, as chatices, acontecem inevitavelmente mas nós podemos não nos deixar vencer e, sobretudo, não ceder às tiranias de uma vida que, parafraseando a MAFALDA tem muito mas de moderna, do que de vida.
Ano Novo é tempo, também, de promessas e projectos. Em miúda, copiando o que lera nos livros da Enid Blyton e da Condessa de Ségur, costumava fazer uma longa lista de intenções. Olhava a lista nos primeiros dias do Novo Ano e, num instante, esquecia-a na gaveta dos segredos (que mantenho!) só voltando a olhá-la no final do ano. Agora, em vez de intenções, ou para além de intenções, tenho projectos. Projecto provocar possíveis de SER e EXISTIR junto dos meus alunos. Projecto fazê-los aprender a gostar de ler, de conversar, de saborear a Arte da escrita; projecto passar mais tempo com os meus amigos. Ficam, vezes demais..., esquecidos nesta minha existência maluca. Este 2010, quero ver crescer o Manuel Bernardo, cheio de refilice, mau feitio e saúde, quero ver as minhas filhas a desafiarem possíveis e quero, eu também, encontrar a cumplicidade efectiva que tanto desejo.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Felizmente Turista



Este mês em Cambridge, este mês diferente a iniciar numa nova fase da minha vida - AVÓ -, incluíu um dia em Londres, cidade da minha eleição. Conheço Londres já bastante bem, tenho os meus lugares preferidos, tenho memórias para desfiar sempre que lá vou. Gosto de me perder por Covent Garden, adoro passear na Regent Street sentindo-me no centro do Mundo, impressionam-me sempre os grandes edifícios e delicio-me, sem reservas, com o Museu madame Tussauds (sei que é para turistas, que é foleiro, mas eu ADORO e divirto-me imenso sempre que lá vou).
Desta vez, a Joana foi a minha companhia e o nosso objectivo era visitar a Torre de Londres, ver as jóias da coroa, e entrar em Westminster. Cumprimos o programa, com direito ainda a passeio na Regent, na Oxford e, rapidamente, na Tower Bridge of London. A Joana é a melhor das companhias! Rimo-nos, aprendemos, e assistimos, até, a uma representação de Teatro de rua no espaço da Torre de Londres. Grande dia!! Há muito tempo que não me sentia tão...felizmente turista!!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A Consoada

Está quase a chegar o Menino Jesus, este ano carregando presentes para o Manuel Bernardo. A ceia fez-se de globalização efectiva, Christma's Pudding, pão de ló, leite de creme, perú assado, petit-gâteau e mince pies. Não faltou o Porto, nem o espumante, nem sequer as músicas de Natal pela voz do eterno Sinatra. Daqui a pouco, vai chegar o Jesus, vamos trocar presentes e eu vou pensar em quem está longe e eu queria ter aqui.
Curioso como os meus Natais se vestem, há anos demais, de ausências dolorosas. Felizmente, este 2009, o Manel Bernardo enche o espaço todo!!!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Quase - Quase

Está quase-quase-quase a chegar a Noite Mágica. Para mim, tecida de sentires e emoções, a noite de 24 de Dezembro é a mais importante do ano inteiro e, amanhã, vai acontecer. Aqui, em Inglaterra, nesta Cambridge nevada e linda, o Natal ganha novo colorido. Em cada esquina há coros, soam Merry Christma's contantes, e as montras apresentam-se cheias de deliciosos gingerbread biscuits. Sempre que os vejo, ou compro, lembro-me da história do Menino Biscoito que, claro..., já contei ao Manel Bernardo.
Este ano, eu, alentejana confessa e convicta, habituada a filhós e azevias de grão,tento integrar esta festa diferente e, por isso, comprei também o English Christma's Pudding. Como tenho a mania da qualidade, fui comprá-lo numa lojinha pequena, feito à moda caseira (garantia a publicidade) e vim para casa feliz. Ao abrir a deliciosa sobremesa, reparei que trazia instruções e, maldizendo os ingleses e a mania das regras, lá li aquela lengalenga toda para, no fim, ficar a saber que tenho de cozer o pudim em casa, em banho Maria...Amanhã, depois de fazer o meu delicioso leite de creme - desse ninguém aqui abdica! -, lá vou cozer o Christma's Pudding rezando para que aquilo valha o esforço e as libras gastas.
Pois é...Amanhã será consoada em Inglaterra! Com o Manel Bernardo como Menino Jesus e um Presépio vindo de Portugal para enganar as saudades.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

