sábado, 30 de novembro de 2013

SILÊNCIO

Silêncio. Ausência. Porque, às vezes, as palavras são intrusas abusadoras.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Narrativa aberta




Era um espaço lindo, uma manhã fria, um país pintado de cores intensas e diferentes. As letras corriam soltas, fazendo rimas, umas mais irregulares do que outras. Algumas, insistindo num passado que, talvez por não o conhecerem, parecia fazer sentido, organizavam-se em sonetos. Rigorosos, certos, de métrica regular e ritmo cadenciado.
Por ali passeara já a Alice, depois de cair pelo espelho, encontrando o coelho branco e a lagarta fumadora. Era um espaço de castelo de não ser, de verdes húmidos e refúgios perfeitos para jogar ao esconde-esconde. As emoções aproveitaram o cenário e jogaram com a realidade. Escondiam-se umas, desafiavam-se outras. Depois, no fim de uma narrativa aberta, encontraram-se e fizeram sentido.
Mas, infelizmente, foi preciso virar a página.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Do Alto


Sobe-se a custo a colina. Lá no alto, subitamente, sem aviso prévio, entra-se num quadro impressionista. Ao vivo, real, com fumos cheios de cheiros, com cores de um Outono que, sendo estrangeiro, é universal.
O silêncio é intenso. É o Surrey inglês, o campo das obras de Jane Austen que preencheram muitas horas da minha juventude. Ali caminham as personagens que reconheço, ali aconteceram os encontros e desencontros dos romances que revisito sempre com gosto. Ali, agora, crescem as minhas crianças. É estranho como num mundo diferente, num estrangeiro cultural e fisicamente distante, me sinto reencontrada e de bem comigo. Não são "Malhas que o império tece", mas são, penso, sentires que a existência constrói.
 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O EXAME

Tenho estado calada, lendo e ouvindo, tudo o que ao exame dos professores diz respeito. Em princípio, parecia-me uma aberração, mais uma, inventada por este ministro Crato que tanto me desiludiu. Depois, o tempo foi passando, as coisas foram-se esclarecendo e, hoje, mais do que uma aberração, acho uma estupidez total! Avalia-se o quê? A capacidade de redigir uma composição de 300 palavras, ao estilo da velha escola primária? Exercícios de escolha múltipla do tipo testes psicotécnicos? 
Das duas uma: ou o senhor ministro acha que as Universidades são mesmo péssimas, e então devia fechá-las; ou acha que os professores são doidos e, nesse caso, devia fechar as escolas para proteger as crianças. 
Este exame não humilha os professores, como dizem os sindicatos. Na minha opinião, de professora (incompetente e louca, porque não fiz o tal exame mágico), este exame humilha e agride o país inteiro. Humilha os alunos, que vêem postos em causa os seus educadores; humilha os pais, que entregam os filhos a loucos potenciais; humilha o país, que deixa as novas gerações entregues a perigosos psicopatas, talvez. 
Este exame só não humilha o governo, nem o Ministro de Educação. A esses, bem pelo contrário, certifica-os. Atesta, oficial e publicamente, a sua incapacidade para governar a sério, para valorizar um Povo que é GRANDE, para valorizar a imagem de uma classe que, a baixo custo (vergonhosamente baixo), tem permitido que o país cresça e que os jovens possam sair daqui preparados para vingar no estrangeiro!

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Que Chatice!

Apetece-me caminhar de trás para a frente, partindo do lugar sem sentido, para o lugar com algum sentido, passando pelo espaço onde o sentido falha por pouco. Nesta caminhada invertida, como ralo de água da Austrália, vejo passar o que não fiz, o que adiei, o que apressei, o que errei, e o que nunca teria feito se. É um percurso de ses. De ainda bem e porque não.
Faço a viagem parada, sentada num comboio que insiste em não sair da estação inventada. Ali, bem na plataforma, ficam a acenar-me as pessoas que já foram, os meus eus que partiram, os responsáveis pelas escolhas que não devia ter feito. Caminhando assim, para trás, não tropeço nem hesito. O caminho é conhecido, os erros ainda têm cores vivas, e a chegada não tem dia marcado. Nesta viagem do avesso, ou de trás para a frente - o que não sendo a mesma coisa, neste caso é igual - reencontro egoísmos, maldadezinhas e umbiguismos destruidores. Mantiveram-se iguais! Nem de trás para frente, nem da frente para trás, a existência se acerta com a minha essência sofrida. Que chatice!

