terça-feira, 31 de julho de 2012

Marilyn Monroe

Há 50 anos, mais ou menos, esta loira histórica suicidou-se. Tornou-se, não percebo porquê, num ícon e num ídolo. Continua a encher páginas de revistas, a ser imitada e até, esforçadamente, ressuscitada.
O que tinha esta mulher, para além de uma sensualidade gritante e de uma beleza plena? Leio, pesquiso, e encontro uma mulher frágil, inconstante, alcoolica e viciada em drogas. Uma mulher que como actriz não foi nada de marcante, que soube (?) talvez usar a sua beleza e, simultaneamente, que deixou que a usassem pela mesma razão: - a intensa sensualidade. Valerá esta mulher ser um ídolo? Para mim, não com certeza. Paz à sua alma!

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Aniversário

Ergueram as taças, vinho especial, fazendo um tchintchin baixinho para os miúdos não acordarem. Ela lamentou a falta de tempo para uma ida ao cabeleireiro, ele jurou-lhe que estava linda assim. A dois, celebravam anos de casados. E lembravam o dia mágico, os convidados, os votos e os deslizes nalguns (mínimos) pormenores desse dia único. Ela recordava as leituras que escolhera cuidadosamente - nada de subjugar a mulher ao homem! - e ria-se da leitura expressiva da grande amiga "...e era tudo muito bom." Era, de facto, muito bom o Amor! Ele lembrava-a linda, ela garantia ter-se sentido a mais bela e mais feliz das mulheres. a dois, riram ainda uma vez de situações passadas, recuperaram ternuras iniciadas nessa Escócia de castelos e fizeram, de novo, votos para sempre. Eram jovens ainda, cheios de sonhos e de possíveis, vivendo o presente à alucinante velocidade que o século XXI impõe. Dois filhos já, muitas exigências e a certeza, tranquilizadora, de uma cumplicidade efectiva e total. Eram os dois, os quatro, a olhar cada dia com o desejo de nunca se separarem, de, sempre, levantarem uma taça de vinho - sim, especial! - a cada dia 30 de Julho. Como fora há sete anos, seria daqui a 70.

domingo, 29 de julho de 2012

Os avós

Sei que há muitos sabedores, psicólogos e afins, a dissertar sobre a condição de avós. Tenho lido algumas coisas, discordado e apoiado, sempre com a incredulidade que experimento face a psicólogos e sociólogos (peço desculpa...). No entanto, agora que sou avó, tenho confirmado algumas das teorias que achava absurdas. É, com certeza, a experiência a dar sentido à teoria.
Os netos são a possibilidade de mimar, de rejuvenescer, com a tranquilidade segura que a idade conferiu aos avós. Com os netos aprendemos de novo a brincar, recuperamos a magia e, o que acho fantástico!, sem estarmos pressionados pela necessidade de desempenhar exemplarmente o nosso papel de educadores. Os netos fazem-nos olhar o hoje, viver cada instante, ignorar projectos de um futuro que, provavelmente, não nos incluirá. Com os netos, as fadas voltam, e as dores nas costas amenizam-se porque não são um problema. São, apenas, a consequência de muito colo terno!

terça-feira, 24 de julho de 2012

No Jardim das Pinhas

Uma toalha rosa, um relvado enorme e árvores seculares em volta. De vez em quando, rápido, passa um esquilo. Deito-me no chão olhando as nuvens e deixo os pensamentos vaguearem. Cruza-se o chapéu novo da Carlota, com as medidas recentes que a Europa tomou contra a Grécia, as descobertas do Manel, com os absurdos para a educação, a minha existência com as gargalhadas trocistas da Fada Sininho sempre que a Wendy tenta imitá-la. Levanto-me para procurar a Naná, a cadelinha que se perdeu, e deixo rolar para longe as injustiças da minha revolta. Pego no Manel e sentamo-nos no tronco largo da árvore enorme, agora é um navio, e rimo-nos com a Ariel sereia que não sabe voar. À minha volta,  a paz existe, é verde, cheira a flores e traz ninhos na cabeça. Retomo a toalha vermelha e olho os farrapos de nuvens que o vento leva para longe. "quem não viu árvores inglesas, nunca viu árvores!" - e até concordo com o terrível General Beresford... De facto, estas árvores, estes parques verdes no meio na cidade, permitem-nos reparar que o céu existe e que está lá, sempre, para além das copas densas e das florestas negras que, às vezes, nos fazem perder o rumo próprio...