21 de Dezembro 1952

21 de Dezembro era, dantes, data a assinalar em minha casa. Os meus pais faziam anos de casados e havia, sempre, um Porto especial, que deixava a minha mãe a dizer ai-ai estou tão tonta, e a eterna história da canja de perdiz que os recebeu, recém-casados, na casa da Serra, na Casa da minha essência, chegados da cerimónia em Fátima. Nós, os filhos, ouviamos repetidamente a história, riamos, brincavamos e aprendemos a lembrar a data.
O casamento dos meus pais, a existência dos dois como um só, foi uma história de amor de espantar. Não me lembro, nunca, de ter ouvido o meu Pai dirigir à minha Mãe uma palavra azeda, e nunca ouvi a minha Mãe, que sempre teve um feitio torcido...,zangar-se de verdade com ele. Cresci vendo-os de mãos dadas, conversando sempre, constantemente cúmplices e dependentes um do outro. Cresci, vendo que o Amor é possível e real. Depois, quando eu falhei a vida, ou me desencontrei dela, mais valor dei ao amor entre os meus Pais. Fui com eles, nos últimos anos, a Fátima, repetindo o percurso de mais de 50 anos. Ao lado deles, com o senhor cónego Anacleto já muito velhinho, rezei e pedi um Amor para mim igual ao deles.
Hoje, lembro sozinha o Dia do Casamento dos meus Pais. Conto ao meu neto Manuel Bernardo a história da canja de perdiz, lembro para ele a urgência do meu Pai em ter só para ele a minha Mãe, e peço a Deus que me deixe legar ao meu menino a herança de paixão e ternura que o meu Pai me legou! Hoje, penso no meu Pai. Como sempre, com mais intensidade talvez. Hoje, bebo um Porto sozinha lembrando a possibilidade de um grande amor ser eterno!

domingo, 20 de dezembro de 2009

O Boneco de Neve


Sobre Cambridge, indiferente ao frio e à neve, o bonequinho dourado brilhava. Brilhava, ufano, aproveitando cada milímetro de sol, estando-se absolutamente nas tintas para o facto do sol estar gelado. Afinal, no imaginário do bonequinho dourado, paradoxos pessoanos como o sol frio, não tinham lugar. O bonequinho brilhante homenageava a vida e, por isso, fazia render a luz fria, purificando-a, fazendo-a cair no chão, sobre os humanos agasalhados, como pós de falicidade. Olhei aquele bonequinho e lembrei-me da fada Sininho, com o saco de pós de voar, e do Peter Pan, o eterno menino das mil histórias que sempre contava às minhas meninas. Ri-me com gosto e, também porque tenho um casaco novo muito quentinho (um presente de Natal mesmo especial), deixei que me caissem nos ombros os pós mágicos do bonequinho brilhante. Agora, quase a ir para a cama, penso nessa magia e enrosco-me, muito quieta, esperando o resto que essa promessa feliz hoje anunciou...

