sexta-feira, 31 de maio de 2013

O Abraço


No escuro da noite ela sente o abraço dele. Não conversam, as palavras quebrariam o cristal frágil da noite morna, mas partilham as angústias de um tempo duro, difícil, que o abraço ilude. Ela sente o peito largo, o abraço forte, o odor intenso do after shave que ele sempre deixa no lavatório, ele reconhece a presença do Pleasures eterno. Ela fecha-se no espaço onde se sente protegida, ele sorri e ajeita o braço. Deviam estar a dormir, mas a insónia acontece mesmo no sonho, e eles deixam-se estar, presentes na ausência, embrulhados no édredon de saudade que faz doer demais. Não há, hoje, anjos curiosos espreitando os sonhos, não há demónios negros tecendo dores a haver. Há, apenas, o abraço desejado, lembrado, preso na esquina do impossível, no lugar mesmo onde espreita o agora. É um abraço sonhado, que se desfaz na bruma da manhã que, em Junho quase, insiste em acordar fria e húmida.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Poetar

Um destes dias, com os meus alunos de 7º ano, resolvemos, aproveitando o facto de se assinalar o Dia Internacional das Ideias, realizar um recital de poesia. Porque, felizmente, a maioria destes alunos ainda acredita em impossíveis, ainda sonha, ainda é capaz de se encantar com a magia das palavras e de  se deixar embalar no ritmo dos poemas, o entusiasmo foi muito. Escolhidos os textos, quinze!, aconteceram os ensaios, o acertar de expressão e voz, e, finalmente, chegou a grande manhã. Com algum nervosismo saudável, vi os meus miúdos crescerem dando voz a Gedeão, Vinicius de Moraes, Sophia de Mello Breyner, Ary dos Santos, António Lobo Antunes, entre outros. Gostei de os ver assim, sérios na sua juventude ainda adolescente, a saborear palavras e a descobrir novas formas de ser...
Inventadas por eles foram, também, as frases das t-shirts.
Quando soube que o Prémio Camões fora atribuído a Mia Couto, que bem podia ser o criador do "Poetar" dos meus alunos, não resisti a elogiar os meus miúdos. Todos eles poderiam chegar longe e, por isso mesmo, fico muito infeliz quando encontro desistentes...
Enfim, como dos fracos não reza a história, deixo aqui, num espaço público, os parabéns aos meninos poetas que acreditam (ainda) que Poetar é melhor do que Vadiar!

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Modernices

Quem, como eu, é professor pelo menos há dez anos, compreenderá bem este meu desabafo. De vez em quando, aparecem umas modernices que nos fazem ou sorrir, ou protestar indignadas. Ora eu, quando me falam em psicólogos e novas teorias, fico logo a tremer com medo de mais modernices... De facto, e querendo acreditar que a psicologia é uma área fundamental e, por isso mesmo, os psicólogos profissionais muito competentes e necessários, não consigo acreditar, nem sequer seguir, as mais recentes orientações. Ouvir dizer que um miúdo tagarela e mal educado, insolente, não cumpridor e irresponsável, é sempre um hiperactivo, deixa-me desesperada! Com certeza, haverá crianças hiperactivas. Como, com certeza, existem crianças com defice de atenção e, por isso, dificuldade de concentração. Mas não acredito que seja a maioria! Em vez de psicologias e diagnósticos pomposos, é necessário que se imponham regras e se recupere a autoridade! É urgente que os pais ajam como educadores, e não como amigos mais velhos, e que os professores possam educar e não marcar consultas nos psicólogos.
Peço perdão a quem a esta hora está chocado com o meu conservadorismo mas, e falo com experiência, tenho a certeza que se poupava muito dinheiro e se resolviam muitos problemas. (Os psicólogos que me desculpem...)

terça-feira, 28 de maio de 2013

O ACORDO

Depois de um dia muito duro, com a cabeça a zunir e um cansaço enorme, olhei desesperada o meu telefone que tocava... Mais trabalho, pensei. Mas fui surpreendida! Do lado de lá anunciavam-me, em festa, que o acordo ortográfico fora suspenso! Foi quase  - QUASE - tão bom como se me dissessem que tinha acabado de ganhar o Euromilhões! Sei que só o suspenderam por motivos económicos, mas quero crer que é um passo importante para que o eliminem de vez! 
Depois da entrega do Prémio Camões a Mia Couta, escritor que aprecio pela inovação linguística e pelo adocicar dos sentires, esta foi mais uma notícia a fazer sentido no nonsense que, vezes demais, domina a minha existência.