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Férias

Normalmente, este é o tempo da fuga à rotina. Procuram-se destinos diferentes, quem pode corre para a praia e acontecem as festas de Verão, as idas a restaurantes diferentes e as roupas coloridas. Gosto das férias! Gosto de bons lugares, junto ao mar, de caminhar bem cedo na areia, de nadar e de apanhar sol. Às vezes, cai-me a pele. Mas acho sempre que valeu a pena! Porque dava a pele - TODA - para ter férias reais... Para partir para o mar sem a certeza de, ao regressar, encontrar a vida exactamente onde a estacionei!

domingo, 22 de julho de 2012

Shrek

Embora não seja grande adepta de filmes animados, deliro com o Shrek! A história do enorme ogre verde, da bela (ou não...) Fiona, do burro e do dragão apaixonados(o dragão é fêmea! - nada de confusões), leva-me das gargalhadas às lágrimas. O Shrek tem um lema, que canta quando casa com a Princesa Fiona, com o qual me identifico completamente: - Quando encontras o verdadeiro amor, tu já podes ser quem és! Por isso a Fiona fica ogre, não tem de casar com o ridículo príncipe e pode convidar para o casamento todas as figuras de sonho, do Pinóquio à Cinderela! O Shrek fala de coisas de ternura, de cumplicidades e sentires, dos possíveis que os humanos adulteram sempre, indo para além do banal, tecendo pensares para lá do vulgar. Este enorme ogre, de ouvidos em canudo e mãos larguíssimas, mete qualquer príncipe garboso a um canto e, acho eu, é uma excelente companhia para as férias! Acho que gostava de ter o Shrek só para mim...

sábado, 21 de julho de 2012

José Hermano Saraiva

Chega-me atrasada a notícia, apanha-me longe e dedicada aos netos. Cá longe, lembro-me dele. Foi a Portalegre um dia e, da Penha, disse para toda a gente ouvir o que eu repetia sem eco: - Não podiam ter construído um mamarracho em cima da velha muralha do castelo! Disse-o com convicção, sustentado por um saber há muito reconhecido e, ainda assim, ninguém lhe deu ouvidos. Talvez, será?, não seja hábito dar-se ouvidos à razão...
Gostava de o ouvir contar a história, dando-lhe vida, recuperando-a dos livros de estudo, fazendo-a ganhar sentido e trazendo-a para justificar muitos presentes. Lembro os diálogos que ele dramatizava, com expressão própria, fazendo falar as rainhas mortas há séculos.
Agora, o meu país ficou ainda mais pobre. Porque a única riqueza que tem Portugal, hoje, são mesmo os homens de bem, os sabedores, os que sabem que ser sábio é uma construção diária e não um estatudo usurpado...
Senhor professor, obrigada por ter sido português!

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Monstros

Senta-se no meu colo, e pede histórias. Eu começo. Vou inventando, guiada pelas perguntas dele, e surge um leão que, como não sabia rugir, procurou a fada Azul. A fada vivia numa casinha feita de cereais, as janelas eram bolachas de chocolate e a campainha duas pintarolas que, gulosamente, o leão lambeu...E a fada nem se zangou, porque as fadas nunca se zangam. A magia vai crescendo, o Manel vai sugerindo novos passos. Agora o leão ja sabe rugir e, embora seja bonzinho, já é capaz de assustar os homens que o querem caçar. Vem depois um monstro, todo verde, e bate à porta da fada. "Oh avó, os monstros não batem à porta!" - Como vou ensinar ao meu neto que há monstros delicados?!

quinta-feira, 19 de julho de 2012

No céu

Sempre que entro num avião, penso se irá cair. Não tenho medo que caia, acho que não tenho medo de morrer, mas fico com pena de deixar a vida. É um contrasenso, talvez. Mas eu não sei viver a preto e branco...
Desta vez, entrei num voo a abarrotar de gente, aproximam-se os Jogos Olímpicos e Londres é um destino obrigatório, com um livro por companhia e um carregamento de sentires fazendo peso na minh alma. Vou partir. Será que é hoje que não aterro? E se pudesse entrar directamente no céu?...