Neve em Cambridge


Nevou muito, continua nevando, em Cambridge! A cidade sábia, a cidade das pontes, das ruas escusas, das montras brilhantes, dos linguajares diversos, do rio coleante, dos mil sentires em turbulência, foi coberta por um imenso manto branco que me encanta e emociona. Nos passeios há gelo, perigoso, os bailados feitos escorregadelas com nenhum carácter artístico enchem a cidade de marionetas movidas por vontade alheia. Eu, com mil cuidados, pondo os pés bem firmes no chão, lembrando o fim de tarde em que, depois de um dia de ski, estalei a mão numa queda aparatosa à porta da Farmácia, fui ao centro. As últimas compras faziam-se, hoje, com mais calma, intercalando a contagem das libras, sempre muitas, com fotografias exigidas pela nova paisagem de Cambridge. As crianças, felizes e de narizes vermelhos, faziam bolas de neve, bonecos pouco perfeitos, no meio de muitas gargalhadas e sonoros merry christma's to you; os adultos posicionavam-se para a fotografia, condescendentes com o frio, seduzidos pela paisagem.
Atravessei o centro para o meu habitual café duplo, no Costa, e fiquei ali, olhando, com a sensação de estar do lado de dentro da vida, no forro de uma existência alheia, como espectadora de um filme de Natal. A dado momento, senti que podia mesmo surgir o Menino Jesus, vindo do céu como quando eu era menina, com um presente feito Presença, Cumplicidade, Verdade. Esperei. Ele não chegou, mas, ainda assim,soube-me bem ser personagem, porque ser sempre real cansa às vezes demais!

domingo, 13 de dezembro de 2009

Bem cedo


Os Domingos sempre me parecem dias lavados. Como se, com o passar do tempo, a semana se fosse sujando e, no Domingo, surgisse de banho tomado e pronta para recomeçar. Hoje, bem cedo em Cambridge, confirmaram-se as minhas suspeitas: Veio a chuva de noite e deixou tudo num brinquinho! Porque era cedo, a cidade movimentada estava ainda adormecida e, quando cheguei ao centro, esbarrei com um ambiente imaculado e sedutor. Gosto de Cambridge, cada dia mais! Passeei nas ruas vazias, tomei a minha bica (escandalosamente cara: 1 libra e 65...) e fui à Missa. Escolhi, de novo, a capela do Trinity. Hoje, era o dia das ovelhas, coisas de ingleses..., e os miúdos, muitos, levavam todos uma ovelha de peluche, ou de cartão, ou de qualquer material. No banco à minha frente estava um miúdo loirinho com um chupa-chupa em forma de ovelha mas, quando chegou o momento de todos mostrarem o animal, ele já só tinha o pauzinho vazio e as bochechas lambuzadas.
Na Missa não pedi nada. Ouvi, conversei um bocadinho com o meu Cristo e saí um pouco mais confortada. Este Natal britânico vai ser singular.Diferente mesmo da minha rotina de quase meio século.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Tempo


Todos os dias, a caminho do centro, antesaboreando o meu café no Costa, passo junto ao bicho do tempo. Normalmente, há lá muitos turistas a fotografarem-no, sobretudo japoneses. Hoje, talvez porque o fog londrino se estendeu a Cambridge, ou apenas porque era cedo e estava muito-muito frio, não estava lá ninguém e eu pude observá-lo de perto. É, de facto, assustador!! Não pára, entontece e irrita com a cadência constante, e o bicho mete medo. Olhar este marco, ou deveria escrever monumento?, faz-me pensar na frugalidade da existência e na necessidade, e urgência, de se viver cada dia em pleno, com vontade, para que o bicho horrível não se sacie deixando-nos irremediavelmente vazios.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O meu Menino



Olho o Manel no fundo dos olhos curiosos. Procuro-lhe a alma, a essência, o lugar onde inscrever o Amor, a Confiança, a Fé. Falo-lhe, baixinho, da força do amor, da verdade necessária, da ternura capaz de aquecer os corações de alguns homens. Fixo o meu Manel, temo o futuro, seguro-lhe nas mãos frágeis e garanto, para sempre, a minha atenção cúmplice.
Aproxima-se o Natal, Natal frio nesta Cambridge secular, e este Manel Bernardo é, para mim, o Menino Jesus que quero proteger.
Já conto histórias ao Manel. Histórias de bichos, com o Tango e o Buda, histórias de passarinhos viajantes, histórias de meninos felizes. Quero encher o disco rígido do Manel, enquanto está limpo, de referências de ternura, carinho e compreensão. Quero que o meu menino seja um Homem de Verdade. Um homem daqueles que também sabem chorar!