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

NUVENS

Há nuvens negras no céu inglês. Nuvens carregadas das lágrimas que calo em mim, nuvens intensas de saudade anunciada. No céu, onde, segundo o meu neto, não mora ninguém... Portugal não me apetece. Preferia ficar aqui, no céu, entre nuvens que, de certeza, um dia se vão desfazer. Queria ter a certeza de que as saudades iam deixar de doer. Mas não tenho.

domingo, 24 de novembro de 2013

4 Anos

Faz quatro anos. Nevava muito, Cambridge estava nua e branca, e a minha viagem até ao Hospital parecia interminável. À chegada, um bebé minúsculo, um gorro azul que quase lhe tapava os olhos, as mãos com força a segurar o meu dedo. Era o meu primeiro neto  a fazer-me viver e acordar para uma vida diferente.
Hoje, faz quatro anos enérgicos, alegres e atentos. Corre por Guildford, pergunta muita coisa, quer saber tudo, salta do inglês para o português com ligeireza e abraça-me como só ele sabe. Ao meu ouvido garante "avó mim adora tu para sempre" e eu tenho pena que o para sempre seja, talvez, breve demais. O meu neto mais velho surpreende-me constantemente, provoca a minha ternura e vejo nele, tantas vezes, a minha filha pequena que guardo sempre na memória.
Um dia, o Manuel Bernardo vai lembrar-se que tinha uma avó que carregava fadas, falava com os bichos e sabia muitas histórias carregadas de magia quente...

sábado, 23 de novembro de 2013

GUILDFORD

No gelo que pinta de vermelho o nariz e o sorriso, a ternura ganha sentido. As minhas crianças inglesas crescem entre desafios, jardins, lagos e botas de borracha. A pequena Carlota, personificação da traquinice, provoca sorrisos, abraça-me com carinho, olha-me entendendo o que eu nem sei dizer. O Manuel Bernardo, mais crescido, orienta-me na descoberta do mundo dele. Sim, avó, agora vamos tomar um café, ou um capuccino, e sim, podes comprar um gingerman para nós. 

Experimento uma mistura incrível de emoções. É bom vê-los felizes, saudáveis, estáveis. Mas dói não poder estar ali, mais perto, cumprindo aquelas rotinas doces que só os avós compreendem. Ser avó é uma "coisa" estranha. Parece que as crianças, os netos, nos correm na pele, nos enchem o coração, tomam conta dos nossos sentires. O Manuel Bernardo cresce na fantasia. Ora é um super herói, ora um fantasma, ora uma múmia, ora um coelho, ora uma fada (boazinha), ora um esquilo, ora um Manel Bernardo. A fantasia enche-lhe o olhar e eu rezo para que a vida não atraiçoe o meu menino. Hoje, posso abraçá-lo. Em breve, vou ter apenas a recordação e a saudade por companhia.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

PARTIR

Fazer a mala, enrolar bem o brinquedo pedido, recuperar as luvas quentes do fundo da gaveta e partir. De novo a agitação ruidosa dos aeroportos, o gelo cortante da chegada, a viagem pelas nuvens, a travessia do céu onde, segundo o meu neto "não mora mesmo ninguém". E a chegada no escuro envolto pela língua estrangeira, pela sonoridade que não é a minha. Dinheiro diferente, sempre pouco, e tudo a acontecer com a ansiedade do abraço quente da família que tenho longe e de quem, sempre, sofro a ausência.
Fala-se muito dos que partiram, e partem, em busca de vida melhor. Fala-se pouco dos que ficam, com a saudade a doer imenso, impossibilitados de partilhar uma existência terna.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O QUE CABE NOS BOLSOS