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Sempre é tempo

Li hoje, numa qualquer revista de actualidades, que a Maria Elisa, a senhora jornalista, casou aos 62 anos e partiu, muito feliz, para a lua-de-mel em Istambul. Não teria dado importância à novidade se não fosse a Maria Elisa, se ela não  estivesse irradiando felicidade, se a senhora não tivesse 62 anos. Tocou-me a verdade das declarações dela, "quis casar porque o casamento faz sentido", e fiquei pensando que a idade não pode ser um obstáculo à tentativa de se ser feliz, que cada um deve, sempre, lutar por aquilo que quer. Fiquei, também, a pensar que ser feliz, na sociedade actual, dá muito trabalho. Tem de se lutar contra uma montanha de chavões e opiniões, enfrentar as verdades alheias e ter cuidado com o tal papel social que, dizem os sociólogos, cada um de nós desempenha no mundo actual.
Que trabalheira!

terça-feira, 17 de julho de 2012

É mesmo verdade!

Corrigir exames é uma tarefa dura, árdua, exigente. Qualquer professor sabe isso. Eu acrescento, contudo, que pode ser uma tarefa traumática...
Foram-me entregues 25 provas de exame de 12º ano, de português, e os meus dias têm sido verdadeiramente infernais (cheguei a pensar que o calor excessivo vinha mesmo do facto de estar metida num inferno). Não é o trabalho que me aflige, estou habituada a ele. O que me apavora é o que leio! Quero crer que tive azar, que as provas que me calharam não são ilustrativas do panorama nacional, mas, ainda, assim, fico angustiada... Que os alunos chamem a uma oração concessiva, conssessiva, que troquem um complemento directo com um sujeito (ou até sugeito) enfim. O mais grave, para mim, são as enormidades que surgem no texto que visa avaliar a competência de escrita do examinando! O tema era actual, a mudança do papel da mulher na sociedade, mas os alunos, jovens na casa dos 17/18 anos (!), pareciam ter sido confrontados com um tema como " A textura do solo em Marte e a sua possível influência nas hormonas femininas!"
Como podem estes jovens participar, votar!, ter opinião, se vivem a anos luz da sociedade que integram?!
Estou a exagerar?
Digam-me que sim!:
"A mulher já  faz hoje o trabalho dos homens e os homens cozinham, até há uns que cozinham muito bem, e por isso há cada vez mais maricas, ou seja gays."
"Os homens e as mulheres, já não são como antigamente, elas já fazem coisas de homens e até eles já fazem a depilação e casam uns com os outros."
"Acho muito bem que as mulheres sejam iguais aos homens mas mais giras. Mas também há homens giros, por isso todos devem ser iguais."
"Antigamente, as mulheres eram escravizadas, mas por causa das guerras mundiais, foram trabalhar para as fábricas e ficaram iguais ao homem, mas mais livres com a minissaia."
" Na pré-história, como se pode ver em Memorial do Convento, as mulheres só serviam para ter filhos e os homens para os fazer. Mas agora tudo evoluiu e as mulheres já são independentes e não precisam dos homens. Trabalham e tudo!"

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Relvas

Eu tinha decidido nada dizer. Porque me parece óbvio demais o que há para dizer, porque me indigna toda a história, porque me envergonha o meu país, porque me revolta a promiscuidade entre poderes, porque a minha desilusão face aos governantes do meu país não tem tamanho.
Quero crer que há excepções - tem de haver! - mas são excepções tão excepcionais (passe o pleonasmo) que tenho dificuldade em vislumbrá-las. Bom, mas eu tinha decidido nem comentar e, agora, venho a texto. E faço-o porque, apesar de tudo, esperava de Miguel Relvas mais respeito pelos portugueses, mais vergonha também.., e nunca pensei que continuasse em funções. Quando a história começou, ainda esperei uma justificação plausível. Agora, já nada é plausível e, por isso, acho um absurdo (para ser suave) que este ministro continue em funções.
Há pouco, na rádio, ouvia Alberto João dizer que vai pedir a certificação para quatro licenciaturas. Podia pedir para cinco porque, em Portugal, a prática continuada da vigarice deve conferir doutoramento...