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

8 de Dezembro

Quando eu era miúda, quando, como diz o Poeta, "Festejavam o Dia dos meus Anos e ninguém estava morto", no dia 8 de Dezembro fazia-se o presépio lá em casa. O meu Pai, por ser feriado, estava em casa e saíamos com ele, no gelo da Serra, a arrancar tapetes de musgo. Levávamos cestos, cestos feitos pelo senhor António, de canastras que cheiravam intensamente, e mostrávamos uns aos outros, muito orgulhosos, os tapetes que conseguiamos arrancar, ficando as unhas negras, sem desfazer nada. Brigávamos também, irmãos com irmãos, ou por causa do tamanho dos tapetes conseguidos, ou pelo número dos mesmos, ou apenas porque sim. Depois, em casa, era a algazarra. Tiravam-se os bibelots de cima do móvel do canto, junto à lareira, protegia-se o fundo com jornais, e o meu pai, ajudado por nós, colocava o musgo dando início ao montar do Presépio. Havia serras, iamos buscar pedras, lagos, alisávamos muito bem pratas de chocolates da Regina, pontes, umas mais nicadas que outras, caminhos feitos com farinha, galinhas, pastores, ovelhas, árvores, e, no ponto mais visível, a cabana do Menino com os pais, uma vaca cinzenta sem cornos , que eu sempre achei ser um burro adaptado, e um burrinho castanho só com uma orelha. No cimo da cabana, presa com uma linha de pesca, transparente, o meu Pai punha uma estrela brilhante. Depois, perto, segurava-se o pinheiro cheio de resina dentro de um balde, e fazia-se a árvore de Natal. Então, penduravam-se chocolates que nos eram oferecidos. Acho que a Regina, nesta altura, devia ter muitos lucros...
Desde o dia 8 até ao Dia 25, ou melhor, à noite de 24, o Tempo era de ansiedade, de agitação, de cheiros diferentes, filhós, azevias, o recheio do perú que eu ainda hoje adoro. A mesa da sala de jantar estava sempre posta, havia bolo rei, e chegavam todos os dias perús que os doentes, e os amigos, ofereciam ao meu Pai. Eu, que até hoje detesto penosas, desaparecia da cozinha sempre que chegavam aqueles animais pretos de patas atadas, condenados à morte. Às vezes, de Belver, chegavam lampreias vivas, lembrando cobras e gerando gritaria entre nós, miúdos.
Hoje, quase 40 anos depois, estou em Cambridge, na Inglaterra das minhas leituras adolescentes, junto da minha filha e do meu primeiro (de muitos, espero) neto Manel Bernardo. Temos uma árvore de Natal, standard, mas ainda não temos Presépio. E eu também sinto falta do Presépio...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A Velha Árvore


Em Portugal, é conhecida a frase, boa peça de Teatro aliás, "As árvores morrem de pé!". Aqui, isso não é verdade. Esta árvore velha, cansada, deitou-se e morreu, quero eu crer. Possivelmente, a árvore cansou-se da sua existência, ou da indiferença com que era olhada, ou simplesmente apeteceu-lhe sossegar e deitou os ramos. Apetecia-me fazer como a velha árvore. Encostar-me, deixar que me levassem sem sentir, nem sentires, e que me reciclassem, depois, em qualquer coisa mais fácil, menos dolorosa do que viver. A velha árvore está juntinho ao King's College. Deve ter ouvido e aprendido muita coisa mas, mesmo assim, acabou um dia. Eu não sei nada, sinto demais, e, hoje, apetecia-me também desistir e encostar os ramos. Queria a compreensão da vida, a ternura de um beijo, um silêncio feito verdade, um abraço feito cumplicidade.