O PARLAMENTO DOS JOVENS

Se me perguntassem quantas vezes acompanhei os alunos da minha escola, vencedores da sessão regional, à Assembleia da República para participarem no Parlamento dos Jovens, não saberia responder. Muitas vezes! Lembro as mais recentes, a ansiedade da Ana, a sua capacidade de argumentação, o estilo do Joel, jovem de Campo Maior com a escola da Juventude Comunista. Lembro, também, o nervoso, a correcção linguística, a cultura, a capacidade de elogiar e chegar a consensos. Lembro ainda, como esquecer?, sessões dolorosas, onde a maioria dos jovens apenas reproduzia os modelos dos adultos. Foram sessões deprimentes!

Este ano, felizmente, verifiquei que voltou a qualidade. Os jovens alunos do Ensino Secundário, vindos de todo o país, apresentaram ideias, discutiram o problema do desemprego com consciência da gravidade do tema, sugerindo medidas viáveis e importantes. O meu João Meira, a minha Maria, falaram com convicção e seriedade, defenderam o combate às assimetrias que caracterizam Portugal e tiveram a coragem de defender uma acção séria no sector primário. Com coragem, ouvi-os perguntar que sentido faz que, em Portalegre, exista uma licenciatura em engenharia aeroespacial (que existe mesmo!).
Talvez fizesse bem a alguns (ou a todos) os elementos que dirigem o Ministério da Educação assistirem ao trabalho que estes alunos desenvolvem nas comissões primeiro, em plenário depois. Talvez fosse importante verem que os professores estão por ali, à sua custa, acompanhando, ensinando, apoiando, trabalhando 24 horas por dia porque é preciso dormir fora de casa, acompanhar os jovens sempre, como amigos mais velhos, partilhando sonhos e provocando construções de futuro...

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Chão do Loureiro

A opção para um domingo em Lisboa fora a Feira do Livro. Um olhar pelas novidades, uma caminhada num dia ventoso, o revisitar do parque Eduardo VII. Mas as alergias, os espirros constantes, a garra a sufocá-la, depressa lhe impuseram o regresso ao automóvel. Surgiu então a lembrança da esplanada sobre Lisboa, uma entre muitas, ali mesmo por trás do Largo do Caldas, com a vantagem de um parque de estacionamento colorido e a cheirar bem. Passou junto às obras sempre inacabadas do Cais das Colunas, protestou sozinha contra o empedrado mal feito que fazia sacudir o seu automóvel, imaginou o terror que teria sido o Terramoto de 1755 - barcos levados nas ondas até ao Rossio?! -, alegrou-se com os dois enormes navios de luxo que vomitavam passageiros endinheirados, e subiu ao Chão do Loureiro. Sorriu da antítese de se ver subir ao chão, arrumou o carro e encheu os olhos da luz de Lisboa.
Lá em baixo o Tejo, calmo, prateado, salpicado de velas, de enormes navios também. Ao fundo, o Cristo Rei, sempre protector na sua imobilidade estática, e ali mesmo em frente, ao alcance da câmara do seu telemóvel, o Convento do Carmo. Encheu a alma de cor, os pulmões de ar húmido, o olhar de luz e pediu uma caipirinha. A solidão fazia-lhe boa companhia, pensou, cerrando os olhos para não deixar entrar a saudade.

