terça-feira, 31 de dezembro de 2013

FINAL

Uff!! Que alívio! Vai acabar mesmo este 2013 de péssima memória. Este ano, não penso no que vou mudar a partir de amanhã, não faço projectos, não estabeleço metas, não formulo estratégias. Para 2014 quero viver apenas cada dia. Carpe diem.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

BALANÇO

Aproxima-se o final do ano e começam as retrospectivas, os balanços, o lembrar os mortos famosos, as medidas ingratas, os escândalos e as grandes festas. As televisões prolongam os noticiários repisando, no fundo, as dores. Porque são mais os maus momentos do que os bons que, normalmente, se recordam. Esta mania humana de se agarrar ao passado, como se ele fosse recuperável, é para mim difícil de compreender. Nunca gostei das Passagens de Ano, desde logo porque não gosto de divertimento imposto e calendarizado, mas também porque me assusta muito o que está para vir.  O passado não me assusta, já foi; o futuro apavora-me e, festejar a sua chegada, parece-me quase macabro. Muitas, mas muitas noites de 31 de Dezembro passei-as dormindo a partir das dez da noite e quando, bem cedo, saía de casa para a minha voltinha matinal, gostava do silêncio, do vazio das ruas, da ideia (ilusão) de só eu estar acordada no mundo e, por isso, tudo, desde a chuva ou o brilhar do sol, ser exclusivamente MEU! 
No entanto, gosto da ideia de fazer um balanço. De olhar o que fiz de bom (sim, eu também faço coisas boas!), e de repensar o que fiz de mal. Fazendo o meu balanço deste 2013, fica-me um forte sabor a amargo. Foi um ano mau. Muito mau! Apenas o nascimento da minha neta Constança valeu a pena! Este 2013, felizmente moribundo, fez-se de mal estar a todos os níveis. Socialmente, sucederam-se agressões, violentações até. Profissionalmente, o chorrilho de anormalidades foi tal, que cheguei a ter vergonha de ser professora. Politicamente, vi crescer os incapazes, vingarem os mal intencionados e enriquecerem os bandidos. Pessoal e emocionalmente, é um segredo negro que guardo para mim...
Em tempos de balanço, só me apetece pensar no futuro!

domingo, 29 de dezembro de 2013

O Babette

Tenho lavado, e passado a ferro, muitos babettes. Nalguns, as nódoas de cenoura custam a sair e nem as publicidades mais convincentes, a que me rendo, resolvem o problema... Mas, para me consolar, as minhas filhas dizem que não tem importância nenhuma, o que interessa mesmo é proteger o essencial. Deu-me para pensar que, numa era de invenções, quando as televisões se ligam e desligam ao som de palmas e/ou vozes, era boa ideia que alguém inventasse um babette para a alma. A gente colocava o babette e as desilusões, mágoas, sofrimentos, angústias, revoltas, tristezas, solidões, depressões, abandonos e desgostares ficariam à entrada da alma! 
Então, ainda que  nós não conseguíssemos tirar eficazmente essas nódoas, podíamos sempre tirar o babette e seguir em frente, pela vida, com a alma imaculada!!

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

o Calor do Natal


Manda a tradição popular que, todos os anos, se acenda um enorme fogo no centro das aldeias e vilas de Portugal. Perde-se no tempo a origem desta prática, mas não é difícil imaginar que o objectivo seja aproximar as pessoas, unir as comunidades e,simultaneamente, evitar que os mais desfavorecidos passem frio. O grande fogo, uma lareira de chão, acende-se na noite de 24 de Dezembro e deve arder até ao dia 6 de Janeiro. Haja chuva, vento, ou frio, a lareira vai sempre ardendo e, em volta, é costume partilharem-se cantigas ao Menino, filhós e azevias, e, claro, alguma ginjinha ou aguardente da boa. 


Nas minhas tradições de Natal havia sempre o passeio, na tarde de dia 25, a ver as fogueiras e a deixar uns petiscos. Um dia, teria talvez doze ou treze anos, li pela primeira vez o Conto Natal, de Miguel Torga, e passei a procurar o velho Garrinchas em cada uma das fogueiras que visitava.
Hoje, voltei a fazer a volta. Levei azevias e trança, levei Porto também. Estava muito frio, caíam uns flocos que se desfaziam no chão e voltei a encontrar os velhos eternos, com as mãos enregeladas, repetindo o deixe aí senhora, que isso nada se perde. E beba um copo à nossa! Bebi um copo que me aqueceu a alma que, sei lá porquê, ía mais gelada do que os farrapos brancos.
No regresso, dei boleia ao Garrinchas. Viemos conversando inconfessáveis.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O Cedro

Era enorme, velho, frondoso e imponente o cedro. Lembro-me dele de sempre, ali, crescendo até quase tocar o céu e fazendo sombra ao canil. Há tempos, a morte anunciada do cedro começou a ser conversa. Que estava velho, que tinha crescido demais (até para as árvores é crime querer chegar longe?), que corria o risco de cair, que podia partir o muro, que, pior!, podia cair em cima de alguém. Fiz algumas tentativas, pouco convencida confesso, para evitar a catástrofe anunciada. Não tive êxito... A Câmara Municipal não podia, os bombeiros não podiam, ninguém podia e o cedro foi sobrevivendo. Ontem, em plena noite de Natal, o velho cedro desistiu de viver e, levado por uma rajada mais forte, destruíu o muro, caíu na estrada, rebentou os fios da EDP.

Num instante os bombeiros puderam vir, a polícia também e até a CMP deu uma ajuda. Da minha janela, sob chuva torrencial, via as luzinhas azuis a tremelicar e garantia aos meus netos que era o Menin o Jesus que andava perto.

Hoje, verifiquei a destruição. 
E hoje, depois de um dia atribulado, apetece-me agradecer aos bombeiros e aos técnicos da EDP que, apesar de ser Natal, trabalharam incansavelmente para me devolver a energia eléctrica. Fiquei a pensar nestas pessoas que passam as Festas a trabalhar para ajudar os outros. Claro que sei que são pagos para isso mas, mesmo assim, acho que merecem um imenso obrigada de todos quantos ajudam. Às vezes, não pensamos naqueles que, no anonimato e na sombra, fazem parte da vida de uma comunidade. Para eles, todos, um grande Natal embrulhado num obrigada enorme!

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O Melhor do Mundo

Logo mais, quando esta noite terminar noutra noite do mesmo dia, vai chegar o Menino Jesus. Vai trazer presentes para as minhas crianças porque, enquanto eu puder, eles ignorarão a palavra crise. Vai trazer brinquedos, porque acredito que a infância se faz disso mesmo, e que os presentes correctos, e teoricamente educativos, pintam de cinzento o tempo das cores fortes. Antecipo a excitação das crianças, os olhares curiosos à chaminé, como vai descer o Menino Jesus?, e o frenesim ao abrir os embrulhos. Quero crer que vão ganhar memórias de felicidade e, cada vez mais, elas são importantes e úteis. 
Daqui a pouco, com o vento a uivar lá fora como agora, a felicidade das minhas crianças vai ludibriar os meus sentires.
Como Pessoa, tenho a certeza que "O melhor do mundo são as crianças"!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Natal

"Quando o adeus acontece, o Natal empobrece e a luz das estrelas, brilhante, apaga-se!"
Acho que sonhei com esta frase, martelando a minha insónia, impedindo-me de dormir. Mas acordei. Na paz imóvel de quem nada mais pode perder, reparei na riqueza imensa que tenho! Eram diamantes as gargalhadas das minhas crianças.

domingo, 22 de dezembro de 2013

O DESENHO

O Casper terminou na televisão e, num instante, ganha espaço a fantasia que o frio tranca dentro de casa. Acendi a lareira bem cedo, o fogo faz fantasminhas nas paredes da velha Casa, e o pedido surge natural: - Desenha uma bruxa, avó. Esforço-me. Recupero a minha total inabilidade manual, oiço o meu Pai a consolar-me "deixa lá filha, Deus compensa a falta de destreza manual com a inteligência, e vice-versa..." Rio-me de novo, e o Manel indigna-se: "Oh avó não acho graça nenhuma, isso não é uma bruxa, parece é uma vassoura velha!": Com atenção, aprendo então o que me ensina, sigo o traço infantil que faz, agora sim, surgir uma bruxa com cabelos e um brinco grande, com uma aranha - vês? -. Vejo e rezo baixinho para que o meu neto, os meus netos, todas as crianças, sejam capazes de traçar um mundo novo, com riscos ousados, ao sabor da imaginação e da infantil ternura, pintando-o, depois, com cores de possíveis.

sábado, 21 de dezembro de 2013

21 de DEZEMBRO

Há uns dias, a Dalma dizia que recordar não é viver. E eu, em parte, concordo. Não adianta vivermos agarrados a um passado que não volta, ou a um futuro que eternamente se adia. No entanto, no passado ficaram momentos, vivências, que de alguma forma nos marcam no presente e, por isso, já não são passado e sabe bem recuperá-las. O dia 21 de Dezembro é, para mim, um dia eterno. É o dia de aniversário de casamento dos meus pais e cresci a vê-lo assinalar! Os meus pais amaram-se sempre, resistiram a dores imensas como a perda de uma filha, e continuaram juntos ensinando-nos, aos filhos e netos,  a verdadeira cumplicidade e Amor. Olhei sempre esse amor com respeito e admiração. Com uma pontinha de inveja, também... Julgo que a única coisa difícil que os meus pais não conheceram foi a solidão. Isso, eu conheço bem. Contrastes que, a cada 21 de Dezembro, sinto mais vivos!