domingo, 6 de dezembro de 2009

De Longe

Pessoa, o meu Pessoa, defendia que a Arte surge, as vivências também, não no momento real mas, antes, no momento da recordação dessas vivências. Defendia a reconstrução do vivido, no pensado, para assim conseguir a essência. Hoje, concordo com ele. Aqui, longe do meu Portugal que tanto critico, tenho saudades daquela terra onde a idiotice lidera. Confrontada com a modernidade, com o sentido da existência nesta cidade de Cambridge, penso no meu Portugal desordenado e desejo-o intensamente. Contaram-me, ou li, que houve a cimeira ibero-lusa, que o amigo Chávez faltou, que o Sócrates quer vender os Magalhães à Venezuela, e eu nem me irritei. Sorri e aceitei. À distância, pintado com saudades..., o meu país até quase faz sentido.
Hoje, apetecia-me o Convento de São Paulo, a calma do velho Convento, as recuperadas celas acolhedoras dos frades, os ruídos de Inverno do meu Alentejo, o acordar para o pequeno-almoço de pão quente com boa manteiga!!!

A Missa


Missa em Cambridge, este Domingo no Trinity. No início, tempo para as pessoas se conhecerem. Hello, how are you?, e as pessoas a apresentarem-se, a dizerem de onde vêm, porque estão ali. E começa a cerimónia, música alegre, cânticos, gente nova, as leituras da Bíblia. Hoje, a referência a Zacarias e a João Baptista. A espera, o saber aguardar, a confiança no Deus que nos Ama. Eu, sozinha num canto no banco longo, depois de ter conversado com um jovem que me cumprimentou, a pedir a Deus uma luz, um sinal, uma orientação. Eu, perdida, sem a fé de Zacarias, agradecendo o meu Manuel Bernardo e pedindo ajuda, apoio, força, num momento tão intenso como o que estou a viver. Os Cânticos, alegres e cheios de vida, a fazerem-me cantar também.
Saí da Igreja, para a chuvinha de hoje, com a alma reconfortada, capaz de enfrentar a semana. Ou, pelo menos..., o Domingo...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Sábado


Hoje, sábado frio em Cambridge, saí cedo de casa. A caminhada até ao centro, meia hora de marcha, aqueceu-me a alma, fez-me sorrir e, apesar do frio gelado, deixou-me confortável. Percorro três longas ruas, todas diferentes, e vou sempre reparando na vida, nas existências e essências, tão diferentes aqui das da minha cidadezinha de província. Como tinha toda a manhã para mim, fui olhando com olhos de ver, e de sentir, cada pormenor. Mais uma vez, a beleza do rio Cam me encantou. Por detrás do King's College, corre calmo, límpido, fazendo de espelho aos ulmeiros que, como dizia Camões, "pendem parecendo afeitar-se". A luz matinal ajudou o meu clic e tentei prender, guardar para mim, instantâneos de momentos que adivinho fugazes e irrepetíveis.
Cheguei ao Centro, passeei no emaranhado de ruas, fui ao simpático mercadinho. Aqui, tudo se vende à unidade e, por isso, é possível comprar vinte tangerinas, cinco cenouras, seis tomates, dois alhos franceses e uma coisa que não sei o que é, mas dá bom gosto à sopa, e que eu chamo uma cenoura branca. Comprei pão, também. E esbarrei com a inevitável globalização, pois, no coração da secular e sábia Cambridge, no mercadinho de rua, a banca do pão vende pão de Itália, França, Grécia, Inglaterra, Espanha e Alemanha. Só para me chatear, não tem pão de Portugal!! Yes I have, look from Spain! E eu explico que não é Spain bread que procuro mas, Portuguese Bread, de preferência da Salavessa..., e ele insiste, porque, para o velhote do pão, Portugal é um bocado de Espanha!!! Só por causa disso, comprei pão francês...