domingo, 15 de julho de 2012

Vazio

Chega o fim de tarde de domingo, morre o fim-de-semana e surge o vazio. Por antinomia, o vazio faz-se de mil afazeres, do regresso ao trabalho, do cumprimento de obrigações que, sendo nossas, nos são estranhas. É o viver para fora, para a existência, maquilhando dores, disfarçando essências. O fim de tarde de domingo, quando todos partem e a solidão volta, povoa-se-me de memórias e anseios. De receios também. Os impossíveis surgem, como se estivessem atentos, atrás da porta do ser, esperando uma brecha para invadir a existência. E o ciclo fecha-se. Os dois dias de tréguas morrem, e eu enterro-os no jazigo imenso que é a minha memória de afectos.

sábado, 14 de julho de 2012

Necessidade

Não peças paz, segurando a espada
Não peças compreensão, com a guerra armada.
Não exijas troco, quando a conta cresce
Não digas adeus, a quem não merece.
Não apontes o dedo, sem olhar a verdade,
Não escureças o dia, no tempo da idade.

Diz-me só que sim,
ou fica calado,
Aceita-me assim,
mesmo deste lado!

Sei que naveguei
por marés revoltas,
Sei que deixei rasto,
em areias negras,
Sei que me perdi,
 do eterno lastro.

Mas,
Não  digas nada,
Não indagues porquês,
Abraça-me apenas,
agora de vez.

Ou parte para longe,
sem dizer adeus,
sabendo seguro
que eu não sou deus!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Bruxas e Fadas

Eu gosto muito de fadas. Gosto do poder das varinhas de condão, da beleza das figuras voadoras, da possibilidade de se andar com os pés fora do chão. Gosto do sonho, da fé na magia, do carinho e fantasia que as fadas sempre me oferecem. Metaforicamente acho sempre que é essencial que não deixemos de acreditar em fadas! Por oposição, não devia gostar de bruxas... Mas gosto. Gosto da malvadez assumida, do poder dos gatos negros e dos caldeirões, dos cabelos desgrenhados e das gargalhadas sonoras!
Do que eu não gosto mesmo, é das bruxas disfarçadas! Das que aparecem sem aviso, sem razão, escondendo os cabelos desgrenhados sob pomposos penteados artificiais. Estas bruxas, intrinsecamente ruins, surgem sem aviso, não trazem gatos pretos e não usam caldeirões. Às vezes, fingem de fadas e surpreendem-me com a violência com que entram na minha vida!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Água

É, desde sempre, um bem precioso. É, cada vez mais, um bem essencial. A água é cara, é privatizada, é politizada até. Por causa de água mataram-se pessoas, faliram empreendimentos e, pior, morrem crianças diariamente. Agora que o Verão aperta, começam a encher-se as piscinas, a procurarem-se as praias e eu nem imagino o que seja viver sem a frescura do precioso líquido. Por tudo isto, lembrei-me da história da pena de água da velha casa amarela.
Há muitos, muitos anos, aí por volta de 1934, um velho senhor comprou uma pena de água. Pretendia com ela abastecer a casa de campo que ofereceria à neta predilecta, e comprou a água fresca fazendo registo, escritura, e julgando, claro, que para sempre seria proprietário daquela nascente. Morreu convencido disso. (De outras coisas também, mas essas não vêm ao caso). Durante muitos anos, até 2012, a água foi sempre da neta e foi sempre correndo. Bem poupadinha, servia para fazer cantar a fonte (houve até quem gravasse a melodia), para regar a horta e para beber no dia-a-dia. Aquela água, fresca e pura, era a riqueza da velha casa amarela.
Ora, no ano de 2012, ao abrigo não sei de que legislação ou (má) boa-vontade, junto da pena de água, num Restaurante encerrado, numa Quinta que devia ser da cidade, a autarquia resolveu alojar os canarinhos. Não os amarelos, que cantam e alegram existências, mas os amarelos berrante, que bebem muita cerveja, têm carros cheios de luzes e, teoricamente, protegem os civis. Esses canarinhos, nada inhos, nada fazedores de alegrias alheias, não quiseram saber da escritura, do cadeado, sequer da necessidade de preservar o precioso líquido e, sem mais aquelas, rebentaram a fechadura e puseram a água a correr para o tanque próprio. A velha casa amarela, triste, protestou. Nada a fazer. Fosse num país onde a lei existe, tudo seria diferente. Mas, como a história real acontece num país onde nada funciona, o roubo, porque de roubo se trata, ficou impune.
Há histórias terríveis no Portugal de hoje!