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

FRIO QUE FERVE

O dia acordou límpido e gelado. Bem cedo, os anjos fizeram desenhos no gelo que decorou a minha vidraça. Vi-os chegar, senti as asas brancas na pele e estiquei um pouquinho a preguiça em acordares de ternura. Indiferente ao frio, sentindo o calor morno das mãos dos meus netos nas minhas, caminhei pelas ruas da minha cidade vivendo o Natal antecipado. Em conversa boa, o meu Natal escuro foi ganhando cor. Às vezes, o que temos, comparado com o que desejaríamos ter, é IMENSO...

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

FAZ SENTIDO

Agora a vida, a minha, vai fazer sentido. Porque, como Damásio, acredito na máxima "Sinto, logo existo" e hoje sinto a proximidade dos que me são queridos. O Natal devolve-me os netos, as brincadeiras, as conversas longas com as filhas, a fuga consciente a uma vida exterior que insiste em magoar-me.
Ao longe oiço os protestos no exame dos professores, a intervenção da polícia, a idiotice dos exercícios propostos. Ao perto, oiço os tachos que perfumam a minha casa preparada para a Festa.
Ah! Que bom quando eles chegam, feitos mil coisas para contar, enchendo a mesa de carinho doce. É já amanhã que, de facto, o meu Natal começa a acontecer!

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Carta ao Menino Jesus

Querido Menino Jesus,
Quando eu era pequenina, há muito tempo já, ensinaram-me a escrever-te no Natal porque, garantiram-me, tu ias descer pela chaminé na noite de 24 e ias trazer-me um presente. Depois, a tal escola a que chamam paralela, mas que para mim é muito mais obtusa, quis substituir-te pelo Pai Natal da Coca-Cola, mas eu não deixei. Continuas, Menino Jesus, a ser o meu receptor preferido sempre que o Natal acontece. Este ano, relembrando o tempo em que toda a ternura me abraçava, o tempo em que, como diz o meu poeta "Eu era feliz e ninguém estava morto", preciso de voltar a fazer-te alguns pedidos.
Menino Jesus, ajuda-me a não ficar indiferente à injustiça, traz-me coragem para suportar a maldade, dá-me força para aguentar a solidão e a tristeza. Traz-me capacidade para lutar por um mundo melhor, ainda que esse mundo seja o espacinho onde vivo. Oferece-me energia para continua a indignar-me face às diferenças violentas, às agressões sociais, e à dor das crianças que envelhecem antes do tempo. Ajuda-me a aceitar o absurdo, a resistir aos insultos, a perdoar o imperdoável.
Menino Jesus da minha infância, na noite de 24 traz música ao meu coração, amolece os meus sentires e, se puderes, traz-me uma estrela bem bicuda onde eu possa espetar as minhas desilusões.
Depois, fica sentadinho no céu vigiando, sem nunca te distraíres, o crescer das minhas crianças.
Menino Jesus, se achares que estou a pedir demais, não tragas nada. Fica só aí, no cantinho da minha memória infantil, preso no tempo da Fé real.
Obrigada, Menino Jesus
Boa Viagem!

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

DESPOETANDO

Há um poema de Vinicius de Moraes que me encanta! Oiço-o cantado, leio-o, sinto-o a ocupar-me a alma sem licença. Hoje, entrou com versos trocados. Veio menos poesia, mas mais real talvez...
A AUSÊNCIA DO TEU OLHAR
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se afastar
Ai, que mau que isso é, meu Deus
Que frio que me dá
A ausência desse olhar

Mas se a luz dos olhos teus
Se opõe aos olhos meus
Só pra me magoar
Meu amor, juro por Deus
Me sinto a afastar

Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus
Já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus
Sem mais blábláblá

Pela luz dos olhos teus
Eu acho, meu amor
E só se pode achar
Que a luz dos olhos meus
Precisa descansar!

domingo, 15 de dezembro de 2013

Pensares

A noite embrulhou um dia quente, soalheiro,a lembrar a primavera que há-de vir. Caminhando na Serra, com calor até, deu-me para pensar que, se calhar, também o Tempo quer acelerar, fugir, dar depressa lugar a um Tempo Novo. Diferente! Talvez eu esteja errada e o Tempo não esteja a pensar assim. Talvez até, quem sabe?, o Tempo não pense nada. Se assim for, penso eu por ele: - Quero um Tempo novo! Com coragem, cumplicidade, alegria e confiança.
(Eu sei: O Natal está a chegar...)

sábado, 14 de dezembro de 2013

Até o Humor?!!

Estava curiosa com o regresso dos Gato Fedorento às televisões. Sempre achei piada aos quatro gatos, gostava da ironia constante, da inteligência acutilante e até do estilo engravatado. Ri-me muito com os quatro jovens e nunca desdenho da leitura de uma crónica do Ricardo Araújo Pereira. Posto isto, estava cheia de expectativas com o regresso anunciado, ontem, à SIC, logo após o telejornal. Sentei-me atenta e curiosa, gostando do ar sério e formal do Ricardo Guedes de Carvalho. Só que a montanha pariu um rato! Não gostei do que vi. Não achei piada nenhuma à história da pancadaria, não gostei dos textos e achei muito pobre o vocabulário. Penso que a nossa realidade (infelizmente!) tem aspectos muito mais dignos de serem explorados, e com muito mais humor e inteligência, do que o que vi fazer. 
Agora, umas horas passadas, veio-me um medo terrível: - Será que até a inteligência e o humor nos estão a destruir? Será possível, mesmo?!

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

ESBARRANÇO

Ainda ontem eu abria a alma ao sonho e, hoje, já caí de chofre na realidade. Trouxe-me de volta ao concreto a entrevista  dolorosamente vazia do Primeiro Ministro. 
Ali está um homem que não sonha, não ousa, não cria. Ali está um homem que obedece, humilha, faz contas de merceeiro mal pago e não olha para além da parede do gabinete! Ali esteve, ontem, um Primeiro Ministro a envergonhar-me, a afligir-me, a lembrar-me que, em Portugal, o sonho foi morto...Que desilusão! 
Meu Deus! Que mágoa feita revolta!

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O SONHO

Sempre que ele chega, eu deixo-o entrar. Ora surge carregado de melodia alegre, ora me invade na negrura intensa. Sei que não é, por essência e definição, e, ainda assim, sinto-o sendo. Acolho-o em mim, protejo-o, alimento-o. Deixo que me tome nos braços e, certa que vou esbarrar contra a violenta realidade, peço-lhe que me embale e me liberte um pouco. Um pouco só.

Sem o sonho, afinal, que é o Homem "Mais que a besta sadia,//Cadáver adiado que procria?"

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O CASTIGO

A escola saíu para uma actividade livre, um corta-mato capaz de desafiar os mais ousados e unir os mais distantes. Bem cedo, de dorsais e carradas de maçãs, professores e alunos fizeram-se ao caminho em conversa informal, construindo o que, para mim, também são aprendizagens. Eles, os meninos castigados, ficaram. Com eles fiquei eu, castigada por simpatia..., responsável pela ocupação de quatro horas de aprendizagem. Sempre achei que aprender não devia ser castigo, sempre defendi que aprender é um privilégio, e, por isso, nestas quatro horas resolvi desenvolver nos meus alunos alguns hábitos diferentes. Falei-lhes de Nelson Mandela, da Liberdade, do mundo feito pelas peças que somos todos. Respondi a perguntas absurdas, esclareci conceitos errados, ajudei (quero crer) a compreender comportamentos e atitudes. No final, hão-de surgir diferentes trabalhos sobre a verdade do sorriso de Mandela, sobre a Liberdade individual, sobre o papel activo que cada um de nós deve ter na construção de um mundo melhor. Numa escola hoje estranhamente silenciosa, os alunos castigados trabalharam como poucas vezes acontece. Será que estes miúdos só conhecem a linguagem da força?!

