quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Nova Linguagem

Em pleno jardim do Principe Real, ali mesmo no coração de Lisboa e vendo o Cristo Rei ao longe, no meio de uma feirinha de velharias (Antiguidades?) e de produtos biológicos, duas senhoras, na casa dos sessenta anos, conversavam animadamente. Uma delas, dizia "publiquei há dois dias, mas ele só comentou hoje". A outra, interessada, perguntava o que tinha o dito comentado. Feliz, a primeira senhora declarava "pôs dois likes/laiques(?)" E logo a outra, e tu postaste mais alguma coisa?
Eu segui caminho, de saco na mão para apanhar os cocós que a cadela faz quando vem à rua, e pensei que há, de facto, uma diversidade imensa de porcaria neste mundo doido...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Que se lixe

Andando por Lisboa, uma cidade suja e esburacada, onde a qualquer momento se pode cair numa cratera capaz de competir com o vulcão dos Capelinhos, esbarra-se com um grito colado e/ou escrito nas paredes: - Que se lixe a troika!
E apetece concordar! Quem não quer que se lixe a troika, a dívida, a crise? Quem não quer de volta a vidinha mais ou menos boa que tinha antes desta crise terrível? Acho que ninguém! O problema, acho eu (que às vezes gosto de achar coisas) está na consequência deste que se lixe colectivo. O que será de Portugal se não pagar as dívidas, se não se organizar, se não se superar? Será que podemos dizer que se lixe o futuro, que se lixem os jovens, que se lixem as crianças? Não creio... Eu já não confio neste governo mas, ao mesmo tempo, sinto que é mesmo preciso fazer sacrifícios e encontrar uma solução que não pode ser, de certeza, lixarmo-nos para a vida e cantarmos a Grândola mais ou menos desafinados... Julgo que em tempos como os que vivemos o importante é, exactamente, não nos lixarmos para quem nos lixa e mudarmos a realidade!
Se este é, parafraseando Sophia de Mello Breyner, o "tempo dos chacais", teremos que nos tornar exímios caçadores. Este é o tempo de não cantarmos, mas de agirmos. De não sermos cigarras, mas formigas. De olharmos para cada um de nós e pensarmos, e descobrirmos, o que podemos fazer para mudar. Creio que o estado social, protector, como o conhecemos, não mais vai existir. Mas, hoje, deu-me para acreditar que não precisamos dele para nada e que, em vez de nos lixarmos para a troika, deviamos era virar-lhe as costas, trabalhar e reinventar-nos (e nós sempre fomos bons nisso!) para nunca mais precisarmos de ser humilhados e explorados como hoje acontece!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

SETE

Muitas vezes, sobretudo com os alunos de 12º ano, falo da simbologia dos números e, invariavelmente, surge o sete. É o número perfeito, referência no frei Luís de Sousa, nos Maias, no Memorial do Convento, entre outras narrativas e dramas.
Sete, dizem-me eles, é também o número do Cristiano Ronaldo  - que lhes é muito mais querido do que Eça ou Saramago...-, e sétimo é o dia sem aulas!
Hoje, o sete ganhou mais um significado. É a sétima inspecção/visita/contolo/policiamento da troika! Os carrascos voltaram, pela sétima vez, e parecem dispostos a conferir ao sete o símbolo da violência, do absurdo, da injustiça sobre os portugueses. Depois desta visita da troika, dizem os nossos ministros, nada ficará igual... Eu acredito. Depois desta visita, até as tragédias clássicas parecerão comédias de Revista. Só que, provavelmente, não ficará ninguém com força para aplaudir!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A Chegar

A Constança está a chegar. Chega num mês especial, no único que, de quatro em quatro em anos, nos oferece de bónus um dia só para nós.  É a minha neta mais nova, que se faz difícil e me acrescenta as insónias. O que oferecerá este mundo louco, este país eternamente adiado, às crianças que agora nascem? Como será o crescer da minha Constança, como poderá sonhar num país que parece menosprezar o ser humano?
Penso na Constança, nas várias Constanças portuguesas que agora chegam ao mundo, e o sono foge-me... É preciso fazer alguma coisa! É urgente voltar a permitir a uma criança nascer com o colo seguro de pais que trabalham e vivem sem o medo constante do amanhã.
É tarde, penso na Constança. Que chegue bem. Que traga nela o germen do sonho!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Roma