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Rita

Diziam-lhe que era a vida. Insistiam que a vida é assim, feita de dificuldades e problemas. Face ao seu desespero, contavam-lhe experiências alheias, lembravam-lhe vidas de santos, valorizavam as dificuldades. Mas a vida era dela e Rita, sozinha, olhava-a com tristeza e fúria. Queria vencer! Queria a paz da segurança, a certeza do agora e a possibilidade do sonho do amanhã. Com ela carregava memórias de afectos, vivências múltiplas, realizações e sucessos, sonhos desfeitos também. Que lhe importavam os fracassos alheios, se não eram seus? Que consolo tinha na vida de santos, se ela não era perfeita? A vida, a sua, os destroços que tentava colar, não a deitavam abaixo. Ia continuar a lutar! Queria muito, e tão pouco... Mas não ia baixar os braços. Estava viva e era o que ia fazer: - Viver! Ia respirar fundo, endireitar a coluna e, na companhia dos seus poetas de sempre, seguir em frente gritando:
 - " Não sei por onde vou,
     Não sei para onde vou
     Sei que não vou por aí!"

terça-feira, 10 de julho de 2012

Rasto

Ao fundo, o mar. Ouvia-o certo, adivinhava a espuma que cobria a areia e deixava-se ficar, numa preguiça consciente, adivinhado a vida a acordar lá fora. As gaivotas grasnavam, loucas sob os primeiros raios da manhã, talvez indignadas com os jovens musculados que semeavam toldos e cadeiras ocupando-lhes o território. A distância, o 23º andar daquela torre onde alugara apartamento, permitia-lhe a enorme vantagem de adivinhar sem ver, de sonhar apenas, eliminando a urbanidade que a irritava. Era mulher de campo sempre, de praia às vezes, nunca de cidades ou multidões. E gostava das férias assim, na praia, na companhia das leituras que o dia a dia impedia. Ia levantar-se, tomar um bom café, comer um pastel de nata (calorias? ), não ler os jornais, desligar o telemóvel e caminhar na areia vendo, rapidamente, desaparecer o rasto dos seus pés descalços. Gostaria também que desaparecesse assim a vida, rapidamente. A sua.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Em lista de espera

Se há coisa que me irrita, e há!, são os gravadores que repetem, entre uma música roufenha, a frase "a sua chamada encontra-se em lista de espera, por favor aguarde!". Por principio, ou por idade?, não gosto de máquinas falantes; mas de máquinas ordenantes, fujo. Pior, é que já me aconteceu ficar em lista de espera, pendurada de um telefone, ouvindo a mesma música repetidamente, mais de 40 minutos. Acabei por desistir, voltei a ligar, e voltei a ficar em lista de espera... Quando, finalmente, uma senhora me atendeu, já me tinha esquecido do lugar para onde ligara.
Pensava, dantes, que as máquinas serviam para facilitar a vida aos homens. Concluí, sem dúvidas, que os homens são tão geniais que até inventam máquinas para lhes complicar a existência! Ele há coisas que nem ao diabo lembram...