domingo, 26 de maio de 2013

Sim, é possível

Sim, é possível matar o futuro fazendo dele passado. Sim, é possível adiar o hoje, aos pontapés, lançando-o para o meio da bruma de um qualquer dia que nunca acontecerá. Sim, é possível desmantelar o amor e, com as letras magoadas, escrever adiamento e solidão. Sim, é possível desfazer a confiança, a certeza do hoje, em espumas de tsunamis existenciais. Sim, é possível salgar o doce do abraço que faz de dois um só, e corroê-lo. Sim, é possível dar um nó no coração, trancar o acesso à paz e alimentar o ódio.
Tudo é possível aos homens, ao ser humano que olha demais para si, para o umbigo e para o chão, esquecendo-se de contemplar o céu onde, depois da chuva, e até após tempestades violentas, o sol brilha confiante.
Não, não é possível reescrever passados. Não, não é possível adiar para ontem. Não, não é possível fazer o tempo parar...
E, se calhar, se olhassemos para os impossíveis, talvez conseguissemos evitar, travar!, os possíveis que fazem os quotidianos.

A IGREJA CATÓLICA

O Papa Francisco dá-me segurança, emociona-me, desafia os meus melhores sentimentos. Gosto do sorriso, da coragem das palavras, da simplicidade, do olhar directo e franco. Hoje, ou melhor ontem..., gostei de o ouvir protestar contra os padres que recusam baptizar filhos de mães solteiras. Sensibilizou-me ouvi-lo lembrar Jesus Cristo que nunca repudiou ninguém! Tocou-me fundo ouvi-lo dizer que na Igreja há lugar para os pecadores, e não apenas para os Santos.
Talvez, agora, depois de séculos de incompreensão, a Igreja Católica seja capaz de se voltar para o verdadeiro sentido humanista que a deve, julgo eu, definir.
A nomeação de D. Manuel Clemente também me enche de esperança. Penso que é um Cardeal próximo dos ideais do Papa Francisco e, por isso também, confio nele. Como católica, cheia de angústias e falhas, muitas vezes senti que a minha Igreja me não compreendia. Talvez cobardemente, refugiei-me em Cristo, que eu SEI que é meu Amigo, e fui-me afastando dalgumas práticas que a minha Fé impõe. No entanto, algumas outras práticas, como o baptismo, defendo sempre. Acho um ritual que tem sentido pois, para mim, implica inserir a criança numa família alargada onde, pelo menos teoricamente, a amizade e a solidariedade imperam. Por isso, acho importante a escolha dos padrinhos, pessoas próximas da família, presentes sempre que necessárias. Parece-me lógico que, se possível, os padrinhos sejam irmãos dos pais, afinal a família mais próxima! Ora, assim sendo, foi com alguma estranheza que soube que, desde há cerca de três anos, para se apadrinhar (ou amadrinhar) uma criança, é imprescindível ter-se sido crismado! Pasmei! Fará sentido?! Fiquei com dúvidas, fui ler, procurar respostas. No silêncio das minhas noites dolorosamente longas, perguntei a Cristo a resposta. Ontem, subitamente, o Papa Francisco respondeu-me, ao defender que todas as crianças podem e devem ser baptizadas, sem rigores de papéis ou complicações de cursos. Fiquei feliz e, hoje, quando mais logo for tomar café vendo o Tejo, vou, de certeza, lembrar-me do rio Jordão, da simplicidade de João Baptista!

sábado, 25 de maio de 2013

Boas Notícias

Finalmente, depois de meses de sofrimento e violência sobre os portugueses, o Ministro Gaspar apareceu a dar boas notícias. Diz que o país está num ponto de viragem, que vai começar a crescer e que, o que custa a crer, a economia se vai desenvolver.
Para que tudo isto aconteça de facto, disse ainda que iam ser tomadas medidas de apoio à criação de riqueza e às empresas. Vindo de quem vem, de um Ministro que nos leva 70% do que ganhamos mensalmente, que nos surripiou os subsídios de Natal e de férias, até custa a crer... Mas, ainda que com dificuldade, eu quero acreditar que ele fala verdade. Porque chega de tristeza, de angústia e sofrimento! Até me apetece acreditar que, a partir de agora, vamos só ter boas notícias!!