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A Noite


O tempo voa, às vezes depressa demais..., e o meu Manel Bernardo cresce! Agora, já em casa, calmo e curioso, já quer a chucha e já olha para nós com vontade própria, às vezes excessivamente própria... Hoje, o Manel Bernardo ficou sornando e eu fui para o centro fazer compras.
É estranho, e mágico, fazer compras na noite iluminada. Cambridge escurece cedo, mas a vida comntinua a desenrolar-se, naturalmente, sob as mil e muitas luzinhas deste Natal que quero especial. Entrei nas lojas, sempre quentinhas, pedi present packets please, tomei o obrigatório double express, e caminhei sob uma magia estranha. Depois, fui à Igreja, no King's. Ambiente quente, gente cantando, luzes trémulas e o meu coração a trair-me, o olhar a afogar-se. Cambridge tem, para mim, cada dia mais revelaçóes.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Chuva e esperança

Chove muito, hoje, em Cambridge. Chuva grossa, molhada mesmo, enérgica e envolta em nevoeiro. Faz frio também. Por contraste, em casa o Manel Bernardo está quentinho, mamando bem, esticando-se com energia, divertindo-se a regar tudo à sua volta sempre que lhe mudamos a fralda. É tão bom tê-lo aqui!!É espantoso como um ser minúsculo, uma amostra de gente, se tornou o centro do meu mundo. Olho-o nos meus braços, indefeso, e tenho medo do que a vida possa vir a fazer com ele.
Este bebé, que chegou a despertar-me para tantas coisas, tem de ser capaz de viver (não apenas sobreviver), num mundo que, cada vez mais, é desumano e vazio. Este bebé, o Manel Bernardo, tem de ser capaz de conhecer o Amor, compreender a ternura, criar cumplicidades, valorizar sentires. Olho-o, agora, e digo-lhe coisas de ser e viver, em português do melhor, tentando, assim, que ele comece a amar uma língua que, acredito eu, definirá a sua essência. Ao meu Manel Bernardo, agora, não ouso falar de medos nem traições, de mentiras nem hipocrisias. Conto-lhe, apenas, da frugalidade da vida, da voracidade do Tempo, e da missão Humana de tecer felicidade. De verdade mesmo, olho o meu bebé, reparo como ele me olha também, e acredito que, naquele coração minúsculo, começam a criar raízes as plantas da essência Humana!!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

My Neighbours


É noite em Cambridge. Anoitece cedo, pelas quatro horas, e a cidade puxa sobre si um manto de luz e quenturas que espantam o frio gelado da manhã. No coração da cidade, agora, há luzes, cânticos, senhoras apressadas carregadas de embrulhos, crianças de gorro e nariz vermelho. Andei por ali, vagueando, espreitando lojas de tentar, olhando montras de encantar, passeei junto ao rio e vim para casa de coração adormecido. Sentei-me, então, neste quarto diferente que é o meu, agora, e reparei nos meus vizinhos. Eu, que estou pouco habituada a vizinhos (mesmo quando estes são neighbours), acho estranha esta espécie de convivência forçada. Já conheço, sem conhecer, quem por aqui mora. E, o que tem mais piada, conheço aspectos da intimidade, sem conhecer as generalidades! O meu vizinho da janela em frente, mal chega a casa põe-se em boxers, enche uma caneca de qualquer coisa (não me chega o cheiro) e põe-se ao computador. Deita-se pelas 20.00h. Cedíssimo, para a minha portugalidade. Ao lado, na janela em frente da sala, vive uma familia de chineses. São cinco e, nos domingos, não se vestem, ficam de trajes muito menores... Comem com pauzinhos, decostas uns para os outros, e têm dois micro-ondas, claro que, aqui, micro-waves. Nos dias de semana, os chinoquinhas saem todos, excepto um velhote que fica zanzando de um lado para o outro até sossegar frente ao computador. Na janela de baixo, vivem jovens universitários. Bebem muitas latas de cerveja, têm pilhas de livros nos parapeitos e andam em tronco nu. Acho, sinceramente, que esta vida assim, de exposição de intimidades, não tem piada nenhuma e, por isso, desço os estores até abaixo quando, também eu, mudo para trajes menores.