terça-feira, 19 de agosto de 2014

INSIGNIFICÂNCIAS

Correndo o risco de repetir banalidades, apetece-me destacar, hoje e agora, o fascínio das pequenas coisas. O encantamento das insignificâncias que, normalmente, desvalorizamos por, exactamente, serem insignificantes (O pleonasmo é intencional). Creio que a idade, e a vida, me têm ensinado a cada vez mais, desfrutar do silêncio, da paz dentro de mim, das ninharias que tornam o meu quotidiano mais significativo. Para quê ódio, brigas e maledicências se, um dia, que é sempre breve demais, tudo se desfaz em nada? Se, afinal, o fim é o mesmo para todos? Ricardo Reis que a inveja provoca movimento excessivo aos olhos, e eu acho que o ódio, a má língua, a crítica cruel e feroz, provocam movimento desnecessário à alma. Quero aprender a valorizar cada amanhecer, cada palavra suave, cada abraço cúmplice, cada mergulho na água fresca. A vida, a exterior, passa...

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

LEMBRANDO UMA AMIGA

Não tenho a pretensão de gostar de toda a gente. Aliás, eu assumo que há pessoas de quem não gosto e sobre quem não perco tempo a pensar. Mas há, também e felizmente, muita gente de quem gosto muito. Gente que cresceu comigo, que caminhou na vida perto de mim, que conheci por diversos motivos. Há pessoas que me são especiais e não são, apenas, as minhas filhas e netos, os meus maiores amigos, aqueles que me marcam e, de alguma forma, definem. 
Hoje, há pouco, perdi uma dessas pessoas. A Luísa Mourato era da minha idade e morreu, depois de um ano de intenso sofrimento, vítima de um cancro voraz. Estava a ler "O Grande Conspirador", gozando no silêncio da minha Serra os últimos dias de férias, quando a notícia surgiu. 
Lembro a Luísa. Lembro-a na minha turma, como eu fraca aluna a matemática, lembro-a nas aulas da minha mãe, a tentar dar nomes à imensidão de orações e ques que Camões inventou sem querer. Eramos os números 16 e 17, os nossos pais eram médicos e trabalhavam juntos no Sanatório, íamos às festas de anos uma da outra. Depois, a vida separou-nos: Eu fui para Lisboa, ela para Coimbra. Não havia Facebook, afastámo-nos. Mas, sempre que nos reencontrávamos, a velha amizade voltava. A Luísa deu explicações de Filosofia à minha filha e não deixou nunca que lhe pagasse (isso não é coisa de amigas, dizia). A minha filha diz sempre que ela era a melhor professora de mundo, e eu acredito. A Luísa conversava e ensinava, gostava de jovens e sabia chegar a eles. Às vezes, no cabeleireiro, riamos juntas das nossas vidas, do facto de já termos passado os 50 anos, da necessidade de sermos felizes! A Luísa adorava meias, e eu brincava com ela por vê-la usar peúgas com bonecos e flores. A Luísa via as fotografias dos meus netos e achava-os lindos!
Agora, a Luísa partiu. Sei que há momentos em que as palavras perdem o valor, o sentido, mas quero acreditar que, lá onde estiver, ela há-de rir-se deste meu post. Um dia, quero muito acreditar, voltaremos a encontrar-nos. Até lá, fiquei mais sozinha na vida. 

sábado, 9 de agosto de 2014

PORTUGAL DOIS

É comum e frequente ouvir falar em assimetrias, na existência de um Portugal esquecido, na injustiça que preside à distribuição da riqueza. Normalmente, quando oiço dissertações sobre este assunto, penso no meu Alentejo, no isolamento de muitas populações, na carência de quase tudo. A meus olhos surge, invariavelmente, a planície amarela e seca, polvilhada de Montes românticos onde habita a solidão.
No entanto, depois de uma vivência familiar no Minho, percebi que as assimetrias não têm a ver apenas com o Alentejo. O Minho, uma das províncias mais belas de Portugal (se eu não amasse o Alentejo diria que é a mais bela), sofre também com as sucessivas políticas de centralidade no litoral. Ponte de Lima, a mais antiga vila portuguesa, Ponte da Barca, de águas límpidas e gentes simpáticas, Arcos de Valdevez, um lugar mágico e terno, vivem com o flagelo do desemprego e abandono. Vi, claramente visto!, fábricas fechadas, homens com rostos sulcados de desalento, crianças portuguesas pedindo esmola à porta dos hipermercados. Espantei-me com o número exagerado de emigrantes, gritando numa língua cheia de misturas, estacionando em segunda fila ruidosamente, desejosos de matar saudades, de encher a alma da terra que é a deles.
Para além da mágoa, experimento uma sensação de revolta enorme. Como é possível que os nossos governantes, independentemente da cor política, continuem centrados em belos discursos, em parangonas ocas, esquecendo os portugueses que fazem o país verdadeiro? Numa lavandaria, um jovem empresário dizia-me que a mulher, licenciada em jornalismo, passava roupa e ele, licenciado em marketing, geria a lavandaria. Contou-me do sonho impossível de terem filhos, do esforço imenso para sobreviverem. Este país que ignora os jovens, que se faz de diferenças, que não tem um projecto para crescer humanamente, revolta-me e incomoda-me. Até quando? Como fazer para mudar? Romanticamente acredito que teremos de nos unir, de fazer ouvir a nossa voz; mas, realisticamente, sei que o silêncio e o vazio estão para durar...