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O limite

Quando somos miúdos estamos habituados, (hoje poucos estão!) a ouvir um "Basta!" definitivo. É o momento em que sabemos, ou intuimos, que devemos mesmo parar de esticar a corda ou vai o caldo entornar-se para o nosso lado... Depois, ao longo da vida, somos nós que vamos impondo os nossos limites e, muitas vezes, dizemos a nós próprios que "foi demais", numa afirmação que nos obriga, ou motiva, para mudanças profundas. Todos temos, penso eu, uma linha que marca o limite!
É grave quando, de repente, parece que essa linha se apaga, ou simplesmente se torna inexistente, na vida das gentes, na sociedade em geral.
Creio que foi o que aonteceu ao Miguel Sousa Tavares quando afirmou que Cavaco Silva é um palhaço. Exagerou. Excedeu-se. Porque Cavaco Silva é o Presidente da Repúlica e, goste-se ou não, (eu não gosto nem um bocadinho!), é a figura mais importante deste pobre país... Admiro Miguel Sousa Tavares. E, no entanto, acho-o um snob insolente, um antipático, um peneiroso com a mania da superioridade! Mas admiro-o! Pela poesia da prosa, pela inteligência, pela coragem também. Gostei de o ouvir assumir que se excedeu, concordando que deve responder por este excesso de linguagem. Fiquei, depois deste episódio, a admirar mais ainda o insuportável do MST que qualquer professor deste país despreza...

A Moura Encantada

Bem cedo, quando nem os melros gordos ainda despertaram, abro a janela de par em par. Lá em baixo o mundo, ainda dormecido também, traz-me memórias e pedaços de sonho. 
Quando eu era pequena, olhando cá de cima, achava enorme a Serra da Penha. Com a cabeça cheia das lendas que ouvia contar, via a moura encantada, lá na cova, chorando pelo pai. Para mim, miúda, era muito mais dolorosa a falta do pai, do que a do príncipe apaixonado... Hoje, olho a Serra e penso que encolheu! Vejo um monte atacado de raquitismo, esventrado por línguas negras de alcatrão, com uma cruz onde chego com facilidade nos sábados excessivamente compridos. Já não sei onde é a Cova da Moura mas, por antinomia, compreendo cada vez melhor a falta que o Pai que lhe faz!

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Festas da Cidade


A minha cidade faz anos. Aí está, de novo, o mês de Maio a encher o espaço de música e cor! Este ano, talvez porque as eleições autárquicas estão à porta, as Festas parecem-me diversificadas e lógicas. Gosto de ver dar lugar aos grupos da nossa gente, gosto de ver os espaços de rua animados, e gosto, sobretudo, de ver os sorrisos nos rostos dos lagoias como eu. Já aprendi que o povo tem razão, que tristezas não pagam dívidas e que, perante uma tragédia como a que vivemos, o melhor mesmo é uma sonora gargalhada e um baile bem animado. As Festas da cidade, este ano, trazem a recuperação de outras Festas. 

Voltou, por exemplo, a Festa dos Aventais o que, considerando o estado de abandono a que tem estado votada a Serra, a Fonte da Amaia, e o espaço onde foi a Orbitur, mesmo junto à Quinta da Saúde, pode significar a recuperação de zonas que, na minha opinião, são nobres para Portalegre. Gosto, também, de andar nas ruas centrais com música, parece que alguma coisa se alegra no coração das gentes!

Ao mesmo tempo, e apesar da Festa, tenho de reconhecer que me incomoda a situação que se avizinha para as autárquicas. Desde logo, incomoda-me a fusão das duas freguesias, Sé e São Lourenço, porque, tal como acontece com os agrupamentos das escolas, sinto que só se olha ao aspecto económico, ignorando-se a dimensão humana e funcional das Juntas. Um dia, se calhar, extinguem-nas porque, bem vistas as coisas, estão a esvaziá-las de sentido. Eu ainda integrei a luta para que se constituísse mais uma Junta, localizada na zona dos Assentos, para zelar de fora mais célere e atenta pelas necessidades daquela população! De facto, as minhas lutas têm sido sempre perdidas… Mas eu falava das eleições autárquicas. 