O destino fora cuidadosamente escolhido: Roma. Não para ver o Papa, mas para se perder no emaranhado de ruas de pedra, para esbarrar com fontes e história, para mergulhar na língua cantada que sempre a encantava. Partira cedo, voo low cost, e em meia dúzia de capítulos lidos chegara à cidade mágica. Porquê Roma? Porque sim. Mas, se fosse preciso justificar-se, as razões eram muitas: - Emocionava-a sempre o Coliseu, alegravam-na as flores e o bulício das ruas , seduziam-na os monumentos constantes... No hotel, ali mesmo no Albergo del Senato, a cinco minutos da Praça Navona e da Fontana de Trevi, com uma vista soberba sobre o Panteão, tomara um duche rápido e deixara a mala aberta, a roupa desarrumada. Era uma das vantagens de viajar sozinha, não ter de cumprir normas, de obedecer a rotinas. Tinha pressa de abandonar o Hotel, queria andar, mergulhar na História viva, ouvir a poesia da cidade mágica.
Numa pequena esplanada, na Piazza della Rotonda, sentou-se saboreando um Frascatti gelado que lhe devolveu memórias da Toscana. Reparou no movimento, na velocidade estonteante de uma cidade enérgica, e deixou-se ficar. Ali, num mundo diferente, num oásis da sua existência, sentia-se completa. Oferecera-se três dias. Três dias só para si, sem família, sem amigos, sem telemóveis, sem interrogatórios, sem emails ou notícias. Três dias para se olhar, para encher de sentires o pouco sentido que, às vezes, pensava que a sua vida tinha.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Anedotas


Se há coisa em que os portugueses são bons é, sem dúvida, a inventar anedotas. Temos um elevado sentido de humor (nem tudo nos podia faltar), e inventamos anedotas a partir de qualquer acontecimento. Chegamos a fazer humor sobre a nossa própria desgraça o que, acho eu, revela bem que não somos tão idiotas como nos querem fazer parecer. Com a divulgação rápida que a net permite, hoje, rapidamente a mesma anedota dá a volta ao país e entra nas nossas casas, às vezes abusivamente, provocando, no mínimo, um sorriso. Amarelo... 
Um destes dias, ou durante estes últimos dias, recebi repetidamente a história de que o próximo Papa será Miguel Relvas, uma vez que foi baptizado, ajudou a pôr o burro e a vaca no presépio e, uma manhã, entrou em casa da mãe e estava a televisão a transmitir a missa, pelo que estão reunidas as condições para que peça equivalência a Sumo Pontífice. Tem piada, reconheço. Mas causa-me um arrepio na espinha! 
É que este senhor é um dos que mais manda no governo português e isso não tem graça nenhuma! Como podemos nós continuar a ser governados por figuras anedóticas? Por gente sobre quem recaem suspeitas graves? 
Eu nunca fui violenta, sempre sustentei, e defendi, a força e o poder das palavras. Mas agora, esmagada por  medidas sufocantes e injustas, agonizando com o meu país, apetece-me mais pegar em armas do que contar anedotas.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Coices de Revolta