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

EUS E OUTROS

Pedem-nos que compreendamos, agridem e julgam-nos, carregam toneladas de verdade, enchem a existência com seguranças próprias. Os outros crescem, adensam-se, e a vida vai escurecendo no nosso ser-eu. Os outros e  os eus têm dificuldade em acertar o passo. As críticas, que vêm certeiras e cruéis, vão criando mágoas intensas; o desprezo, carregado de razões, vai abrindo brechas na vivência possível. Sempre os outros e os eus. Os que condenam, os que são condenados; os que sabem tudo, os que erram sempre; os que apontam o dedo, os que são apontados.
Um dia, porque há sempre um dia para tudo, os eus questionam os outros e, de repente, tudo se desmorona em bruma que nada segura. O problema é que, para os eus, às vezes é tarde demais...

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

QUANDO A ESTUPIDEZ SE FAZ CERTEZA

"A vida é minha, ninguém tem nada a ver com isso!" - Garantia, alto e bom som, perante a mãe que chorava e a directora de turma que pasmava. Só tem 14 anos, já soma retenções, e as aulas são uma seca sempre, a vida é só dela e, do futuro a haver, só ela tem de dar conta. Em vez de ir para a aula, vai para o café próximo, porque tem coisas para falar com os amigos que são bué fixes. A mãe pergunta aos céus onde errou, o pai faz cara de mau, a directora de turma tenta o diálogo desesperado. Não quer estudar, nada há de interessante na escola, não a assusta a hipótese de não conseguir um emprego porque, diz segura e antipática, para ter um emprego como o da mãe, mais vale não ter emprego nenhum... A razão esbarra contra a teimosia idiota. O que pode a Escola, a sociedade, numa situação assim?! Desespero!

domingo, 8 de dezembro de 2013

8 de DEZEMBRO

Na minha infância, onde está ela?, esta era a data do Natal pequenino. Com chuva ou sol, bem cedo saltávamos da cama e, de botas e samarras, corríamos a Serra a procurar tapetes de musgo e a escolher o pinheiro. O meu Pai era o chefe destas expedições, ensinando como arrancar o musgo sem o partir, rindo-se dos sustos causados pelas minhocas e outros bicharocos que caíam nas nossas mãos agarrados à terra. Era dia de Nossa Senhora, era, também, Dia da Mãe.
Hoje, é só um domingo cheio de sol, cheio de memórias e sonhos perdidos. Hoje, é um domingo de realizações adiadas, de dificuldades e medos, de dúvidas e angústias. A vida é mesmo assim, dizem-me. E eu, incrédula, silencio a mágoa do tempo ausente em que eu ia ao musgo e as minhocas caíam na minha mão suja e pequena.

sábado, 7 de dezembro de 2013

SOL E MARÉS

O sábado acordou morno, cheio de sol, como que a obrigar-me a acreditar que a vida faz sentido, que os tempos podem mudar, que ninguém está condenado à tristeza ou à infelicidade, que o lugar de onde vemos a vida é apenas um cais face a muitas marés.
 No meu quintal, as folhas lembram ouro caído do céu, a existência a denunciar uma essência mais rica, mais brilhante também. Fiz o presépio, acendi as luzes que tremelicam, assei maçãs, e, com novos perfumes e brilhos, sinto-me tentada a deixar entrar o espírito do Natal que se  aproxima. 
Talvez, como disse Mandela, nenhum homem nasça para ser escravo seja do que for. Nem da vida!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

OBRIGATÓRIO

Obrigatório, verdadeiro, sentido e emocionado o meu post de homenagem a Nelson Mandela. Morreu um político, um estadista, um democrata, um leader. Morreu, sobretudo, um homem BOM, e os homens bons escasseiam!
Admiro Nelson Mandela pela coragem, pela força, pela resistência, pela fé nos homens, pela energia alegre que sempre imprimiu à sua luta. Lutou pela igualdade, pela fraternidade, pela Liberdade verdadeira, pelos direitos humanos que a ele próprio viu negados. O mundo ficou mais pobre, a compreensão entre os homens ficou mais difícil...
Nelson Mandela vai fazer falta a um mundo cada vez mais louco! Não o esqueçamos!

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

MUITO À FRENTE

Alguém me dizia, muito a sério, que este país, o meu, é "muito à frente". Tudo é informatizado, computorizado, enfiado em excel colorido, grelhado em grelhas e gráficos, estatísticas e referentes ou indicadores. É tão à frente, que um velho agricultor que tem azeitonas que cabem nas traseiras de uma carrinha de caixa aberta, tem de ir ao portal das Finanças, imprimir uma guia e fazer-se acompanhar por ela até ao lagar. Ora, como os portugueses não são tão à frente como o governo, o velho agricultor, que nem computador tem, desiste de levar as azeitonas ao lagar...
É bom viver num país assim, muito à frente! Tão à frente que nem se lembra de olhar para quem vem atrás...

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O Furto

Quando abriu a carteira não queria acreditar. NADA! Do seu porta moedas recém comprado, das fotografias de momentos irrepetíveis, de cartões de débito e crédito, nem vestígios. Apenas um enorme vazio. Um doloroso e agressivo vazio. Sentiu calor, frio, fúria, raiva, desespero, desalento. Como fora possível? Quando acontecera? De repente, reviu o passado recente, a correria para o comboio, os encontrões, um olhar mais fixo. Desesperada correu as carruagens, chorando, em busca do tal olhar. Nada! 
À sua volta reinava a indiferença. Afinal, todos os dias, a todas as horas, há furtos no comboio... Sentia-se impotente, magoada e revoltada. Procurou funcionários que a receberam com indiferença ineficaz. Está sempre a acontecer, não há nada a fazer. 
Mal chegou ao destino, foi apresentar queixa e, depois de longos e incómodos minutos, soube que nada seria feito. A queixa seguiria para o DIAP e seria arquivada, disseram-lhe. Pagou treze euros. Treze euros por ter declarado que fora roubada, treze euros para ter um documento que, no fundo, atestasse a violência crescente num país que era o seu, treze euros para, com o dito papel, poder voltar a pedir o seu cartão de cidadão. Cartão esse que, se pudesse, não quereria. Quem quer, livre e conscientemente, ter um cartão que certifique que é um membro de um país onde a violência cresce, a impunidade vigora e a indiferença vinga?! Para a consolar, apenas a ideia de  que só faltavam dois dias para partir. Dois dias para voltar ao país onde, sendo estrangeira, se sentia, de facto, cidadã...

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

PRESÉPIOS



Estão já por aí, nas montras, nas casas, nas escolas, feitos nos suportes mais originais, os enfeites de Natal. À entrada do meu trabalho, por exemplo, há uma enorme árvore de Natal, feita com caixas de ovos de cartão, que, na sua originalidade, me anima o dia. Por baixo, está o Presépio. As figuras são feias, os rostos achatados, mãos ausentes, vestes amachucadas e a Nossa Senhora tem as maminhas exageradas. Mas, ainda assim, eu gosto de entrar no serviço com o coração aquecido por esta Presença. A minha fé está tremelicante, a minha dor é funda, mas o Presépio, seja ele qual for, ainda me enternece!

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

VIOLÊNCIA

Sou claramente contra qualquer forma de violência. Acho que sempre revela cobardia, estupidez e mesquinhez. Não falo, claro, da palmada educativa que se dá ao cão que insiste em roubar comida da bancada, mas da violência entre seres humanos.
A violência entre casais, ou pelo menos entre homens e mulheres, tem aumentado em Portugal e isso apavora-me. Há homens que atiram a matar sobre as companheiras, há namoradas ciumentas que lançam ácido sobre os companheiros, há mães espancadas até em frente dos filhos. Olho tudo isto e arrepio-me. São, infelizmente, casos menos excepção do que deveriam ser...
E penso, também, na outra violência, a verbal, capaz de levar uma pessoa à loucura, à depressão, ao suicídio. A violência que, muitas vezes, se exerce sobre o outro, homem ou mulher, com a crítica constante, o desprezo, a humilhação. Falo no caso das pessoas que sofrem, quantas vezes caladas, as certezas alheias, os julgamentos arbitrários, as parangonas carregadas de moralidade oca.
Como católica, acredito que ninguém pode condenar ninguém. Acredito que a Palavra deve ser o primeiro poder e, confesso, tenho total desprezo pelas certezas que alguns têm a sorte de possuir. Tenho, também, profundo desrespeito pelas pessoas que (julgam) saber tudo e, por isso, condenam qual juiz supremo! Aprendi que o Amor é o primeiro dos mandamentos e, por isso também, não compreendo quando me dizem que o amor se faz de julgamentos e violentas condenações.
Agora, que é quase Natal, olho à minha volta e tenho vontade de fugir. Fugir para um lugar onde não exista significado para violência (seja ela de que tipo for). Fugir para um lugar onde o abraço exista inteiro, onde a compreensão se faça de ouvir, onde a ternura não traga no bolso a punição constante. Sonhos...

domingo, 1 de dezembro de 2013

Quase - Quase

Em 1640 os portugueses disseram basta. Uniram-se, combateram e venceram. Em 1640 foi possível pôr fim a um regime de opressão, de imposições arbitrárias, de força e agressão. 
Hoje, 1 de Dezembro de 2013, a situação quase se repete: - Vivemos sob opressão, injustiça, arbitrariedades, medo e agressões. Só falta a força que fez, em 1640, a diferença...