domingo, 8 de julho de 2012

Na rua principal

Na rua principal, na avenida, bem cedo, antes mesmo de chegarem os jornais diários, o cego chega e instala-se. Nasceu antes do politicamente correcto, por isso é cego e não invisual. Deve ter nascido também antes dos apoios sociais, porque vive das esmolas de quem passa. O cego senta-se numa cadeira de praia, será que alguma vez foi à praia?, e põe no colo um rádio grande, um daqueles tijolos que, às vezes, estragam tardes de Verão na Costa da Caparica. A sintonia é sempre a mesma, ou serão cassettes?, porque a música alterna entre o fado e o pimba. O cego fica sentado, se Inverno sob um guarda-chuva preto, se Verão sob um guarda-sol de riscas. O cego não diz nada mais do que "obrigado" se calha ouvir cair uma moeda na sua caixa de cadeado. Mais à frente, na mesma avenida principal, deita-se um coxo. Amputaram-lhe a perna esquerda e ele mostra o coto, sujo, as calças cortadas e a camisa nojenta. Foi à guerra. Junto dele, um cão tinhoso, de olhar húmido e triste, pelo destratado e uma lata com água. Se cai uma moeda, o coxo diz "Deus lhe pague" e, acho eu, o cão late baixinho. Ao fundo da mesma avenida principal, com lojas e cafés dos dois lados, fica uma repartição de finanças onde, sempre de coração apertado, as pessoas, aí designadas de contribuintes, entram de olhar fechado.
É neste país que eu vivo. São estas as realidades do meu quotidiano e são muitas, tantas-tantas, as dúvidas revoltadas que me atacam. Contribuo, afinal, para quê? Onde está a segurança social, onde ficam os apoios a quem precisa, porque é que o cego tem de esperar a moeda caridosa e o amputado a esmola envergonhada? Julgo que até o cão faminto compreenderá a angústia e, só para mim, pergunto-me como é possível que haja ordenados de 26 mil euros mensais numa televisão do estado, como podem os nossos deputados dormir descansados, enquanto há portugueses que vivem, expondo a dor, numa rua da cidade.

sábado, 7 de julho de 2012

Não é Cansaço

Não, não é cansaço...

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar.
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

                     Álvaro de Campos

sexta-feira, 6 de julho de 2012

E agora?

Olhava, incrédula, a pauta. 16. E agora? Sentia o sonho desfazer-se e a angústia crescer. Medicina era o seu sonho. Sempre o fora. em criança adorava as pastas de médico, e lembrava-se de a mãe se indignar ao encontrar as bonecas cheias de tintura e pensos rápidos. Para entrar em medicina, estudara sempre e deixara para trás muitas coisas. Ouvia no coração as palavras da profesora de português de 12º ano, "o difícil da escolha é sempre o que se rejeita!", e ela rejeitara saídas, passeios, idas à praia com amigos, para poder estudar, para estar segura da matéria, para poder, um dia, ser a médica que ambicionava. Lembrava-se do fim do namoro, a incompreensão dele, a incapacidade de compreender que, para ela, a entrada em medicina era a primeira das prioridades! Concluira com média de 19 o ensino secundário, integrara sempre o quadro de excel^ncia da sua escola e, agora, tudo ruía. 16 a português e 14 a matemática faziam-na pensar que teria, talvez, a sorte de ingressar no curso de farmácia. Mas ela queria tanto ser médica... O ruído no hall da escola era intenso. Colegas protestavam, choravam, outros festejavam o dez que lhes permitia, diziam, ingressar directamente no desemprego... Ela calava-se. O sentimento de impotência era avassalador. Doze anos de escola, doze anos de trabalho e esforço e, agora, a desilusão. Sentindo-a triste, a professora colocou-lhe o braço sobre os ombros e, numa cumplicidade efectiva, lembrou a hipótese de Espanha. Tão perto, com acesso possível à desejada medicina... Mas ela só via problemas e dificuldades. Sim, os exames eram importantes, ela também os defendia, mas a injustiça prevalecia. Errara onde? Não adivinhara os critérios de correcção?! Uma prova só podia deitar por terra doze anos, escaqueirar sonhos e esfrangalhar futuros? Em Portugal, podia.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O trabalho

Muitas vezes, brincando, digo que trabalho é castigo. Que a culpa foi da serpente, da curiosidade da Eva e da fraqueza de Adão porque, se assim não fosse, ainda viveriamos num paraíso sem necessidade de trabalhar. Mas, obviamente, esta brincadeira só acontece mesmo como anedota, quando o bem estar é muito e as férias sabem deliciosamente. A verdade é que, sem piadas à mistura, o trabalho é fundamental e devia ser um valor importante nas sociedades desenvolvidas. Trabalhar é, também, uma forma de liberdade e, vendo o desemprego crescente, angustia-me e revolta-me ver como o trabalho escasseia, tornando, invariavelmente, seres humanos em escravos de necessidades básicas. Como se não bastasse a falta de trabalho, vem agora o governo português, num projecto que considero obsceno, desvalorizar - MAIS AINDA - o trabalho. Propor pagar 3 ou 4 euros, por hora, a enfermeiros, pagar 5 euros, por hora, a professores, contratar médicos tendo como critério a oferta mais barata, é assinar a decadência total da sociedade. Ao pé deste governo, a serpente do Eden é um bichinho inofensivo... Ela só sugeriu a tentação! O nosso governo vai mais longe: -  legisla e impõe, desvaloriza profissões e diz, afirmando não dizer, que o trabalho, ainda que qualificado, nada vale. Não se aperceberão estes senhores da economia que desvalorizando o trabalho estão fomentando a falta de qualidade, de empenhamento e de desenvolvimento do país?!  Onde fica a dignidade profissional? Um país que não protege nem incentiva os seus profissionais não pode ter futuro!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Pela janela