Não fala, guincha. Não obedece, protesta. Não escreve, rabisca. Alto e bom som, na insegurança que quer fazer parecer força, garante que para a aula só traz o que possa caber nos bolsos. No bolso não cabe um caderno, sequer um livro, na melhor das hipóteses, bem ao lado do indispensável telemóvel, uma esferográfica roída. Pergunto-lhe se traz, por acaso, sonhos de amanhã, se lhe cabem nos bolsos. Abana a cabeça. O vocabulário é pobre para falar de desilusão, o olhar inquieto denuncia angústia calada. Não gosta da escola, repete. Sem porquês, só porque não. O que quer mesmo, garante, é fazer 18 anos e deixar de vir à escola. Quer ser livre, repete. Olho-a com angústia. O que fazer? 
Alguém escrevia há dias, num blog que sempre sigo, que este país não é para velhos. Infelizmente, parece que este país também não é para jovens...

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O PASSADO VIVO

Lá por trás, ao fundo, está Marvão. Aqui, no meio de flores silvestres, envolta em silêncio frio, está a cidade que já não é. O lugar parece vazio, abandonado até. O passeio, só para enganar a rotina, permite, de repente, encontrar a vida que foi. É a cidade da AMMAIA!
Dizem que é bem maior do que Conimbriga mas, para os olhares não especialistas, parece exagero. Há chaminés, poços, vestígios de banhos, caminhos. Há ruas, ou o que resta delas. Mas o que há, sobretudo, é o silêncio mágico, a cor e o cheiro únicos que nos devolvem um passado longínquo. Ali (agora aqui), podemos escutar a marcha das legiões romanas, o cantar das damas sozinhas, o choro dos supliciados. Ao longe, como a lembrar que é possível sempre chegar a outro patamar, está Marvão.
Aqui estou eu. Com os pés no passado e a cabeça no sonho, com o coração a monte e a existência amordaçada.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A ROCHA

"O homem não é uma ilha". E a mulher não é uma rocha. Não tem a força resistente para suportar ondas sucessivas, marés de grandes amplitudes, espumas de diversas consistências. Pede-se, um se condensador de uma sociedade estranha, que a mulher aguente o mar que engrossa, o sal que corrói, as proas que, teimosamente, às vezes nela  encalham. Depois, quais armadores poderosos, os outros, o mundo, cobra, julga, exige. E a rocha vai-se desfazendo, criando buracos, deixando cair pedaços, abrindo frestas, dando abrigo a lapas que sugam a essência da pedra grande que já não é. Um dia, a rocha, ou a mulher, vai diluir-se na espuma da memória, vai desfazer-se em areia fina, vai desaparecer nas águas revoltas e, depois, nada ficará.
Ou talvez. Talvez o lugar excessivamente vazio onde, um dia, a tal rocha aguentava embates.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

OUVIR

É uma tarefa árdua, parece, a de ouvir. Apesar de termos o dobro de ouvidos do que de boca, todos parecemos ter uma imensa necessidade de falar e uma ausência quase total de capacidade de ouvir. Hoje, num auditório cheio de jovens, discutindo-se um tema que a todos, no interior do país, diz respeito - o empobrecimento e desertificação do interior - verifiquei, uma vez mais, que ouvir é uma actividade difícil. Impossível, por vezes... Diariamente, nas salas de aula, enfrento esta dificuldade. Os alunos não querem ouvir, não têm paciência para dar atenção ao outro e, por vezes, dou comigo, que absurdo!, a pedir-lhes por favor que me oiçam, prometendo não exceder três minutos de exposição. Ora, o resultado desta falta de hábito de dar atenção ao outro, e de ouvir, começa a fazer-se notar. Estamos a formar uma geração que só pensa em si mesma, que não respeita os tempos alheios, que não sabe aprender com quem o rodeia. Sei, claro, que aulas expositivas, exclusivamente, não são profícua; mas sei, também, que o constante actividade prática a nada leva. A prática sem a teoria, ou a teoria sem a prática, resultam no que temos: - Uma sociedade oca e sem projecto de futuro!
Gosto imenso dos meus alunos, da minha escola, dos jovens em geral. Mas não consigo gostar de os ver fazer figuras tristes. Muito tristes...como, por exemplo, vê-los abandonar uma sessão pública a meio só porque tocou a campainha!