DEZEMBRO

Chegou o mês de Dezembro. Já não se lembra a independência, já nem se fala em D. João IV. Esquece-se o Portugal de ontem, com referências e sonhos, com lutas e liberdade.  Agora, o tempo é de preparar o Natal, de acreditar que, para lá do horizonte, no limite onde o fim se anuncia, pode haver uma linha que, mesmo ténue, pode trazer esperança. Quero acreditar! Quero ter força para continuar sonhando, lutando, aproveitando as brechas mínimas da realidade para sorrir ainda. Na vida quero descobrir o que está para lá da linha. Quero! E sei que preciso de ajuda para o fazer. Preciso, e como..., que a compreensão dê as mãos à ternura e ao amor. Preciso que o amanhã não chegue recuando, preso a um passado que já foi e não quero mais...

sábado, 30 de novembro de 2013

SILÊNCIO

Silêncio. Ausência. Porque, às vezes, as palavras são intrusas abusadoras.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Narrativa aberta




Era um espaço lindo, uma manhã fria, um país pintado de cores intensas e diferentes. As letras corriam soltas, fazendo rimas, umas mais irregulares do que outras. Algumas, insistindo num passado que, talvez por não o conhecerem, parecia fazer sentido, organizavam-se em sonetos. Rigorosos, certos, de métrica regular e ritmo cadenciado.
Por ali passeara já a Alice, depois de cair pelo espelho, encontrando o coelho branco e a lagarta fumadora. Era um espaço de castelo de não ser, de verdes húmidos e refúgios perfeitos para jogar ao esconde-esconde. As emoções aproveitaram o cenário e jogaram com a realidade. Escondiam-se umas, desafiavam-se outras. Depois, no fim de uma narrativa aberta, encontraram-se e fizeram sentido.
Mas, infelizmente, foi preciso virar a página.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Do Alto


Sobe-se a custo a colina. Lá no alto, subitamente, sem aviso prévio, entra-se num quadro impressionista. Ao vivo, real, com fumos cheios de cheiros, com cores de um Outono que, sendo estrangeiro, é universal.
O silêncio é intenso. É o Surrey inglês, o campo das obras de Jane Austen que preencheram muitas horas da minha juventude. Ali caminham as personagens que reconheço, ali aconteceram os encontros e desencontros dos romances que revisito sempre com gosto. Ali, agora, crescem as minhas crianças. É estranho como num mundo diferente, num estrangeiro cultural e fisicamente distante, me sinto reencontrada e de bem comigo. Não são "Malhas que o império tece", mas são, penso, sentires que a existência constrói.
 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O EXAME

Tenho estado calada, lendo e ouvindo, tudo o que ao exame dos professores diz respeito. Em princípio, parecia-me uma aberração, mais uma, inventada por este ministro Crato que tanto me desiludiu. Depois, o tempo foi passando, as coisas foram-se esclarecendo e, hoje, mais do que uma aberração, acho uma estupidez total! Avalia-se o quê? A capacidade de redigir uma composição de 300 palavras, ao estilo da velha escola primária? Exercícios de escolha múltipla do tipo testes psicotécnicos? 
Das duas uma: ou o senhor ministro acha que as Universidades são mesmo péssimas, e então devia fechá-las; ou acha que os professores são doidos e, nesse caso, devia fechar as escolas para proteger as crianças. 
Este exame não humilha os professores, como dizem os sindicatos. Na minha opinião, de professora (incompetente e louca, porque não fiz o tal exame mágico), este exame humilha e agride o país inteiro. Humilha os alunos, que vêem postos em causa os seus educadores; humilha os pais, que entregam os filhos a loucos potenciais; humilha o país, que deixa as novas gerações entregues a perigosos psicopatas, talvez. 
Este exame só não humilha o governo, nem o Ministro de Educação. A esses, bem pelo contrário, certifica-os. Atesta, oficial e publicamente, a sua incapacidade para governar a sério, para valorizar um Povo que é GRANDE, para valorizar a imagem de uma classe que, a baixo custo (vergonhosamente baixo), tem permitido que o país cresça e que os jovens possam sair daqui preparados para vingar no estrangeiro!

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Que Chatice!

Apetece-me caminhar de trás para a frente, partindo do lugar sem sentido, para o lugar com algum sentido, passando pelo espaço onde o sentido falha por pouco. Nesta caminhada invertida, como ralo de água da Austrália, vejo passar o que não fiz, o que adiei, o que apressei, o que errei, e o que nunca teria feito se. É um percurso de ses. De ainda bem e porque não.
Faço a viagem parada, sentada num comboio que insiste em não sair da estação inventada. Ali, bem na plataforma, ficam a acenar-me as pessoas que já foram, os meus eus que partiram, os responsáveis pelas escolhas que não devia ter feito. Caminhando assim, para trás, não tropeço nem hesito. O caminho é conhecido, os erros ainda têm cores vivas, e a chegada não tem dia marcado. Nesta viagem do avesso, ou de trás para a frente - o que não sendo a mesma coisa, neste caso é igual - reencontro egoísmos, maldadezinhas e umbiguismos destruidores. Mantiveram-se iguais! Nem de trás para frente, nem da frente para trás, a existência se acerta com a minha essência sofrida. Que chatice!

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

NUVENS

Há nuvens negras no céu inglês. Nuvens carregadas das lágrimas que calo em mim, nuvens intensas de saudade anunciada. No céu, onde, segundo o meu neto, não mora ninguém... Portugal não me apetece. Preferia ficar aqui, no céu, entre nuvens que, de certeza, um dia se vão desfazer. Queria ter a certeza de que as saudades iam deixar de doer. Mas não tenho.

domingo, 24 de novembro de 2013

4 Anos

Faz quatro anos. Nevava muito, Cambridge estava nua e branca, e a minha viagem até ao Hospital parecia interminável. À chegada, um bebé minúsculo, um gorro azul que quase lhe tapava os olhos, as mãos com força a segurar o meu dedo. Era o meu primeiro neto  a fazer-me viver e acordar para uma vida diferente.
Hoje, faz quatro anos enérgicos, alegres e atentos. Corre por Guildford, pergunta muita coisa, quer saber tudo, salta do inglês para o português com ligeireza e abraça-me como só ele sabe. Ao meu ouvido garante "avó mim adora tu para sempre" e eu tenho pena que o para sempre seja, talvez, breve demais. O meu neto mais velho surpreende-me constantemente, provoca a minha ternura e vejo nele, tantas vezes, a minha filha pequena que guardo sempre na memória.
Um dia, o Manuel Bernardo vai lembrar-se que tinha uma avó que carregava fadas, falava com os bichos e sabia muitas histórias carregadas de magia quente...

sábado, 23 de novembro de 2013

GUILDFORD

No gelo que pinta de vermelho o nariz e o sorriso, a ternura ganha sentido. As minhas crianças inglesas crescem entre desafios, jardins, lagos e botas de borracha. A pequena Carlota, personificação da traquinice, provoca sorrisos, abraça-me com carinho, olha-me entendendo o que eu nem sei dizer. O Manuel Bernardo, mais crescido, orienta-me na descoberta do mundo dele. Sim, avó, agora vamos tomar um café, ou um capuccino, e sim, podes comprar um gingerman para nós. 