Em Portalegre, como no Porto e noutras cidades, não percebo a opção do PSD. Ou das candidaturas ditas independentes! Parecem-me duas candidaturas muito semelhantes, vindas de um espectro político idêntico que apenas servem para dividir votos e dar, de mão beijada, as Câmaras a outros partidos! Obviamente, eu não quero que o PS ganhe a minha Câmara! Ainda me lembro, e muito bem!, do que foram as últimas câmaras socialistas… Penso que as duas candidaturas na área do PSD não estão a prestar um bom serviço ao concelho. Do lado do partido, penso que estão a olhar para partidarites, para nomes e lugares; do lado da candidatura independente, temo que estejam a ser excessivamente umbiguistas! E tenho pena. Tenho pena porque eu sei, e sei mesmo, que há gente muito boa nas duas candidaturas (talvez também haja no PS mas eu não conheço) e, por isso, lamento que, depois de 39 anos de Democracia ainda não se tenha percebido que a função dos políticos é lutar e trabalhar pelo bem dos outros, daqueles que os elegeram. Como muitas vezes tenho defendido, faltou – e continua  faltar -, uma pedagogia da democracia. Em tempo de Festa, quando a minha cidade se engalana e ganha mais brilho, a proximidade das eleições autárquicas escurece um pouco o ambiente…

Bom, mas hoje é dia 23 de Maio, há alguns séculos D. João III (um rei terrível!) dava-nos o foral para que fossemos cidade. (Hoje, se calhar, se voltasse cá, espantar-se-ia por sermos cidade.) Temos vivido longos tempos de perdas sucessivas e, acho eu, é tempo de agirmos e de nos unirmos para que a Festa faça, de facto, sentido!

Portalegre é de todos e, às vezes, muitos de nós esquecemo-nos disso…

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O Manguito

Todas as tardes fazia o caminho, os joelhos cansados a pedir misericórdia, para recolher as cabras, eh bichos danados!, e sempre reparava nas cores diferentes do chão. No inverno levava o bordão, que um homem nunca sabe quando a vida o atraiçoa numa escorregadela valente. No resto do ano levava apenas as mãos, calejadas, hábeis  ainda a trabalhar o bunho, ligeiras para acabar com o atrevimento a alguma cobra mais ousada. Perdera o conto aos anos. Talvez andasse perto dos 90. Ou mais. O doutor, sempre que tinha de ir pedir as receitas, garantia que tinha de ter mais porque se lembrava do rei D. Carlos. Ora como não se havia de lembrar se o avô, que Deus o tenha, toda a vida contara como o vira morrer, ali, mesmo à frente da senhora dona Amélia?
E não seria normal um homem lembrar-se do rei?! Os de agora nem lhes fixava os nomes, uns gaiatos ainda a cheirar a cueiros e já a darem cabo da vida de um velho! A mulher é que os ouvia, entre umas Avé Marias e uns palavrões, na televisão, depois das novelas que a deixavam a fungar. Coisas de  mulheres. Ele nem queria saber! Sabia só que nunca mais havia de ir votar, que preferia ficar ali, na encosta da sua serra, a guardar as cabras, a dar caça às cobras, do que descer à cidade para fazer de pasto aos homens. 
Era velho sim. Mas não era um número comprido da segurança social e recusava ser lixo para os janotas que botavam discurso nos telejornais. Queriam a sua reforma? Queriam o que lhe restara de quase 50 anos a servir o estado? Pois ficassem com tudo, que a dignidade, essa, ninguém lha roubaria nunca! Com um manguito bem feito, assobiou às cabras.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Só Para Ti