domingo, 17 de novembro de 2013

Estou assim.

Deve ser por ser domingo, por estar frio, por cheirar a castanhas, por o mundo estar pintado de cores fortes, que acordei com vontade absurda de viver. Apetece-me ter a força das ondas gigantes da Nazaré, pintar a emoção com os vermelhos brilhantes que enchem a terra, circular pela vida fora com a paz do Tejo que sabe que não voltará atrás e que o destino está traçado. 
Apetece-me acreditar que vale a pena sorrir. Desejo um olhar novo, cúmplice e forte, uma cumplicidade máscula que me ajude a agarrar a existência em uníssono com a essência. Por companhia, um jazz quente, um café forte. Hoje, estou assim!

sábado, 16 de novembro de 2013

Já Chegou!

Já está aí o Natal, o comercial, claro. As lojas estão ornamentadas, a publicidade encheu-se de brinquedos e bonecos. As crianças aguam, querem tudo, pedem muito; os adultos suspiram e fazem contas que, a cada dia, são mais de sumir. No meio desta loucura colectiva, que se veste de vermelho e branco, tenho vontade de fazer um pacto com o Diabo e fugir do Natal imposto. Compreendo que é necessário aquecer os corações, o meu está gelado, mas incomoda-me este exagero, esta febre consumista num país que passa fome. Tudo o que tenho em mim, agora, nesta madrugada onde o silêncio grita mágoa, é um íssimo,íssimo, íssimo cansaço...

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

INJUSTIÇA

Entra na aula gingando o corpo, a popa bem levantada, os piercings brilhantes, a argola oscilando na orelha. Quer falar comigo. Uma questão de injustiça, afirma, que quer contar-me. Oiço-o, olhando no fundo os olhos baços. Conta então que foi à aula de educação física, espera aplausos por isso..., mas que não levou o equipamento necessário. Esqueceu-se. Porque, diz entre muitos prontos, um gajo não pode lembrar-se de tudo. ( O gajo é ele). O professor sugeriu-lhe que participasse na aula com a roupa que trazia no corpo. Mas, setôra, isso não 'tá com nada. O professor marcou-lhe falta. Finalmente, tomo conhecimento da injustiça, que é comparativa. Ou seja, o professor não marcou falta a duas colegas que também não tinham equipamento, e marcou-lhe a ele. Vem ao de cima o tal grande sentido de justiça igualitária que me irrita. Sugiro-lhe que reveja a situação, que pense no que fez, mas ele insiste que foi uma injustiça. E ele não admite injustiças! Explico-lhe, ou tento, o outro lado da história, ajudo-o a compreender que injustiçados são os colegas, que perdem tempo de aula com estas discussões, os professores, que vêem o trabalho prejudicado por estas intervenções. Falo-lhe de olhos nos olhos, com terna firmeza, e tenho pena desta rebeldia sofrida. Este miúdo, injustiçado..., precisava urgentemente da justiça de uma família capaz de dizer não, de estabelecer limites, de impôr regras. Este miúdo, precisa de uma escola exigente e rigorosa, não permissiva e facilitadora. Este miúdo vai, um dia, lamentar que a injustiça das suas escolhas o tenha feito perder-se. Eu queria poder lançar âncoras a esta gente!