Experimento uma mistura incrível de emoções. É bom vê-los felizes, saudáveis, estáveis. Mas dói não poder estar ali, mais perto, cumprindo aquelas rotinas doces que só os avós compreendem. Ser avó é uma "coisa" estranha. Parece que as crianças, os netos, nos correm na pele, nos enchem o coração, tomam conta dos nossos sentires. O Manuel Bernardo cresce na fantasia. Ora é um super herói, ora um fantasma, ora uma múmia, ora um coelho, ora uma fada (boazinha), ora um esquilo, ora um Manel Bernardo. A fantasia enche-lhe o olhar e eu rezo para que a vida não atraiçoe o meu menino. Hoje, posso abraçá-lo. Em breve, vou ter apenas a recordação e a saudade por companhia.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

PARTIR

Fazer a mala, enrolar bem o brinquedo pedido, recuperar as luvas quentes do fundo da gaveta e partir. De novo a agitação ruidosa dos aeroportos, o gelo cortante da chegada, a viagem pelas nuvens, a travessia do céu onde, segundo o meu neto "não mora mesmo ninguém". E a chegada no escuro envolto pela língua estrangeira, pela sonoridade que não é a minha. Dinheiro diferente, sempre pouco, e tudo a acontecer com a ansiedade do abraço quente da família que tenho longe e de quem, sempre, sofro a ausência.
Fala-se muito dos que partiram, e partem, em busca de vida melhor. Fala-se pouco dos que ficam, com a saudade a doer imenso, impossibilitados de partilhar uma existência terna.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O QUE CABE NOS BOLSOS

Não fala, guincha. Não obedece, protesta. Não escreve, rabisca. Alto e bom som, na insegurança que quer fazer parecer força, garante que para a aula só traz o que possa caber nos bolsos. No bolso não cabe um caderno, sequer um livro, na melhor das hipóteses, bem ao lado do indispensável telemóvel, uma esferográfica roída. Pergunto-lhe se traz, por acaso, sonhos de amanhã, se lhe cabem nos bolsos. Abana a cabeça. O vocabulário é pobre para falar de desilusão, o olhar inquieto denuncia angústia calada. Não gosta da escola, repete. Sem porquês, só porque não. O que quer mesmo, garante, é fazer 18 anos e deixar de vir à escola. Quer ser livre, repete. Olho-a com angústia. O que fazer? 
Alguém escrevia há dias, num blog que sempre sigo, que este país não é para velhos. Infelizmente, parece que este país também não é para jovens...

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O PASSADO VIVO

Lá por trás, ao fundo, está Marvão. Aqui, no meio de flores silvestres, envolta em silêncio frio, está a cidade que já não é. O lugar parece vazio, abandonado até. O passeio, só para enganar a rotina, permite, de repente, encontrar a vida que foi. É a cidade da AMMAIA!
Dizem que é bem maior do que Conimbriga mas, para os olhares não especialistas, parece exagero. Há chaminés, poços, vestígios de banhos, caminhos. Há ruas, ou o que resta delas. Mas o que há, sobretudo, é o silêncio mágico, a cor e o cheiro únicos que nos devolvem um passado longínquo. Ali (agora aqui), podemos escutar a marcha das legiões romanas, o cantar das damas sozinhas, o choro dos supliciados. Ao longe, como a lembrar que é possível sempre chegar a outro patamar, está Marvão.
Aqui estou eu. Com os pés no passado e a cabeça no sonho, com o coração a monte e a existência amordaçada.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A ROCHA

"O homem não é uma ilha". E a mulher não é uma rocha. Não tem a força resistente para suportar ondas sucessivas, marés de grandes amplitudes, espumas de diversas consistências. Pede-se, um se condensador de uma sociedade estranha, que a mulher aguente o mar que engrossa, o sal que corrói, as proas que, teimosamente, às vezes nela  encalham. Depois, quais armadores poderosos, os outros, o mundo, cobra, julga, exige. E a rocha vai-se desfazendo, criando buracos, deixando cair pedaços, abrindo frestas, dando abrigo a lapas que sugam a essência da pedra grande que já não é. Um dia, a rocha, ou a mulher, vai diluir-se na espuma da memória, vai desfazer-se em areia fina, vai desaparecer nas águas revoltas e, depois, nada ficará.
Ou talvez. Talvez o lugar excessivamente vazio onde, um dia, a tal rocha aguentava embates.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

OUVIR

É uma tarefa árdua, parece, a de ouvir. Apesar de termos o dobro de ouvidos do que de boca, todos parecemos ter uma imensa necessidade de falar e uma ausência quase total de capacidade de ouvir. Hoje, num auditório cheio de jovens, discutindo-se um tema que a todos, no interior do país, diz respeito - o empobrecimento e desertificação do interior - verifiquei, uma vez mais, que ouvir é uma actividade difícil. Impossível, por vezes... Diariamente, nas salas de aula, enfrento esta dificuldade. Os alunos não querem ouvir, não têm paciência para dar atenção ao outro e, por vezes, dou comigo, que absurdo!, a pedir-lhes por favor que me oiçam, prometendo não exceder três minutos de exposição. Ora, o resultado desta falta de hábito de dar atenção ao outro, e de ouvir, começa a fazer-se notar. Estamos a formar uma geração que só pensa em si mesma, que não respeita os tempos alheios, que não sabe aprender com quem o rodeia. Sei, claro, que aulas expositivas, exclusivamente, não são profícua; mas sei, também, que o constante actividade prática a nada leva. A prática sem a teoria, ou a teoria sem a prática, resultam no que temos: - Uma sociedade oca e sem projecto de futuro!
Gosto imenso dos meus alunos, da minha escola, dos jovens em geral. Mas não consigo gostar de os ver fazer figuras tristes. Muito tristes...como, por exemplo, vê-los abandonar uma sessão pública a meio só porque tocou a campainha!

domingo, 17 de novembro de 2013

Estou assim.

Deve ser por ser domingo, por estar frio, por cheirar a castanhas, por o mundo estar pintado de cores fortes, que acordei com vontade absurda de viver. Apetece-me ter a força das ondas gigantes da Nazaré, pintar a emoção com os vermelhos brilhantes que enchem a terra, circular pela vida fora com a paz do Tejo que sabe que não voltará atrás e que o destino está traçado. 
Apetece-me acreditar que vale a pena sorrir. Desejo um olhar novo, cúmplice e forte, uma cumplicidade máscula que me ajude a agarrar a existência em uníssono com a essência. Por companhia, um jazz quente, um café forte. Hoje, estou assim!

sábado, 16 de novembro de 2013

Já Chegou!

Já está aí o Natal, o comercial, claro. As lojas estão ornamentadas, a publicidade encheu-se de brinquedos e bonecos. As crianças aguam, querem tudo, pedem muito; os adultos suspiram e fazem contas que, a cada dia, são mais de sumir. No meio desta loucura colectiva, que se veste de vermelho e branco, tenho vontade de fazer um pacto com o Diabo e fugir do Natal imposto. Compreendo que é necessário aquecer os corações, o meu está gelado, mas incomoda-me este exagero, esta febre consumista num país que passa fome. Tudo o que tenho em mim, agora, nesta madrugada onde o silêncio grita mágoa, é um íssimo,íssimo, íssimo cansaço...

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

INJUSTIÇA

Entra na aula gingando o corpo, a popa bem levantada, os piercings brilhantes, a argola oscilando na orelha. Quer falar comigo. Uma questão de injustiça, afirma, que quer contar-me. Oiço-o, olhando no fundo os olhos baços. Conta então que foi à aula de educação física, espera aplausos por isso..., mas que não levou o equipamento necessário. Esqueceu-se. Porque, diz entre muitos prontos, um gajo não pode lembrar-se de tudo. ( O gajo é ele). O professor sugeriu-lhe que participasse na aula com a roupa que trazia no corpo. Mas, setôra, isso não 'tá com nada. O professor marcou-lhe falta. Finalmente, tomo conhecimento da injustiça, que é comparativa. Ou seja, o professor não marcou falta a duas colegas que também não tinham equipamento, e marcou-lhe a ele. Vem ao de cima o tal grande sentido de justiça igualitária que me irrita. Sugiro-lhe que reveja a situação, que pense no que fez, mas ele insiste que foi uma injustiça. E ele não admite injustiças! Explico-lhe, ou tento, o outro lado da história, ajudo-o a compreender que injustiçados são os colegas, que perdem tempo de aula com estas discussões, os professores, que vêem o trabalho prejudicado por estas intervenções. Falo-lhe de olhos nos olhos, com terna firmeza, e tenho pena desta rebeldia sofrida. Este miúdo, injustiçado..., precisava urgentemente da justiça de uma família capaz de dizer não, de estabelecer limites, de impôr regras. Este miúdo, precisa de uma escola exigente e rigorosa, não permissiva e facilitadora. Este miúdo vai, um dia, lamentar que a injustiça das suas escolhas o tenha feito perder-se. Eu queria poder lançar âncoras a esta gente!