Há coisas que só tu sabes. Há verdades que só tu conheces, lágrimas que só tu provocaste. Só para ti vão, muitas vezes, os meus sonhos felizes que cruzam noites de insónia e, só para ti, vai o meu desespero quando a vida insiste em incumprir-se. Só a ti abro a caixa velha de sapatos, essa onde guardo fotografias cortadas, recortes de jornais, pedaços de escrita, memórias esquecidas. Nessa caixa há, também, o pó que restou das flores que me ofereceste. Hoje, já não me ofereces flores. Talvez não as mereça. Ou talvez te tenhas esquecido da euforia com que as recebia. Às vezes, esquecemo-nos de tantas coisas... Esquecemo-nos, por exemplo, do que ficou por dizer, do frio do abraço vazio, do beijo negado. Esquecemo-nos do perdão, da calma, da pressa urgente, do agora em vez do daqui a bocadinho!
Só para ti, eu queria ser capaz de reinventar a força de algumas palavras. Queria renovar os sentidos de muitos sentires esvaziados, repetir passos em lugares que nunca pisei!
Só para ti, poderá, um dia, fazer sentido existir fora de mim.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Os Óscares

Fiquei até tarde a ver os óscares da SIC. Comecei por achar ridículos, mas a verdade é que não saí do sofá e fui vendo desfilar vestidos elegantes, figuras absurdas e sorrisos plastificados. A passagem pelo tapete vermelho deu-me vontade de chorar. Foi um desfilar de pequenez que me fez entristecer. Figuras absurdamente ridículas, como o célebre Castelo Branco, chateiam-me.
Depois, começaram os óscares e os nomeados, sem dúvida, mereceram as honras. (Como muitos outros que, não sendo nomeados, os mereciam também.) Os nossos artistas surgiram com força, enviando recados para políticos que parecem ter definitivamente ensurdecido. Foram quase unânimes os pedidos para que não sufoquem definitivamente a cultura e eu gostei da autenticidade dos mesmos.
Do que não gostei, mas não gostei mesmo, foi da horrorosa "novela" a que chamaram "Avenida Portugal!"... Ver gente como a dona Júlia estridente a fingir que representa é, para mim, denegrir o que é a representação! Foi pena porque, sem este episódio, os óscares teriam sido pobrezinhos, mas nossos, representando a nossa honesta pequenez, e a nossa enorme Alma!

domingo, 19 de maio de 2013

Dava Grandes Passeios ao Domingo (Régio perdoa-me o "roubo")

 Caminhava no vazio. Espaços conhecidos, memórias, ausências, presenças sempre adiadas, e ainda assim desejadas, histórias de uma vida que começava a ter o início excessivamente longe. Mãos nos bolsos, talvez evitando vê-las vazias, e o olhar cheio de sonhos e desejos. Se são a mesma coisa? não sabia. Talvez sim, talvez não. Talvez, pensava muda, os desejos fossem mais irreais do que os sonhos, só para contrariar a lógica. Ela desejava impossíveis. Presenças que sabia longe, conversas que sabia irrepetíveis. Sendo assim, porque estava ali, porque tinha os óculos escuros no dia cinzento? Porque, convencia-se, a vida fazia sentido e existir tinha de ser mais do que respirar. Ouvia na memória a voz amiga, "Deus dá-nos, diariamente, 24 horas limpinhas a estrear!" - e queria acreditar nas palavras tantas vezes ouvidas, segurar-se na fé que sentia frágil.

Caminhava esgotando mais um domingo, a missa cumprida, o café intenso tomado entre a conversa obrigatória: - as eleições autárquicas! Que a senhora doutora tinha razão, o Partido tratara-a mal, ela fazia muito bem em avançar para os fazer perder. E ela a discordar. Segura de que, enquanto os interesses colectivos não se sobrepuserem aos umbiguismos, não se construirá uma melhor sociedade... E o buraco a receber mais lixo, destroços de esperança. A vontade de conversar a morrer também, o culto da solidão a fazer-lhe bem. 

No final da rua, depois do Pelourinho, a muralha que sabia de cor. O espaço que era seu. Sentou-se junto ao Parque Infantil e deixou a memória soltar-se. Sabia bem que a vida é irrepetível, mas aprendia, diariamente, que é pelo sonho que se vai...

sábado, 18 de maio de 2013

Ignorância?!