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

UMA MAÇÃ AZUL

Circulo pela auto-estrada. O sol, agora mais cansado, afinal o ano está quase a acabar e há onze meses que ilumina a Terra triste,   doira o Outono que adoro. Correm vermelhos e verdes, sucedem-se angústias, dúvidas e medos. Canções de Natal vão enchendo o vazio do meu automóvel, mas os campos estão lindos, a vinha vermelha faz-me travar encantada, afastando para longe a dor que me molha o olhar. Reparo numa árvore castanha, alta, e lembro que "quem nunca viu árvores inglesas, nunca viu árvores", pensando que Beresford nunca deve ter circulado por este Portugal de emoções e (des)gosto. Não me cruzo com outros automóveis, não faço ultrapassagens, a auto-estrada cara parece ter sido construída só para mim. (Travo com força a revolta social...)
Acelero um pouco, troco o pensar pelo sentir, lembro a razão de Caeiro "pensar é estar doente dos olhos". Árvores de fruto, maçã de Bravo de Esmolfe, saltam ufanas do meio das vinhas intensas. Ali, na sombra morna da minha emoção, está agora uma maçã azul. Azul do céu de Outono, azul da cor da paz que perdi não sei já onde...

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

CASTIGOS

Deu-me para achar, não há meio de perder a mania (vício?) de ter opinião..., que é importante, urgente e necessário, inventar castigos. Castigos mesmo, daqueles que incomodam e, por isso, têm mesmo efeito correctivo. Olho o número excessivo (cada vez maior) de alunos que são expulsos da sala de aula, o conhecido ir para a rua, e penso que esta penalização se está a tornar um prémio. Ir para a rua é, muitas vezes, o desejo mais forte de um aluno que não gosta da aula, que não quer trabalhar nem aprender... Como eu não inventei a pólvora (menos ainda em tempo de guerra), é claro que as escolas já chegaram à mesma conclusão que eu e, por isso, em muitas delas há novas práticas: - Os alunos expulsos da aula vão para a biblioteca de castigo.... Estremece a minha paixão pelos livros! Associar a biblioteca a castigo parece-me pernicioso, grave, sinceramente, estúpido! A biblioteca devia  ser um local de bem-estar, um espaço que os alunos, e os professores, procurassem com gosto e não, nunca, um espaço associado a punição!
Claro que tenho uma sugestão: - Enviar os infractores para a frente de uma televisão, fazê-los assistir ao canal Parlamento e obrigá-los a fazer um resumo do que ouviram. Estou violenta? Talvez, deve ser da hora...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

LOUCURA

Ser louco é bom, faz bem, ajuda a manter vivo o sonho. "Sem a loucura, que é o homem mais do que a besta sadia//Cadáver adiado que procria?". Sinto-me cada vez mais louca, estranhando demais o mundo, desconhecendo o que vejo e não compreendendo o que  me dizem. Sinto-me sentada ao contrário, no sentido inverso - quero dizer -, de um comboio que viaja para um destino que não escolhi e que não quero conhecer. Às vezes, a vontade de saltar em movimento é muita...

DIVÓRCIO

Numa reportagem recente, li que o número de divórcios tem diminuído e que, estranhamente, tem acontecido mais em casais mais velhos. Fiquei a pensar nisto. Faz-me sentido que os divórcios diminuam, não há dinheiro e as contas custam menos a pagar se forem partilhadas... Também compreendo que, com tantas dificuldades económicas, as pessoas (sobretudo as mulheres) sejam obrigadas a suportar mais agressões e solidões do que há uns anos.
Também o facto de casais mais velhos se separarem não me causa nenhuma estranheza. Cada vez mais, as pessoas procuram a tal felicidade quimérica, inexistente, dando valor à existência e estando, por isso, dispostas a tudo fazer para viverem bem e em paz, ainda que, mesmo que...
No fundo, acho que admiro as pessoas que, com 70 anos ou mais, têm coragem para agarrar a vida pelas orelhas e, contra a violência da crítica social que continua imparável, mudam de vida e refazem percursos. Pessoalmente, não acredito que ninguém nasça condenado à infelicidade, nem creio que seja saudável (nem sequer socialmente) aparentar bem-estar quando o quotidiano se faz de mágoa e dor.
No entanto, confesso, fico com uma ponta de inveja quando vejo os eternos casais darem ainda as mãos enrugadas...