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

UMA MAÇÃ AZUL

Circulo pela auto-estrada. O sol, agora mais cansado, afinal o ano está quase a acabar e há onze meses que ilumina a Terra triste,   doira o Outono que adoro. Correm vermelhos e verdes, sucedem-se angústias, dúvidas e medos. Canções de Natal vão enchendo o vazio do meu automóvel, mas os campos estão lindos, a vinha vermelha faz-me travar encantada, afastando para longe a dor que me molha o olhar. Reparo numa árvore castanha, alta, e lembro que "quem nunca viu árvores inglesas, nunca viu árvores", pensando que Beresford nunca deve ter circulado por este Portugal de emoções e (des)gosto. Não me cruzo com outros automóveis, não faço ultrapassagens, a auto-estrada cara parece ter sido construída só para mim. (Travo com força a revolta social...)
Acelero um pouco, troco o pensar pelo sentir, lembro a razão de Caeiro "pensar é estar doente dos olhos". Árvores de fruto, maçã de Bravo de Esmolfe, saltam ufanas do meio das vinhas intensas. Ali, na sombra morna da minha emoção, está agora uma maçã azul. Azul do céu de Outono, azul da cor da paz que perdi não sei já onde...

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

CASTIGOS

Deu-me para achar, não há meio de perder a mania (vício?) de ter opinião..., que é importante, urgente e necessário, inventar castigos. Castigos mesmo, daqueles que incomodam e, por isso, têm mesmo efeito correctivo. Olho o número excessivo (cada vez maior) de alunos que são expulsos da sala de aula, o conhecido ir para a rua, e penso que esta penalização se está a tornar um prémio. Ir para a rua é, muitas vezes, o desejo mais forte de um aluno que não gosta da aula, que não quer trabalhar nem aprender... Como eu não inventei a pólvora (menos ainda em tempo de guerra), é claro que as escolas já chegaram à mesma conclusão que eu e, por isso, em muitas delas há novas práticas: - Os alunos expulsos da aula vão para a biblioteca de castigo.... Estremece a minha paixão pelos livros! Associar a biblioteca a castigo parece-me pernicioso, grave, sinceramente, estúpido! A biblioteca devia  ser um local de bem-estar, um espaço que os alunos, e os professores, procurassem com gosto e não, nunca, um espaço associado a punição!
Claro que tenho uma sugestão: - Enviar os infractores para a frente de uma televisão, fazê-los assistir ao canal Parlamento e obrigá-los a fazer um resumo do que ouviram. Estou violenta? Talvez, deve ser da hora...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

LOUCURA

Ser louco é bom, faz bem, ajuda a manter vivo o sonho. "Sem a loucura, que é o homem mais do que a besta sadia//Cadáver adiado que procria?". Sinto-me cada vez mais louca, estranhando demais o mundo, desconhecendo o que vejo e não compreendendo o que  me dizem. Sinto-me sentada ao contrário, no sentido inverso - quero dizer -, de um comboio que viaja para um destino que não escolhi e que não quero conhecer. Às vezes, a vontade de saltar em movimento é muita...

DIVÓRCIO

Numa reportagem recente, li que o número de divórcios tem diminuído e que, estranhamente, tem acontecido mais em casais mais velhos. Fiquei a pensar nisto. Faz-me sentido que os divórcios diminuam, não há dinheiro e as contas custam menos a pagar se forem partilhadas... Também compreendo que, com tantas dificuldades económicas, as pessoas (sobretudo as mulheres) sejam obrigadas a suportar mais agressões e solidões do que há uns anos.
Também o facto de casais mais velhos se separarem não me causa nenhuma estranheza. Cada vez mais, as pessoas procuram a tal felicidade quimérica, inexistente, dando valor à existência e estando, por isso, dispostas a tudo fazer para viverem bem e em paz, ainda que, mesmo que...
No fundo, acho que admiro as pessoas que, com 70 anos ou mais, têm coragem para agarrar a vida pelas orelhas e, contra a violência da crítica social que continua imparável, mudam de vida e refazem percursos. Pessoalmente, não acredito que ninguém nasça condenado à infelicidade, nem creio que seja saudável (nem sequer socialmente) aparentar bem-estar quando o quotidiano se faz de mágoa e dor.
No entanto, confesso, fico com uma ponta de inveja quando vejo os eternos casais darem ainda as mãos enrugadas...

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

SÃO MARTINHO

Como eu gosto deste dia! Das castanhas, do fumo cheiroso que envolve a realidade, da atmosfera gelada pintada de amarelos dourados. Gosto da Feira da Golegã, das caminhadas com as botas enlameadas, dos cavalos ajaezados, e do cuidado para não pisar alguns perfumes incómodos... O São Martinho é uma época que me traz sempre muitas recordações. O meu Pai gostava de ir à Golegã, de provar o vinho novo, de comer castanhas assadas com jeropiga gostosa. Saíamos de casa cedo, tomávamos café apressado no caminho e, mal chegávamos, íamos ver os meus sobrinhos, esses sim verdadeiros alentejanos com traje a rigor, a passar com os cavalos. Lembro-me do Bernardo, muito pequeno ainda, tirando cortesmente o chapéu para nos cumprimentar. Hoje, sem ir à Golegã, vou de certeza comer castanhas!

A MARIANA

Já não a via há muito tempo. Chegou para matar (ou enganar?) as saudades, risonha, elegante, decidida e bem disposta. A Mariana tem quase 24 anos, um olhar traquina e decidido que lhe conheço de menina, e um andar sedutor que faz torcer muitos pescoços. A Mariana gostava de Barbies mas, agora, gosta de viagens, de desafios, de realizar sonhos. Saiu de Portugal sozinha, apoiada no seu diploma da Escola de Turismo, disposta a ganhar o mundo. Andou nas montanhas, voou para a Córsega, de novo vai partir. A Mariana é um exemplo de determinação e coragem que eu admiro. É a prova, também, de que ninguém nasce condenado ao tamanho do lugar onde nasce e, como diz Pessoa, a Mariana não é do tamanho da sua altura, mas do tamanho do que vê. A Mariana é uma jovem capaz de aproveitar o melhor que a modernidade tem, num pragmatismo tranquilo que lhe invejo até. Conversar com a Mariana faz bem à alma das gentes. Quem me dera encontrar muitas Marianas pela vida fora...

domingo, 10 de novembro de 2013

RANKINGS

Já foram publicados os rankings das escolas e, na segunda-feira, vão sobrepor-se à vitória do Benfica sobre o Sporting. E eu acho que o derbi é muito mais importante! Porque é bom quando o Benfica vence, dá-nos alegria, permite-nos sorrir e até, para os mais entusiastas, gargalhar. Os rankings, pelo contrário, fazem-nos entristecer (mais ainda) por vermos certificada e comprovada a ideia de que há dois países, o dos ricos e o dos pobres, e que na escola pública, mais gritante se estiver localizada no interior, o insucesso continua a ser muito. A realidade já é conhecida, mas as medidas eficazes e reais continuam por aparecer. 
Antes Jorge Jesus, do que Nuno Crato. O primeiro, na sua ridícula existência, ainda consegue umas vitorias para alegrar os adeptos...

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sexta-Feira

Finalmente, chegou o fim-de-semana! Não é que traga nada de muito novo, ou sequer de muito bom, mas vai-me permitir purificar o olhar, encher a alma de coisas com sentido, viver horas de descontração e paz. Durante dois dias inteirinhos, quarenta e oito horas e uma imensidão de segundos, não vou ter de me confrontar com olhares mesquinhos, com questiúnculas profissionais, com ansiedades sociais. Vou poder, por isso, dedicar-me a viver com gosto. Vou desligar a televisão, ignorar as atrocidades político-sociais, e perder-me em caminhadas frescas e leituras de chá morno. Abençoada sexta-feira!

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

OS PROGRAMAS

"Quem fala do que não sabe, só diz o que não deve" - Acho que é mais ou menos assim a frase de apresentação que um amigo meu tem no seu email. E hoje, de repente, saltou-me esta frase ao ouvir alguns comentários feitos à proposta de programa para o português, no ensino secundário, que o governo pôs em discussão. Não acredito, porque em termos práticos considero impossível, que os professores tenham analisado a proposta mas, à boa maneira portuguesa, começaram já a dizer mal e a levar as mãos à cabeça considerando impossível "darem" tanta coisa... Curiosamente, não ouvi ninguém congratular-se por haver lugar, finalmente, para Camilo Castelo Branco, para José Régio, ou, até, para a "Ilustre Casa de Ramires". Também, claro, não ouvi ninguém equacionar a hipótese de, nos dias que correm, não fazer mais sentido "dar" as coisas mas, sim, conduzir activamente os alunos no desenvolvimento das suas competências. Olhei o programa na diagonal, "por alto", e gostei do que vi. As competências nucleares parecem-se adequadas, os domínios de aprendizagem pertinentes, os conteúdos declarativos adequados. Confesso, enfim, que me agrada voltar a poder falar da literatura medieval, que sou uma leitora fiel de Camilo Castelo Branco e uma admiradora de José Régio mas, sobretudo, que não acredito mais num sistema de ensino que se baseia em dar o que ninguém (ou poucos) querem receber, e em treinar gerações para resolver testes e exames...

