sexta-feira, 29 de junho de 2012

Santos populares

Cheira a sardinha assada, há fitas coloridas nas ruas, as muitas escadinhas enchem-se de alfacinhas e turistas. São os Santos. Os populares! os outros, os eruditos, talvez os que fazem parte do grupo de São Tomás de Aquino, ficam longe, nos altares, nas letras difíceis, olhando superiormente o Santo António casamenteiro, o São João do borreguinho ou o São Pedro das chaves. Assim, nesta hierarquia organizada e bem mantida, vejo reproduzido o mundo: - Uns, mais altos que outros; outros, mais no chão que uns.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Como Se

Quando se viaja, quando se muda de cenário, de cheiros, de temperaturas até, tudo parece ganhar um novo sentido. Ou melhor, tudo parece ganhar sentido. A rotina, essa que nos sufoca e prende, fica longe e à distância nada nos assusta. Quem tem medo do leão que vê na savana, sentado no conforto do seu sofá e podendo, com um clic, mudar de canal?! Longe de casa, também parece que se existe como se se vivesse outra realidade. A mim, de longe, o mundo parece-me quase sempre possível e existir torna-se uma tarefa quase fácil.  Olho as pessoas nas ruas, sempre me surpreendo com a imensidão de chineses captando imagens, e imagino vidas alheias. Às vezes, imagino casais felizes, preparando futuros, sem desconfiarem do futuro e centrados, apenas, no agora que tecem de ternura. Outras vezes, imagino homens solitários, tomando um café enquanto concluem relatórios nos imprescindíveis IPad's. Imagino que já tiveram presentes a dois, noites quentes e sonhos partilhados. Ponho-me a pensar como será viver assim, de um lado para o outro. Gostaria de viver assim? Não creio. Gostaria de viver "como se". Como se não houvesse amanhã, como se não existissem saudades, como se não houvesse passado, como se não houvessem palavras azedas, como se todos os impossíveis fossem verdades.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Poesia - SEMPRE!

Retrato de Mulher Triste

Vestiu-se para um baile que não há.

Sentou-se com suas últimas jóias.
E olha para o lado, imóvel.

Está vendo os salões que se acabaram,
embala-se em valsas que não dançou,
levemente sorri para um homem.
O homem que não existiu.
Se alguém lhe disser que sonha,
levantará com desdém o arco das sobrancelhas,
Pois jamais se viveu com tanta plenitude.
Mas para falar de sua vida
tem de abaixar as quase infantis pestanas,
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.



Cecília Meireles, in 'Poemas (1942-1959)'

sábado, 23 de junho de 2012

Amar

"Há um prazer nas florestas desconhecidas;

Um entusiasmo na costa solitária;
Uma sociedade onde ninguém penetra;
Pelo mar profundo e música em seu rugir;
Amo não menos o homem, mas mais a natureza..."

Lord Byron
 Em Inglaterra, estes versos fazem sentido. Ainda assim, pegando na minha neta, lembro outras ternuras, os homens, e uma frase "Este é o melhor dos mundos que conhecemos!".

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Ecos

Cá longe, chegam ecos de Portugal. Sei que está nas meias finais do Euro, oiço que o Ronaldo marcou golos, dizem-me que a crise continua e que o calor é intenso. Os meus alunos contam-me do exame, de como correu, dos erros injustificados, dos temores da nota. Numa temperatura amena, caminho por entre os campos dos muitos Colégios de Cambridge, ouvindo todos estes ecos que fazem parte de quem sou. Atento nos esquilos rápidos e no verde que podia ser o de Garrett, moço; olho as janelas, largas procurando o sol, onde poderiam morar muitas Joaninhas. Poetas também. Frades, Deus nos livre disso... Olho o verde e lembro as minhas leituras, os romances eternos, os poemas que procuro com muita frequência. Vêm-me de longe ecos de Portugal, mas dizem presente, sempre, as minhas leituras na minha língua mágica!