Ao fundo do meu quintal, vejo parte da minha cidade. É uma cidade triste, agora, morrendo aos poucos, habitada por idosos, desistentes, e condenados a continuar em Portugal. Na minha cidade sente-se a tristeza pairar, o desemprego crescer, o medo ganhar terreno. Na minha cidade, os domingos são vazios, as esplanadas ficam ocas e os poucos carros que circulam fazem-no devagarinho, como se esperassem, de repente, encontrar o milagre da mudança na esquina próxima. 
A minha cidade nem sempre foi assim... Tal como o meu país, a minha cidade já teve sentido, gente, alegria e vida. A minha cidade já teve quotidianos de confiança, fábricas que trabalhavam, restaurantes saborosos. Na minha cidade, já houve tempos de esperança... Mas hoje já nada é assim! 
Hoje, como que reflectindo o cinzento do céu, a minha cidade agoniza. De quem é a culpa? Das contingências, seria a resposta politicamente correcta. Mas eu sei que não é a verdadeira resposta. A culpa é de nós todos, é muito minha!, é de quem continua a deixar-se dominar por um governo obtuso e composto de miúdos e de fraudes! É, no fundo, de quem continua a baixar cabeça deixando que nos coloquem o jugo da estupidez e da injustiça! 
Às vezes, penso que devíamos escoicear com violência! 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Um vale, uma serra, um novo vale e, lá no alto, "a muy nobre e leal villa de Marvão". É um espaço conhecido e, no entanto, sempre envolvente e capaz de prender o meu olhar. 
Contemplo Marvão, a vila de pedra que conheço de cor, as muralhas onde tantas vezes procuro refúgio, e lembro a resignação de Bento XVI. Talvez ele precise de um Marvão na sua vida. Talvez a idade, o cansaço, os dramas que teve de enfrentar, lhe tenham dado vontade de fugir e de se refugiar num Marvão que, acho eu, toda a gente deve poder possuir. Admiro Bento XVI. Pela inteligência, pela palavra lógica, pela coragem e pela riqueza intelectual. Como católica, vejo nele uma presença segura, e a certeza de que Ele existe. Ao contrário de João Paulo II, Bento XVI não me toca pela emoção, mas pela razão. É muito difícil ser católica, ter fé, num mundo onde a (ir)racionalidade impera... 
Julgo que Bento XVI, com o seu discurso correcto, vai fazer muita falta a uma Igreja que, nos últimos tempos, anda na luz da ribalta pelos piores motivos. Como se a Igreja não se fizesse de homens e estes, infelizmente, não fossem iguais em qualquer sociedade...

Qual Anteu

Já se fizeram há muito as vindimas. Ficaram as vinhas nuas, despojadas dos bagos que, durante alguns meses, fizeram as delícias dos pardais. A casa do Monte está lá, no alto, olhando com a tranquilidade possível o campo já vindimado, preservando de olhares estrangeiros as vidas que a habitam. 
Reparo na argola pendurada da rede, serviu decerto para pendurar os cestos da vindima, e deixo que a paz do campo me invada. Conheço de cor estes caminhos e, ainda assim, sempre me encanto com os cheiros, as cores, a autenticidade que, agora, creio só existir na Natureza pois os homens destruíram-se alegre e estupidamente.
Hoje, o céu está azul, polvilhado de nuvens brancas, envolvendo em cobertores gelados os passos que dou na Serra. Não carrego angústias mais do que as de ontem. Não trago medos superiores aos da véspera. Carrego a solidão que cultivo, na certeza de que é no silêncio que a maior verdade acontece. Oiço a poesia viva da vinha vindimada, comovo-me com o ritmo que o vento frio oferece ao meu caminhar. Qual Anteu, sinto-me revigorada neste lugar que é eu. No lugar que, de certeza, não me condenará nunca. No lugar onde "o único sentido das coisas, é não terem sentido nenhum".

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Dia dos Namorados

Dos muitos dias que o calendário destaca, este é o meu preferido. Será sacrilégio, talvez, mas gosto mais do Dia dos Namorados do que do Natal! É que, neste dia, a ternura veste-se a rigor e sai à rua feita abraços, beijos, mimos, olhares cúmplices e mãos dadas. Não gosto, confesso, da profusão de coraçõezinhos vermelhos, dos boxers ridículos com florinhas e cupidos, dos ursinhos com mensagens plastificadas. Mas esqueço tudo isto quando me cruzo com casais abraçados, com ramos de flores exuberantes e com sorrisos felizes!
Numa época de tanta dor, tanta solidão e mágoa, São Valentim vem impôr um intervalo muito saboroso na nossa existência. Apesar da crise, vi restaurantes cheios de casais e senti, senti mesmo, que é pelo carinho que temos de ir. Pela ternura, e não pela violência ou agressividade.
Perdoem-me a consciente e voluntária ingenuidade. Faz-me falta!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A Lata

Costuma dizer-se, quando as pessoas excedem o razoavelmente aceitável, que têm "lata". Ora, entre ontem e hoje, tenho visto latas e bidons. Latas, toneladas de lata! É que é preciso ter LATA para nomear o Franquelim; mas é preciso ter muita lata para aceitar o lugar. E é preciso ter imensa lata para vir dizer que tanta lata é normal!!
Ele há relva murcha a mais por aí. Há descaramento e sem vergonhice sem tamanho. No entanto, lata, lata mesmo, é fazerem-nos pagar os mil milhões do BPN e depois, na nossa cara!, nomearem para secretário de estado um indivíduo que aos 16 anos era consultor de uma empresa inexistente...
Lata?! Não. Isto é mesmo VIGARICE!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

IDENTIFICAÇÃO

Ando a redescobrir velhas leituras. Servem para isso as noites longas, escuras e soturnas, excessivamente frias. Não deixo de me surpreender sempre que me identifico com leituras...