Finalmente consegui ter tempo para ler, atentamente, as propostas (leia-se imposições) do Ministério de Educação no que diz respeito às alterações curriculares para o Ensino Básico. Tinha lido umas opiniões nos jornais, tinha ouvido alguns colegas, mas eu nada tinha lido. (Devo confessar que, cada vez mais, acho que todos têm opinião e poucos têm pensamentos, recusando-me, por isso, a fazer minhas as reflexões alheias...)
Bom, decidi-me a ler os documentos e fiquei siderada! Baseados não sei em quê, vêm agora os senhores do Ministério da Educação contestar as competências e apregoar a "aquisição de saberes". Como se pudesse haver competências sem saberes, como se o saber sem capacidade de interiorização e compreensão servisse para alguma coisa... 
As novas directrizes parecem tiradas de manuais de pedagogia do séc. XIX.! 
Diz o documento, e cito "que o Currículo Nacional para o Ensino Básico “respondia a recomendações pedagógicas que se vieram a revelar prejudiciais" ! Em que estudo se baseia esta afirmação? Prejudiciais porque permitem desenvolver aprendizagens activas e individualizar processos?! 
Mais adiante, lê-se "erigindo a categoria de competências como orientadora de todo o ensino, menorizou o papel do conhecimento e da transmissão de conhecimentos, que é essencial a todo o ensino." - Mas será que estes senhores sabem o que significa "competência"? Alguém poderá, por favor, explicar ao Dr. Nuno Crato que não pode haver competência sem aquisição de saberes? Que o conhecimento se constrói e não é de transmissão simples ou sequer um caso de hereditariedade?! 
O que está a acontecer é, creio, o andar para trás no que ao processo de ensino e de aprendizagem diz respeito! Ser professor é hoje, mais do que nunca, uma tarefa difícil e complexa e, infelizmente, parece que só o MEC não o sabe... 
Se Portugal fosse um país a sério, a esta hora os pais davam as mãos aos professores para defenderem o direito dos seus filhos ao saber e ao saber fazer e saber ser! - O Direito à Educação!

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Sofrendo


Entrou com os olhos húmidos, a sweat-shirt larga puxada até às pontas dos dedos, o capuz enterrado na cabeça. A frase estampada “Smile – You’re the Best”, contrariava o andar arrastado, o vazio triste da expressão. Sentou-se no final da sala, e deixou a cabeça cair sobre a mochila. A aula começou. Os livros abertos, a leitura a decorrer, e ela continuando enroscada na mochila de quadrados. Pedi-lhe que se endireitasse, que abrisse o livro ao menos! Arrastadamente, obedeceu. Mas de que serve um livro aberto se ninguém o lê?! A aula foi decorrendo, passei junto dela, em segredo, fazendo-lhe uma festa no cabelo, perguntei-lhe o que se passava. Atirou-me um nada onde tudo cabia. Pediu para ir lá fora, e não deixei. No final da aula, pedi-lhe que ficasse. Conversámos. Vi os braços marcados por cortes de x-acto, vi as lágrimas correrem soltas, garantindo o terrível e doloroso sentimento de desamor. Falei, falei, tentei – TENTEI – mostrar que a vida é um desafio constante, que se faz de ternura, de montanhas de dor e vales de aprazível compreensão. Falei-lhe da dor de crescer, do arco-íris dos afectos, do verde intenso do sonho. Talvez ser professor seja isto. Mas dói. Dói quando a solução não está no saber científico e quando, cada vez mais, se vê o sofrimento estampado em olhares jovens…

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Um mês

"... e depois se se habitua, já não tem vontade sua..." - Há um verso assim, num poema de João de Deus, que de repente me saltou na memória. Eu rendo-me! Preciso de escrever, a minha solidão dói mais ainda no silêncio mudo. Neste longo mês, quando até a meteorologia parece ter enlouquecido, tenho tido saudades do meu espaço de escrita. Assisti, em silêncio, à última avaliação da Troika, ouvi, num desespero mudo, as enormidades ditas pelo Presidente República, chorei calada o meu desespero perante as duas derrotas INJUSTAS do Benfica mas, hoje, não resisti mais. O dia acordou cinzento, está frio, voltei a acender a lareira e folheio velhos textos, velhos contos, antigos apontamentos. Volto a ligar o meu computador e o meu defunto blog pede vida! Ressuscito-o.