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

SÃO MARTINHO

Como eu gosto deste dia! Das castanhas, do fumo cheiroso que envolve a realidade, da atmosfera gelada pintada de amarelos dourados. Gosto da Feira da Golegã, das caminhadas com as botas enlameadas, dos cavalos ajaezados, e do cuidado para não pisar alguns perfumes incómodos... O São Martinho é uma época que me traz sempre muitas recordações. O meu Pai gostava de ir à Golegã, de provar o vinho novo, de comer castanhas assadas com jeropiga gostosa. Saíamos de casa cedo, tomávamos café apressado no caminho e, mal chegávamos, íamos ver os meus sobrinhos, esses sim verdadeiros alentejanos com traje a rigor, a passar com os cavalos. Lembro-me do Bernardo, muito pequeno ainda, tirando cortesmente o chapéu para nos cumprimentar. Hoje, sem ir à Golegã, vou de certeza comer castanhas!

A MARIANA

Já não a via há muito tempo. Chegou para matar (ou enganar?) as saudades, risonha, elegante, decidida e bem disposta. A Mariana tem quase 24 anos, um olhar traquina e decidido que lhe conheço de menina, e um andar sedutor que faz torcer muitos pescoços. A Mariana gostava de Barbies mas, agora, gosta de viagens, de desafios, de realizar sonhos. Saiu de Portugal sozinha, apoiada no seu diploma da Escola de Turismo, disposta a ganhar o mundo. Andou nas montanhas, voou para a Córsega, de novo vai partir. A Mariana é um exemplo de determinação e coragem que eu admiro. É a prova, também, de que ninguém nasce condenado ao tamanho do lugar onde nasce e, como diz Pessoa, a Mariana não é do tamanho da sua altura, mas do tamanho do que vê. A Mariana é uma jovem capaz de aproveitar o melhor que a modernidade tem, num pragmatismo tranquilo que lhe invejo até. Conversar com a Mariana faz bem à alma das gentes. Quem me dera encontrar muitas Marianas pela vida fora...

domingo, 10 de novembro de 2013

RANKINGS

Já foram publicados os rankings das escolas e, na segunda-feira, vão sobrepor-se à vitória do Benfica sobre o Sporting. E eu acho que o derbi é muito mais importante! Porque é bom quando o Benfica vence, dá-nos alegria, permite-nos sorrir e até, para os mais entusiastas, gargalhar. Os rankings, pelo contrário, fazem-nos entristecer (mais ainda) por vermos certificada e comprovada a ideia de que há dois países, o dos ricos e o dos pobres, e que na escola pública, mais gritante se estiver localizada no interior, o insucesso continua a ser muito. A realidade já é conhecida, mas as medidas eficazes e reais continuam por aparecer. 
Antes Jorge Jesus, do que Nuno Crato. O primeiro, na sua ridícula existência, ainda consegue umas vitorias para alegrar os adeptos...

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sexta-Feira

Finalmente, chegou o fim-de-semana! Não é que traga nada de muito novo, ou sequer de muito bom, mas vai-me permitir purificar o olhar, encher a alma de coisas com sentido, viver horas de descontração e paz. Durante dois dias inteirinhos, quarenta e oito horas e uma imensidão de segundos, não vou ter de me confrontar com olhares mesquinhos, com questiúnculas profissionais, com ansiedades sociais. Vou poder, por isso, dedicar-me a viver com gosto. Vou desligar a televisão, ignorar as atrocidades político-sociais, e perder-me em caminhadas frescas e leituras de chá morno. Abençoada sexta-feira!