"Não me Peçam Razões...

Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir."

José Saramago

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Cidadania

O velho ginásio, agora um moderno anfiteatro, recebeu os alunos. Eram mais de cem, de início curiosos e atentos, aos poucos desinteressados e barulhentos... Na mesa, colocada no centro, um lindo arranjo de flores enquadrava os deputados. Ia-se falar de "Política e Verdade" e, para isso, tinham-se deslocado de Lisboa representantes dos seis partidos com assento parlamentar. Bom, cinco. Porque o CDS, na véspera, justificou a ausência com a nomeação do seu representante para secretário de estado (na altura, confesso, lembrei-me do arquitecto de Os Maias, que não pode desenhar as cavalariças do Ramalhete por ter sido nomeado para um alto cargo político...).
Enfim, tudo estava preparado e os alunos, os do Clube Europeu da minha escola, que ainda acreditam que é importante participar, discutir e pensar, estavam nervosos. Vi o João, ainda no 10º ano, crescer ao segurar o microfone para, com segurança e força, abrir a sessão. Gostei de o ouvir, gostei do entusiasmo e da segurança que imprimiu ao seu discurso. Gostei da Beatriz, firme nos seus doze anos, a perguntar com a voz clara porque não a deixam ter melhor educação.
Depois, os deputados. E as palavras vazias de sentido, as afirmações gastas e cansativas. Com uma excepção... O representante do PCP falava acreditando no que dizia, com forte pronúncia alentejana, trazendo a força, para mim, do descante alentejano. Gostei de ouvir este jovem, mas gostei, sobretudo, da frontalidade brilhante do olhar. Não vi vestígios de cólera, inveja ou raiva. Não vi preocupação em vender doutrinas  (ao contrário do que normalmente acontece no PCP) ou criticar práticas. Vi um jovem ainda com capacidade de sonhar. 
Vi um jovem-jovem e não, como tantas vezes me parece ver, um jovem-velho a repetir vazios!
Quando a sessão terminou, e estando eu ainda incomodada com a frieza de Luís Fazenda e com o vazio da representante do PS, quase me apetecia ter de novo 20 anos e, ao lado de João Oliveira, gritar que é preciso fazermo-nos ouvir e lutarmos por ideais! Talvez a idade me tenha trazido esta capacidade de ver para além da cor partidária, porque as minhas opções políticas afastam-se em tudo do PCP. Mas, fosse lá porque fosse, e com a certeza de que o caminho para o sucesso não é por ali, o discurso do jovem deputado comunista empolgou-me. (Vou ouvir um raspanete violento da minha filha..)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Comparações

Lá no alto, seguro na sua beleza sempre visitada, está a Pena. É um monumento curioso, romântico, provocador até, parecendo inacessível. Cá em baixo, a Regaleira faz-se de caminhos e mistérios, de poços iniciáticos e bibliotecas estonteantes. Caminhar por ali, por caminhos que, subitamente, desembocam no inimaginável, é um pouco como viver. Vamos fazendo caminhos, percursos, desejando chegar à paz do Belo, à tranquilidade da ternura e, numa curva mais violenta, esbarramos na desilusão. 
Como em Sintra, quero eu crer, por muitas que sejam as voltas e as profundezas dos poços, é sempre possível chegar ao Belo. À Paz! Só é pena que, na vida, não exista um mapa colorido como na Quinta Romântica...Tornaria o viver bem mais fácil!