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Diálogos Difíceis

Tentavam há muito viver juntas e entenderem-se. Eram boas amigas, procuravam ajudar-se a apoiar-se uma à outra. Só que, por mais que tentassem nunca acertavam e, volta que não volta, lá estavam de costas voltadas, cada uma puxando para seu lado. A Razão tentava impôr-se. Falava de possibilidades, dava exemplos concretos, ditava regras; a Emoção sorria e falava de prazeres, de sentires e descobertas, de prefixos in/m que pretendia eliminar com ternura e afectos. Às vezes, muitas vezes, a Razão irritava-se! Porque não via a Emoção o que era óbvio? - Afectos, ternura, compreensão, carinho, cumplicidade, não enchem barrigas nem dão felicidade. A Emoção ripostava, inflamada, de olhos brilhantes e húmidos: - Antes uma barriga vazia do que um coração oco! Antes um abraço quente, do que um aquecimento central! A discussão acendia-se e o entendimento tardava a chegar. Encontrei-as por aí, na dialéctica constante, e sentei-me com elas conversando. Também os meus olhos ficaram brilhantes e húmidos. É que há tantos impossíveis nesta relação obrigatória...


quarta-feira, 20 de junho de 2012

Coisas de British

Compram duas bananas, três batatas, um tomate, duas peras, dois ou três comprimidos de acordo com as necessidades. Não quilos! Não caixas! Fazem fila constantemente, ordeiros, lendo um livro enquanto esperam... Lêem nos autocarros e, ao sair, agradecem simpaticamente ao motorista desejando-lhe um bom dia. Senhores e senhoras, de gravata ou vestido de noite, pedalam nas suas bicicletas de um lado para o outro, com flores nos cestinhos e calças presas com molas. Nos jardins fazem pic-nics mal o sol espreita e raramente ousam tocar a buzina. Hoje, na caixa de correio, encontrei uma informação urgente. Dizia: - "Pede-se aos moradores da zona que não dêem pão aos patos porque estão (os patos!) a ficar com peso a mais. Se quiserem alimentá-los, podem dar ervilhas congeladas, descongelando-as primeiro, ou milho, desde que não cozido." Disse ao meu neto que já não poderemos mais ir dar migalhitas aos patos, esperando um dos seus protestos veementes, mas fui surpreendida com a sua concordância, dizendo  até que já viu um pato big fat!
Estes ingleses são doidos. Ou seremos nós que esbanjamos continuamente?!

terça-feira, 19 de junho de 2012

24 Horas

As horas marcam o Tempo. Marcam-no com rugas, com passagem célere, com ausências também. Mas, às vezes, a ternura e a renovação fazem-se sentir e gravam-se no calendário. Os afectos, para mim, são verdadeiras marcas no tempo e, hoje, são as 24 horas da Carlota que marcam o meu tempo, a minha existência, a minha essência também. Com o Manuel Bernardo às minhas cavalitas, espreitando os patos no Cam e conversando muito, este é o Tempo com sentido!

segunda-feira, 18 de junho de 2012

A Carlota

Chegou com data marcada, hora certa e grande ansiedade de quem a esperava. A Carlota é a minha segunda neta, um bebé calmo e de olhar curioso. Pego-lhe e olho-a fundo. Acredito que é nestes momentos, logo nos primeiros tempos de vida, que se criam laços definitivos e quero muito, MUITO, criar com os meus netos laços e cumplicidades efectivas. A pequenina Carlota parece compreender a minha emoção e segura, com uma mão minúscula, o meu dedo tremente. É mais um projecto de mulher chegado a um mundo que, apesar de muitas quotas, ainda é muito dos homens. Vai ter de ser forte para se impôr!
A minha neta vai crescer num ambiente estranho para mim, num país que fica longe, com tradições bem diferentes das minhas. A minha Carlota não vai comer a primeira refeição na varanda da Serra, não vai aprender o nome das igrejas que se vêem lá de cima, não vai adormecer, nas noites de Verão, ao som dos concertos das cigarras e das ralas. A Carlota vai ouvir os sinos de Westminster, vai aprender a respeitar a rainha e, espero eu, vai construir um futuro que exigirá conciliar ausências e viveres. A Carlota, agora o bebé que, no meu colo, toda cor-de-rosa, recusa a chupeta, vai ter de ter força para vencer. Olho-a desejando-lhe toda a felicidade do mundo! Que a minha menina aprenda sempre a ternura, a magia do pôr-do-sol, o sabor do carinho, a importância das teias de cumplicidades que se tecem a cada dia.
Bem-vinda Carlota!