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

OS PROGRAMAS

"Quem fala do que não sabe, só diz o que não deve" - Acho que é mais ou menos assim a frase de apresentação que um amigo meu tem no seu email. E hoje, de repente, saltou-me esta frase ao ouvir alguns comentários feitos à proposta de programa para o português, no ensino secundário, que o governo pôs em discussão. Não acredito, porque em termos práticos considero impossível, que os professores tenham analisado a proposta mas, à boa maneira portuguesa, começaram já a dizer mal e a levar as mãos à cabeça considerando impossível "darem" tanta coisa... Curiosamente, não ouvi ninguém congratular-se por haver lugar, finalmente, para Camilo Castelo Branco, para José Régio, ou, até, para a "Ilustre Casa de Ramires". Também, claro, não ouvi ninguém equacionar a hipótese de, nos dias que correm, não fazer mais sentido "dar" as coisas mas, sim, conduzir activamente os alunos no desenvolvimento das suas competências. Olhei o programa na diagonal, "por alto", e gostei do que vi. As competências nucleares parecem-se adequadas, os domínios de aprendizagem pertinentes, os conteúdos declarativos adequados. Confesso, enfim, que me agrada voltar a poder falar da literatura medieval, que sou uma leitora fiel de Camilo Castelo Branco e uma admiradora de José Régio mas, sobretudo, que não acredito mais num sistema de ensino que se baseia em dar o que ninguém (ou poucos) querem receber, e em treinar gerações para resolver testes e exames...

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Doce de Abóbora

Comi uma manhã excessivamente azeda e, por isso, temperei o entardecer com doce de abóbora caseiro. Salpiquei-o com nozes da minha nogueira velha, saboreei-o com um dióspiro que o vento deitou ao chão. A tarde amoleceu no nevoeiro denso que envolve o meu quintal, a noite chegou sabendo a chocolate negro. A lareira iluminava a entrada no serão, os poetas saltaram da estante, as rimas desordenadas provocaram os meus sentires. No fundo da taça os pedaços de abóbora esperavam sem ansiedade a lavagem final.
A minha alma estava pegajosa, açúcar e abóbora nas bordas. Lambi com cuidado, ficou limpinha...

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Relógio Mole

Acordo a meio da noite e, de luz apagada, deito mão ao relógio. As horas e os minutos estão trocados. Adormecida ainda, confunde-me o Tempo. Acendo a luz , mas já espantei o sono... Por isso, fico pensando nas horas trocadas, na moleza de um relógio que adquire outra forma e molda o Tempo ao acaso. 
O relógio mole confunde horas com minutos e, com certeza, poderá trocar tempos também. Vejo tempos de saudade feitos de alegria e presença; horas de aulas difíceis transformadas em aprendizagens entusiasmantes; momentos de dor convertidos em bem estar! Pego no meu relógio que, na sua moleza,  deixa escorrer os segundos. Fico a vê-los cair, uns atrás dos outros, num caudal de coisa nenhuma que não pára de engrossar. Reparo que os minutos seguem os segundos apressados e, ansiosa, tento encontrar forma de evitar que também as horas se vão sem que possa segurá-las. O meu relógio mole estica-se no sono interrompido, faz-se grande no sonho,  as horas dançam à minha frente na promessa da certeza inexistente de um Tempo que nunca é. Pego na correia do meu relógio mole, estico-a muito direitinha. Os minutos colocam-se em sentido, imóveis, mas os segundos traquinas não param de correr e, num instante, as horas sucedem-se assustadoramente. 
De repente, o meu relógio mole fica hirto e sonoro. Escuto uma campainha estridente, os segundos fogem apavorados e eu levanto-me para, hélas!, colocar de novo no pulso o meu relógio duro, retomando o Tempo possível.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