Abre a janela à noite estrelada e deixa entrar o sonho. Não faz alarde, não traz bips nem se anuncia com jazz. Chega só, e instala-se. Ela sente-o chegar, não o vê, mas dá-lhe espaço na insónia. Repara que as estrelas continuam lá, longe, presas no céu imenso que lhe parece negro.
Olha o sonho com simpatia, afinal, é o seu mais fiel companheiro, e pede-lhe que desfie impossíveis. Ele acomoda-se e fala de memórias - incrível como a memória do Momento o purifica -, fala-lhe de imagens perdidas, de conversas terminadas. Ela pede futuro e o sonho, triste, parte de mansinho.
Fica a insónia, só. E ela. E as estrelas, luzes de caminhos.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Em cima do joelho...

Senhor Ministro Nuno Crato,
Será que lê blogues? Será que tem alguém que lhos leia? Não sei. Mas, considerando o desprezo que tem mostrado pelas novas tecnologias, imagino que nem saiba o que é isso... De qualquer forma, e porque com a crise não quero gastar dinheiro em selos, vou usar o meu blog para lhe dizer o que penso.
Fui uma acérrima defensora sua. Li o "Eduquês" e identifiquei-me, de forma geral, com tudo o que dizia. Quando o soube ministro, enchi-me de esperança! Acreditei que, finalmente!, havia na educação quem soubesse da "coisa" e não meros políticos a prazo. Fui acompanhando a sua acção e gostei de ver como, pensava eu, trabalhava calmamente, pensando, planificando, procurando a mudança sem causar tormentas. Afinal, foi mera ilusão minha! O senhor ministro não tem de facto uma noção real sobre a Educação, o senhor ministro tem é uma série de frases feitas e saberes anquilosados sobre Educação... Hoje, à escola não pode caber, apenas, a transmissão de conhecimentos e a avaliação não pode resumir-se à realização e classificação de exames! Os exames, senhor ministro, não são a salvação da educação!
Mais exames, sim, senhor ministro. Mas, também, mais educação, mais espaço para as artes, mais espaço para "a pessoa que mora em cada aluno", mais espaço para a leitura, para a escrita, para a oralidade. Senhor ministro, faz falta espaço para formar pessoas e não, apenas, para classificar e etiquetar aprendentes. Avaliar tem de implicar ajudar a superar erros e dificuldades.
Senhor Dr. Nuno Crato não consigo, também, concordar com a sua ideia de turmas por níveis. Estaremos a iniciar a discriminação logo aos seis anos? Teremos as turmas dos bons e as dos burros? Como será que se reconhece um adolescente que é integrado na turma de nível dito reduzido? Tem noção, senhor doutor, que os alunos são pessoas e que, muitas vezes, há alunos fracos que evoluem muitíssimo na relação com os seus pares? Sabe, senhor doutor, que ensino individualizado pode acontecer numa turma e não em grupos de diferenças? O senhor ministro tem filhos, decerto de "nível superior", imagine o que seria se lhes dissessem que seriam integrados nas "turmas dos burros"... Senhor ministro, mais exames, sem dúvida que sim. Mas, sobretudo, mais e melhor educação. Mais tempo para os professores estarem com os alunos, mais tempos para desenvolvimento de actividades de enriquecimento pessoal e, com certeza, mais saberes!
Senhor ministro, sou professora há 30 anos. Já tive sonhos, já desanimei, já desesperei, já ousei, já organizei viagens, colóquios, actividades, intercâmbios, experiências. Neste momento, senhor doutor Nuno Crato, peço apenas que me deixem trabalhar e que não surjam mais propostas em cima do joelho...
Com as mais sofridas considerações,
Luísa Moreira