Certezas e ilusões

Quanto mais velha fico, e fico mais velha todos os dias, mais me surpreendem as pessoas que se gabam de nunca mudar de opinião. Fico espantada, e o direito ao espanto ainda não foi tributado, quando oiço alguém afirmar: "sempre ensinei assim, não é agora que vou mudar", ou "eu penso assim e não me interessa o que digam, nunca mudarei a minha opinião", ou "digam o que disserem, eu acreditarei sempre no mesmo"... Claro que de nada serve o meu espanto. Aliás, de nada serve a minha opinião. No entanto, não consigo deixar de expressar a minha incompreensão perante os detentores de saberes e verdades absolutas. Deve dar-lhes, imagino, uma segurança e uma paz incríveis! Curiosamente, não os invejo.
A mim, acontece exactamente ao contrário. Mudo de opinião se mudam os factos, tenho imensas dúvidas sempre e não possuo nenhum código de vida que me diga, sempre, o que dizer, pensar ou sentir. Mudo de cidade, muda a paisagem, mudam os meus sentires. Saio da Serra e, junto ao mar, sinto uma leveza nova, uma vontade, incontrolável quase, de ser feliz! Chego a Inglaterra e as cores, os linguajares, tornam-me outra também.
Mas, feliz ou infelizmente, não é só o exterior que mexe comigo. Já acreditei em muita coisa, grandes verdades, que hoje  vejo como falsidades. Amores eternos? Cumplicidades efectivas? Governos preocupados com as pessoas? Justiça? Já foram, para mim, dogmas. Hoje, são ilusões.
E, ao contrário da velha canção, "Não é bom viver de ilusões!"

domingo, 17 de junho de 2012

A Poesia

Verdade



A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Carlos Drummond de Andrade



sábado, 16 de junho de 2012

Nova jornada

Mais uma vez, partia em viagem. Fazia-o com frequência, sempre procurando ajudar os países mais pobres, sempre querendo ouvir e dar colo aos mais fracos. Estivera na Índia, no Islão, na Síria, em muitos países africanos e, agora, chegava à América latina. Para ajudar trazia, apenas, a sua competência de médico aliada a uma rede de contactos que lhe permitia, com relativa facilidade, desnudar hipocrisias sociais e políticas. Se tinha medo, perguntavam-lhe muitas vezes. E admitia que sim. Muito medo! Não medo de balas perdidas, de facadas desesperadas, mas medo, medo até físico, de verdades totais e cimentadas em vazios absolutos. Temia aqueles que sempre opinavam, que sempre criticavam, que constantemente apontavam o dedo como se fossem detentores de uma razão desumana e, por antinomia, irracional. Esses, os que sempre viviam julgando e condenando, assustavam-no. Muito! Porque os conhecia de sempre, de antes de ter iniciado a sua peregrinação pelos mais fracos, de quando era casado, tributável e tido como responsável. Um dia, à verdade dos outros, decidira voltar costas e, agora, percebia como o mundo seria mais fácil, mais humano, sem dúvida mais terno, se, em vez de condenação constante, vigorasse a compreensão. Qual é a verdade do faminto que rouba pão? O crime? Qual é a verdade da mulher sozinha que procura protecção masculina? A condenação? Qual é a verdade do homem poderoso que compra filet mignon para alimentar os cães treinados que o protegem? A glória?!
Ao sair do avião sentiu a força do vento quente, a humidade do ar a colar-lhe a camisa`ao corpo. Ia começar uma nova jornada...