LOUCURA

Começou a falar-se na possibilidade de as escolas públicas se tornarem parcerias público-privadas. O estado vende tudo, e as escolas vão na onda... Nesta loucura colectiva, eu encaixo um sonho antigo.
Gostava de poder comprar uma escola, de ter uma escola para mim, onde pudesse construir um projecto educativo com lugar para pessoas, onde fosse possível fomentar a diferença fazedora de sucesso, onde se tecessem cumplicidades efectivas. Na minha escola, havia de haver gente feliz, ainda que por vezes com lágrimas, haveria aulas de música, de dança, de pintura, de literatura (claro!), muito rigor, exigência e qualidade. Na minha escola, o estridente som da campainha seria substituído por música clássica, variando a cada semana, e não existiriam aulas de substituição, mas, sim, lugares de ocupação de tempos mortos. Seria inspirada, assumo, no eterno Clube dos poetas Mortos, mas com poetas cada vez mais vivos.
Se me sair o euromilhões, vou candidatar-me a comprar uma escola para mim! O lema será: "Sim, é saudável ser louco!"

domingo, 3 de novembro de 2013

CRUELDADE

De vez em quando, sem aviso prévio, chegam e instalam-se. Ora chegam intensas, fazendo estalar a cabeça e chorar os olhos, ora se insinuam de mansinho, começando num adormecimento quase bom e, gradualmente, convertendo-se em dor dilacerante. Já devia tratar por tu estas enxaquecas, mas não há maneira de me habituar a elas. Fico sofrendo, sem suportar sequer a luz do sol frio, no silêncio escuro do meu espaço. Tento ler, mas as letras dançam diante de mim em momices de  entontecer. Tento não pensar, e, sem o ser, o pensar ganha opacidade e ocupa a mente fazendo doer mais ainda. Tento, então, impor a minha vontade e continuar  a viver. Misturo Zomig e Ben-u-ron, alterno com Migraleve e Aspirina, mas o monstro continua ali, tenaz e cruel. 
Chego a pensar que vou morrer. Que, de repente, a minha cabeça vai estoirar e eu vou partir. Quando isso acontecer, vou finalmente pôr um ponto final na dor. Nas dores, todas.

sábado, 2 de novembro de 2013

QUANDO EU MORRER...

Despedi-me hoje da Aldeia da Luz. Foram três sábados de formação, de tarefas bem diferentes das habituais, falando de livros, de textos e de criação. Houve chuva, sol, conversa boa e aprendizagens reais e práticas. Hoje, depois de muitos exercícios de escrita, uns mais criativos do que outros, o almoço aconteceu na fantástica, e muito alentejana, Adega Velha, em Mourão. É engraçado, e estranho, entrar num lugar onde a tradição existe, onde a identidade cultural é preservada, num momento histórico e cultural em que tudo é relativo e descaracterizado. Ali, na Adega Velha, o Alentejo canta, come-se e bebe-se. A conversa surge fácil, informal, e sem se dar por isso já se canta também.
Se há experiências formativas marcantes, e eu sei que há, esta, o Pequeno Grande C, foi uma delas! Pelas paisagens, pelas conversas, pelas experiências e, claro, pelas aprendizagens. 
Sophia disse que quando morresse voltaria para buscar os instantes que não viveu junto ao mar; eu, quando morrer, voltarei para buscar a paz do meu Alentejo que vezes demais me roubaram...

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

ERA PARA SER

Devia ser, mas já não é, feriado. Dantes, este era o dia de pedir os santinhos, de pegar numa sacola e bater às portas, de fazer broas de mel (tão boas) e de servir ao lanche papas de milho. Era tempo de ver as ruas cheias de miúdos barulhentos, de encher de flores os cemitérios e de começar a pensar no Natal... Agora, nada é assim. Os santinhos já não se pedem, os diabinhos estão sempre presentes, os mortos não têm direito a homenagem especial, e a vida segue sem nada que marque os tempos. Sei que tudo muda, Camões bem afirmou que "Mudam-se os Tempos, mudam-se as vontades", mas, ainda assim, olho com estranheza este destruir de marcas que, para mim, faziam parte integrante da cultura portuguesa.
É muito tarde na noite, uma enxaqueca terrível impede-me de dormir, e eu oiço nos tempos idos as vozes mudas de um Passado com sentido e que, paradoxalmente, em mim é um presente de saudade.