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Doce de Abóbora

Comi uma manhã excessivamente azeda e, por isso, temperei o entardecer com doce de abóbora caseiro. Salpiquei-o com nozes da minha nogueira velha, saboreei-o com um dióspiro que o vento deitou ao chão. A tarde amoleceu no nevoeiro denso que envolve o meu quintal, a noite chegou sabendo a chocolate negro. A lareira iluminava a entrada no serão, os poetas saltaram da estante, as rimas desordenadas provocaram os meus sentires. No fundo da taça os pedaços de abóbora esperavam sem ansiedade a lavagem final.
A minha alma estava pegajosa, açúcar e abóbora nas bordas. Lambi com cuidado, ficou limpinha...

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Relógio Mole

Acordo a meio da noite e, de luz apagada, deito mão ao relógio. As horas e os minutos estão trocados. Adormecida ainda, confunde-me o Tempo. Acendo a luz , mas já espantei o sono... Por isso, fico pensando nas horas trocadas, na moleza de um relógio que adquire outra forma e molda o Tempo ao acaso. 
O relógio mole confunde horas com minutos e, com certeza, poderá trocar tempos também. Vejo tempos de saudade feitos de alegria e presença; horas de aulas difíceis transformadas em aprendizagens entusiasmantes; momentos de dor convertidos em bem estar! Pego no meu relógio que, na sua moleza,  deixa escorrer os segundos. Fico a vê-los cair, uns atrás dos outros, num caudal de coisa nenhuma que não pára de engrossar. Reparo que os minutos seguem os segundos apressados e, ansiosa, tento encontrar forma de evitar que também as horas se vão sem que possa segurá-las. O meu relógio mole estica-se no sono interrompido, faz-se grande no sonho,  as horas dançam à minha frente na promessa da certeza inexistente de um Tempo que nunca é. Pego na correia do meu relógio mole, estico-a muito direitinha. Os minutos colocam-se em sentido, imóveis, mas os segundos traquinas não param de correr e, num instante, as horas sucedem-se assustadoramente. 
De repente, o meu relógio mole fica hirto e sonoro. Escuto uma campainha estridente, os segundos fogem apavorados e eu levanto-me para, hélas!, colocar de novo no pulso o meu relógio duro, retomando o Tempo possível.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

LOUCURA

Começou a falar-se na possibilidade de as escolas públicas se tornarem parcerias público-privadas. O estado vende tudo, e as escolas vão na onda... Nesta loucura colectiva, eu encaixo um sonho antigo.
Gostava de poder comprar uma escola, de ter uma escola para mim, onde pudesse construir um projecto educativo com lugar para pessoas, onde fosse possível fomentar a diferença fazedora de sucesso, onde se tecessem cumplicidades efectivas. Na minha escola, havia de haver gente feliz, ainda que por vezes com lágrimas, haveria aulas de música, de dança, de pintura, de literatura (claro!), muito rigor, exigência e qualidade. Na minha escola, o estridente som da campainha seria substituído por música clássica, variando a cada semana, e não existiriam aulas de substituição, mas, sim, lugares de ocupação de tempos mortos. Seria inspirada, assumo, no eterno Clube dos poetas Mortos, mas com poetas cada vez mais vivos.
Se me sair o euromilhões, vou candidatar-me a comprar uma escola para mim! O lema será: "Sim, é saudável ser louco!"

domingo, 3 de novembro de 2013

CRUELDADE

De vez em quando, sem aviso prévio, chegam e instalam-se. Ora chegam intensas, fazendo estalar a cabeça e chorar os olhos, ora se insinuam de mansinho, começando num adormecimento quase bom e, gradualmente, convertendo-se em dor dilacerante. Já devia tratar por tu estas enxaquecas, mas não há maneira de me habituar a elas. Fico sofrendo, sem suportar sequer a luz do sol frio, no silêncio escuro do meu espaço. Tento ler, mas as letras dançam diante de mim em momices de  entontecer. Tento não pensar, e, sem o ser, o pensar ganha opacidade e ocupa a mente fazendo doer mais ainda. Tento, então, impor a minha vontade e continuar  a viver. Misturo Zomig e Ben-u-ron, alterno com Migraleve e Aspirina, mas o monstro continua ali, tenaz e cruel. 
Chego a pensar que vou morrer. Que, de repente, a minha cabeça vai estoirar e eu vou partir. Quando isso acontecer, vou finalmente pôr um ponto final na dor. Nas dores, todas.

sábado, 2 de novembro de 2013

QUANDO EU MORRER...

Despedi-me hoje da Aldeia da Luz. Foram três sábados de formação, de tarefas bem diferentes das habituais, falando de livros, de textos e de criação. Houve chuva, sol, conversa boa e aprendizagens reais e práticas. Hoje, depois de muitos exercícios de escrita, uns mais criativos do que outros, o almoço aconteceu na fantástica, e muito alentejana, Adega Velha, em Mourão. É engraçado, e estranho, entrar num lugar onde a tradição existe, onde a identidade cultural é preservada, num momento histórico e cultural em que tudo é relativo e descaracterizado. Ali, na Adega Velha, o Alentejo canta, come-se e bebe-se. A conversa surge fácil, informal, e sem se dar por isso já se canta também.
Se há experiências formativas marcantes, e eu sei que há, esta, o Pequeno Grande C, foi uma delas! Pelas paisagens, pelas conversas, pelas experiências e, claro, pelas aprendizagens. 
Sophia disse que quando morresse voltaria para buscar os instantes que não viveu junto ao mar; eu, quando morrer, voltarei para buscar a paz do meu Alentejo que vezes demais me roubaram...

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

ERA PARA SER

Devia ser, mas já não é, feriado. Dantes, este era o dia de pedir os santinhos, de pegar numa sacola e bater às portas, de fazer broas de mel (tão boas) e de servir ao lanche papas de milho. Era tempo de ver as ruas cheias de miúdos barulhentos, de encher de flores os cemitérios e de começar a pensar no Natal... Agora, nada é assim. Os santinhos já não se pedem, os diabinhos estão sempre presentes, os mortos não têm direito a homenagem especial, e a vida segue sem nada que marque os tempos. Sei que tudo muda, Camões bem afirmou que "Mudam-se os Tempos, mudam-se as vontades", mas, ainda assim, olho com estranheza este destruir de marcas que, para mim, faziam parte integrante da cultura portuguesa.
É muito tarde na noite, uma enxaqueca terrível impede-me de dormir, e eu oiço nos tempos idos as vozes mudas de um Passado com sentido e que, paradoxalmente, em mim é um presente de saudade.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

HORAS

Esta recente mudança de hora, incomoda-me. Não gosto de chegar a casa de noite, não gosto de me levantar com o dia acordado. Claro que de nada importam ao mundo as minhas preferências, nem sequer as minhas manias, mas gostava de saber quais são, de verdade, as vantagens desta mudança de hora. Penso que os homens, com a mania de mandar e controlar tudo, decidiram também mandar nas horas e, no fundo, tenho uma certa inveja deste poder. Quem me dera poder mandar nas horas e controlar o tempo... Momentos de ternura, carinho e compreensão, teriam horas de três mil e noventa e sete minutos; vivências de dor e injustiça, teriam horas de dezassete segundos; as aulas com os meus meninos durariam duzentos minutos e as outras, as de conflitos e (des)aprendizagens, far-se-iam de segundos (e mesmo esses, apressados...) E as reuniões? Ah, essas, às vezes, teriam horas com minutos negativos...

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Bruma

Há dias como a vida, cobertos por uma bruma difícil de desvendar. Surge um véu, húmido e transparente, e a gente fica ali, entre o chão e o céu, hesitando entre o objectivo e o sonho. Em baixo está a vida, a real e exigente, a que se faz de possíveis, em cima o sonho sonhado, o a haver desejado e, tantas vezes, impossível de atingir. Às vezes, o sol rasga as nuvens; outras vezes, vem mesmo grande borrasca...