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Aprendizagens

 O tubarão é vegetariano, o lobo é bonzinho, a mãe da Cinderela não morreu, ninguém atirou o pau ao gato, raposas e galinhas são amigas íntimas e os pavões abrem as penas lindas sempre que vêem uma pavoa-menina muito linda. Vêem muitas... É assim que o meu neto brinca, sem maldade, sem zangas, numa harmonia que, infelizmente, só existe no coração dele! Entro na brincadeira e ponho o leão a conversar com a gazela para fazerem uma corrida, levo o tubarão a nadar com os peixinhos e aprendo que o tigre é muito amigo de todos os outros animais.O Manel Bernardo tem dois anos, vive num meio especialmente terno e é acarinhado por todos. Brinco com ele, alinho na bondade colectiva, e tremo. Porque ele vai crescer e, depressa demais, vai descobrir que os bichos se comem uns aos outros.
Mas o que mais me angustia, é que ele vai ter de aprender que também os homens se comem uns aos outros, que a compreensão está em falência, que não só a necessidade de sobrevivência provoca violência...

quinta-feira, 14 de junho de 2012

De longe

Eu não existo sem você

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você
Vinícius de Moraes

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Partindo

Soneto da separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinícius de Moraes

terça-feira, 12 de junho de 2012

A Cada Dia

Tem pés de algodão, abraço quente, palavras com açúcar e cheira a mar e canela. Às vezes, entra de rompante, chega a ser inoportuna, e molha o olhar tornando (estranho?) mais clara a realidade. Gosto quando a ternura entra assim, de repente, na minha vida. E sinto saudades dela quando, por absurdo, anda por fora, ausente, tempo demais. Quando a Serra acorda abraçada no edredon de nuvens fofas, os melros saltitam no parapeito da minha janela e os cães se espreguiçam de pernas para o ar, sinto a ternura por perto, real, feliz por não precisar de mão humana. Porque ela faz parte da vida e a vida, de certeza, é uma coisa boa e bonita para ser gozada com alegia e espanto - o espanto inicial e eterno - a cada acordar.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A gaivota

Era uma vez uma gaivota que queria ser pomba. Era uma vez uma gaivota que achava não servir para nada. Era uma vez uma gaivota à beira-mar. Era uma vez uma gaivota com muitas amigas. E era uma vez uma pomba que virou cabidela (coitada!). E, por causa disso, era uma vez a mesma gaivota contente por ser gaivota!
Era uma vez, uma sala cheia de meninos e meninas a brincar com livros e estórias. Era uma vez uma estória real, com afectos e ternuras, com olhares nervosos e vozes afinadas, com  leituras bem pontuadas e grupos coesos. E... era uma vez uma professora Luísa com os olhos a afogarem-se! Era uma professora Luísa com o coração azul: - Azul da cor das letras ternurentas que enchiam um livrinho de bem-querer.
E, antes do ponto final, era uma vez um post, num blog, com um OBRIGADA enorme e uma fé renovada nas aprendizagens...
Era uma vez, ainda, duas professoras boas navegadoras, com mapas cheios de letras de descobrir leituras, com estradas para a alegria!

domingo, 10 de junho de 2012

Dia de Portugal

Propositada e conscientemente, vou deixar de lado as coroas de flores, os Jerónimos, as condecorações, os discursos de circunstâncias e o repetido (e gasto) modelo oficial das comemorações do Dia de Portugal. Com mais ou menos cagadelas dos cavalos (lindos) da GNR ali no Jardim de Belém, tudo se repete desde que me conheço sem que, creio, algo tenha mudado por causa disso. Deixá-los pois, a esses que são políticos, nas suas festividades engravatadas, fechados nas sua conversas de surdos.
Dia de Portugal! Dia para lembrar um país que, a cada dia, entristece e murcha.
Camões, no Canto X de Os Lusíadas, dizia "Não mais, Musa, não mais (...)", num lamento cansado, não de elogiar os grandes, mas de cantar a gente surda e endurecida. Quatrocentos anos depois, Pessoa terminava a Mensagem com um apelo "É a Hora!".  Pelo meio, Eça desnudou este país de hipocrisias e imitações, Camilo retratou a essência deste povo que somos nós, e o país continuou, cantando e rindo, na sua caminhada para o abismo. Aconteceu a Revolução, festejámos a Liberdade, logo nos deixando prender nas teias das dependências; veio a Europa, um mundo de oportunidades (?) e vimo-lo como um financiamento a loucuras individuais. Sucederam-se os governos, manteve-se o circo.
Hoje, em 2012, talvez fosse pertinente olharmos Portugal através das letras dos nossos autores - os Grandes - e refazermos um percurso que, penso eu, exige um olhar muito atento às cartas de navegação.
Dia de Portugal! Dia de esperança, quero crer, mas, obrigatoriamente, dia de seriedade e de olhar no presente em vez do eterno futuro adiado. "É a hora!"