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Harpagón

Sentou-se na areia, olhando o mar. Gostava do vai-vem das ondas, do cheiro forte, do vento que lhe chegava húmido. Olhava o mar como se ele lhe pudesse devolver oportunidades perdidas, escolhas mal feitas. Olhava-o e via desfilar o passado. Tanta vida gasta! Lembrava-se do Velho Harpagón, o avarento de Molière, e pensava em si mesmo. Sim, talvez tivesse sido avarento de afectos, talvez tivesse querido preservar as suas conquistas materiais, talvez não se tivesse apercebido da voracidade do tempo. Se voltasse atrás, daria, (jurava), prioridade aos afectos, à ternura, à cumplicidade. 
Mas voltar atrás era impossível. A vida, sabia agora, era como o mar que trazia ondas irrepetíveis. Sentiu o fresco no rosto e reparou nos habituais companheiros de caminhadas matinais. Acenou-lhes mecanicamente, como sempre, numa familiaridade inexistente. O que sabia deles? A cor dos bonés, a marca dos automóveis e, no entanto, eram os seu companheiros mais constantes. Voltou o Harpagón. Lembrava-se do filme, vira-o muitas vezes, mas incomodava-o, agora, a lembrança insistente. Estava sozinho, conhecendo tanta gente, perdido por ter abandonado as âncoras possíveis.
Levantou-se, esticou o olhar até à linha do horizonte e abriu o jornal. Ali estava a crise apregoada, ali estava a miséria estampada. Como ele, o país parecia ter errado as prioridades. Como ele, o país parecia pouco capaz de refazer processos. Com passada rápida, voltou ao carro. Era tempo de um duche, de um café forte e de um sacudir de passados feitos presentes dolorosos. De que servia recordar ausências, lamentar erros e olhar perdas se, efectivamente, tudo era irrecuperável?! Olhou o mar uma vez mais. Lá estava o vai-vem das ondas. Igual na diferença constante, esbanjando ondas  sem pensar no futuro, sem medo de que viessem a faltar-lhe. 
Só mesmo o Mar.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

IMPOSSÍVEL

Numas férias de Natal fantásticas, surge um tsunami. De repente, o paraíso transforma-se em inferno. 
A história, real, é contada num filme onde, muito para além do horror e violência da tragédia, se fala da força do amor e da coragem dos humanos. Fui ver o filme. Chorei, tremi e comovi-me. Faz bem sentir que o Amor, aquele apelidado de lamechas e romântico, pode mesmo unir as pessoas e levá-las a colocar o outro (os outros) como prioridade. Achei o desempenho muito bom, confortaram-me, em tempo de tanto vazio e ódio, aquelas duas horas de ternura. Saí do cinema com uma certeza renovada: - Se não há um grande Amor, qualquer aguaceiro pode ser um tsunami; mas, quando há um grande Amor, qualquer tsunami se reduz a uma chuvada!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Coisas de Gostar

Entro na sala zangada. Ralho, chamo a atenção, ameaço com a verdade: - o tempo passa e eles, os meus meninos, não terão eternamente 16 anos. Olham-me com mágoa alguns; ouvem-me com desinteresse, outros. Distribuo trabalho, hoje a gramática do português para trabalhar, e começam as perguntas. Vou respondendo, ainda zangada, explicando a diferença, pela enésima vez, entre uma locução e uma conjunção, entre subordinação e coordenação. Surgem os deíticos, vêm as reclamações, ó setôra porque é que mudaram os nomes às coisas?, e eu recomeço a explicar. Aos poucos, os exercicios vão sendo realizados, entre complementos oblíquos e directos.
Lá fora, o sol de inverno brilha. Olho a minha Serra e sinto o coração amolecer. Olho as árvores, as limpezas que fazem as senhoras deixar os tapetes pendurados, ah! como o sol faz falta, e olho de novo os meus miúdos. O que será deles amanhã? São tão jovens... Trazem neles todos os sonhos do mundo e, temo, o mundo não tem lugar para o sonho.
Concluímos os exercícios com a zanga passada. Eu gosto destes miúdos! Gosto demais! Gosto tanto que, na noite longa da minha insónia, lembro-os com o coração apertado. Penso que o meu país, e o Ministério da Educação, estão a destruir o futuro dos meus meninos, e não consigo ficar indiferente! Não acredito em aulas de apoio sem fim, não confio na desresponsabilização dos alunos e revolta-me a forma acéfala como se encaram os cursos profissionais, entre muitas (mas muitas) outras enormidades!
Os meus alunos de 10º ano, a minha direcção de turma, os meus meninos, tiram-me o sono, é verdade; mas iluminam-me, muitas vezes, o quotidiano. Gosto destes miúdos insuportáveis (às vezes)!