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Bafio


Olha-me com os enormes olhos negros e afirma: - eu hei-de ser do PS para sempre! Sorrio. Tem apenas doze anos, a vida inteira para mudar, para crescer, para evoluir. Nele encontro o eco da família o que, reconheço, faz sentido. O que me incomoda é, apenas, a atitude de recusa de pensar. "Vou ser para sempre..." Recusando a possibilidade de se questionar, de surgirem novas propostas, de adquirir novos saberes, de desenvolver outras competências. A propósito desta declaração sonora, a cheirar a definitiva, penso na recusa dos alunos em aprender. Chegam-nos, bem jovens, formatados e recusando a mudança que me parecia dever ser a sua opção. Como alguém disse "Nasci demasiado tarde, num mundo demasiado antigo..."
Apetecia-me, hoje, ser capaz de abrir as cabeças muito quadradas de  muitos alunos, e de muitos adultos, para deixar correr uma aragem de frescura e disponibilidade. Quem cristaliza, quem chega a conclusões e não evolui, quem recusa ceder ao pasmo de cada dia, cria bolor social. E a sociedade, hoje, parece-me terrivelmente bafienta...

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

EMIGRAR

A mala aberta e desordenada em cima da cama reflectia a desordem dos seus sentimentos. A decisão fora pensada, consciente, mas a chegada, o choque com uma realidade desconhecida, fazia-a tremer. Bem fresca na memória quente tinha ainda Sintra, a praia da Adraga, a sua Lisboa espraiada frente ao Tejo, os amigos e os adeus recentes. Agora, da janela do hotel provisório, via miséria, sujo no chão, ondas de calor, um mar castanho, pastoso e estranhamente calmo. No silêncio do quarto ouvia gritos, pregões, vendo correr crianças meio-nuas por entre o trânsito caótico. Era Luanda a recebê-la, vinda de um país que a rejeitava, disposta a dar-lhe uma nova oportunidade. Tinha medo. Medo físico, mas medo emocional também. Era tudo tão diferente... Os cheiros intensos, as cores, o céu. Era a África, que conhecia de narrativas românticas, a revelar-se num realismo doloroso. Mas fora a escolha dos dois. Portugal não tinha nada para oferecer, o desemprego crescia e eles queriam trabalhar, viver, ter vida e existência para além da angústia do final do mês.
Agora, a vida era a dois, sem amigos, sem família. Só os dois! Tanto e, talvez, tão pouco.

domingo, 27 de outubro de 2013

Romantismo

O espaço parece arrancado a páginas de Dumas ou Musset. As paredes estão revestidas de tecido, os sofás são acolhedores, os abat-jours proliferam enchendo de luz dourada a sala quase vazia. Um solitário lê o jornal, ao lado de uma bebida bojuda. Eles entram, de braço dado e sorrindo. Não trazem nada nas mãos, mas trazem os olhos carregados de futuro a haver. Ela repara nos pormenores, lembra leituras juvenis, ele contesta, sorrindo, apenas para conversar, sugerindo Balzac e o realismo. 
Ela contrapõe Eça, afinal Sintra é o cenário, e ele cede com um Porto para tréguas. Foi romantismo vivido, a dois, como, afinal, deve ser sempre.

sábado, 26 de outubro de 2013

REGRESSO

Voltei a entrar na Faculdade de Letras. Confesso que é um espaço que me traz poucas boas memórias, vivi naqueles corredores graffitados e sujos anos pouco felizes, mas quando volto, sempre para formação, sou assaltada por um tempo que já não é. A Faculdade de Letras continua suja e fria, como se cultura tivesse de ser pretensa originalidade. Desta vez, voltei ao Anfiteatro 3 para ouvir falar das metas que contesto. Mais teoria, mais desadequação à realidade, mais tempo perdido. Como dizia José Régio "Não sei por onde vou//Sei que não vou por aí!" - Não vou pelo caminho da mediocridade, não é isso que quero para os meus alunos!

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

MARMELADA

A cozinha enchia-se de caixas, havia um cheiro intenso no ar, a minha avó vestia um enorme avental e a empregada ficava com os dedos calejados. O chão da cozinha estava escorregadio, nas janelas escorriam lágrimas de chuva. Os dias acinzentavam-se, a noite chegava mais cedo e começava a época da lareira. Começava, também, a minha estação preferida! Eram os marmelos, que caíam dos velhos marmeleiros gordos e pesados, que anunciavam a chegada do Outono da minha infância. A minha mãe orgulhava-se da sua marmelada, bem clarinha, capaz de desenformar logo às 24 horas, e eu adorava comê-la com maçãs de Bravo de Esmolfe. São paladares vividos que nunca esquecerei! Podem roubar-me o ordenado, destruir-me o quotidiano, estilhaçarem-me os sonhos, mas as memórias, essas são o meu património mais rico. São mesmo minhas! E são o que me vale quando os dias doem demais, quando a ternura foge e a solidão se instala. 
Ontem, dia de muita chuva a doer por dentro, a marmelada fez-me voltar às memórias. 
Foi-me oferecida embrulhada em carinho, num tupperware dos antigos, com recomendações e desculpas. 

Era uma gracinha, diziam os olhos brilhantes, os gestos rápidos, a voz despachada da minha aluna Patrícia. Para a professora pôr no seu blog... E eu tirei a marmelada da caixinha, reparei como estava brilhante, e saboreei-a com deleite. A marmelada oferecida adoçou a minha tarde, interrompeu a minha solidão e coloriu o negro que me envolve. 
Agora, vou devolver a caixinha e fazer render a marmelada. É que, cada vez mais, a existência (a minha) se faz de muitos amargos sensaborões...

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

RESISTÊNCIA

Dez professores, bons professores, aposentaram-se na minha escola neste último ano. São professores que marcaram gerações, que deram muito das suas vidas aos outros, que ajudaram a construir projectos de vida. Alguns destes colegas foram determinantes na minha própria prática docente e ensinaram-me muito mais do que todas acções e-learning, b-learning, ou seja lá o que for que eu tenha frequentado. Ensinaram-me a ouvir, a aliar a ternura ao rigor, a exigência à compreensão; ensinaram-me a integrar um projecto comum, transmitiram-me o orgulho de pertencer a uma escola como é a São Lourenço. Ontem, tentámos fugir às emoções, às despedidas tristes e, por isso, entre brincadeiras, música e afectos, dissemos uns aos outros o que as palavras não traduzem.
No final da noite, um aluno disse com alegria:  - Tenho orgulho em ser aluno da Secundária de São Lourenço! E eu chorei mesmo.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

COMPREENDER

Está-me a ser difícil compreender o mundo que integro. Racionalmente, sei-me integrada (relativamente) no vazio de valores e referências, guiada por interesses apenas materiais, numa sociedade umbiguista e injusta. Emocionalmente, sinto-me embrulhada na solidão dos singulares, sem pontes que me liguem a nenhuma margem. Sei que é preciso compreender o mundo, compreender os outros, compreender as dificuldades, compreender as dores alheias, compreender escolhas, compreender possíveis. Mas, mais do que compreender, ou para além de compreender, queria ser capaz de aceitar sem tanta dor. Sim, dói-me a revolta sentida. Dói-me a obrigatoriedade, pessoal e social, de compreender os outros, sem que me compreendam a mim. Compreender é importante mas, acho eu, às vezes não chega!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Em abstracto?

Encontrei duas jovens mães, nos primeiros trintas, com as crianças no jardim. Magras, descontraídas, giras, com a vida pela frente, em calças de ganga despretensiosas, falavam da vida. Da delas. As crianças, de meses, estão já na creche, uma numa IPSS, outra numa instituição privada. As duas jovens, por ser domingo, gozavam as filhas com avidez, sofreguidão quase, e comentavam que, diariamente, deixam-nas nas creches às oito da manhã e vão buscá-las às seis ou sete da tarde. Uma delas, sorrindo amargo, constatava que a filha tem mãe acordada três horas por dia. A outra mãe, com uma filha mais pequena, dizia que ganhava menos do que uma empregada de limpeza, embora tivesse feito uma licenciatura e um Mestrado. Interrogava-se sobre a importância de ter estudado na Universidade Nova, de ter feito um investimento enorme na sua formação para, agora, ganhar trezentos euros por mês. A rir com tristeza, contava que enviara currículos para todo o lado mas o único ordenado interessante viera-lhe de uma agência de acompanhantes de luxo que, obviamente (ou não?!), recusara. Eu ouvia e observava.
Que vida têm estas jovens mães? Fará sentido estudar, conseguir uma graduação superior para, neste país, viver miseravelmente? Fará sentido que a vida destas jovens mulheres se faça de limitações e impossibilidades? Será esta a sociedade que se pretende num mundo dito desenvolvido e humanizado? Muitas vezes, oiço os políticos formularem hipóteses "em abstracto". Apetece-me sugerir-lhes que olhem para o concreto...