sábado, 9 de junho de 2012

Saudades Impossíveis

Era sempre assim. No seu caso, escritor viajante, a verdade popular vingava- o hábito  não fazia o monge - e sempre lhe custava dormir em camas de hotel. Dormia fora de casa muitas vezes, se fizesse uma estatística, prática tão em moda, concluiria que, de certeza, seria superior a percentagem de noites passadas em camas estranhas. Mas, ainda assim, nas primeiras noites (que às vezes eram únicas) não conseguia que o sono chegasse retemperador. E ali estava, de novo, ouvindo o mar ao longe, com a janela aberta, esperando o dia e revendo a vida. Lembrava-se das noites dormidas no deserto, da fogueira enorme, do céu luminoso e incrível, do frio que, subitamente, sucedia ao calor do dia. Decerto as noites no deserto eram especiais. Para ele, eram as noites onde agradecia aos deuses a insónia longa.
Hoje, o mar substituia a areia, o céu era outro, os ruídos também. Resistindo ao cigarro, tinha mesmo deixado de fumar, foi até à varanda. Ao longe, lá em baixo, circulavam ainda carros, os últimos da noite, adivinhando-se gargalhadas e boa disposição. Um vento leve, morno, abraçava-o trazendo-lhe lembranças de outros abraços... Mas não queria cair na nostalgia e não ia deixar-se levar por saudades impossíveis. É que, muitas vezes, há saudades impossíveis.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Leituras Diferentes

Epístola de S. Paulo aos Coríntios:
"O amor é paciente, é benevolente; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se envaidece. Não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba; agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor; mas, destes três, o maior é o amor."

Ouvi, e marcou-me.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Homenagem

Há pessoas que nos marcam, positiva e negativamente, e há pessoas que admiramos. Eu admiro algumas pessoas, pela coragem, pela ternura, pela força, pela contribuição à minha própria existência. Admiro homens e mulheres. Admiro Churchill, a Dama de Ferro, Martin Luther King, etc. E admiro, cada vez mais, Helena Sacadura Cabral. Admiro a força desta mulher que, depois de ver morrer um filho, lança um novo livro e, sorrindo, afirma: "Faço o que o Miguel gostaria que eu fizesse, continuo vivendo!". Esbarrei com esta frase numa revista vulgar e fiquei com ela gravada dentro de mim. Conheci pessoalmente o Miguel Portas e, embora discordando completamente da sua visão da política, gostei da força do seu discurso e da honestidade das suas convicções. Como muita gente, lamentei a morte dele que achei abrupta e injusta. Mas é a dor da Mãe que mais me toca. Porque sou Mãe? Porque sou mulher? Acho, sinceramente, que é apenas por ser pessoa... Helena Sacadura Cabral é um exemplo e eu admiro-a.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O Jantar

Que eu gosto do mercado municipal da minha terra, já é sabido. É um espaço recentemente requalificado, com identidade, com cheiro e calor próprios. Ontem, mais uma vez, o mercado serviu para acolher momentos especiais... Foi lá, numa noite quente e grávida de chuva, que me despedi de um grupo de jovens que vi crescer durante três anos. Foi um jantar às vezes temperado com o sal de algumas lágrimas (minhas), nem sei bem se por já ter saudades deles, se por temer o futuro que os aguarda. Estes miúdos chegaram às minhas mãos, salvo seja!, tímidos e reservados, ansiosos e sedentos de crescer. Saem, agora, quero crer que mais competentes, mais adultos, mais conscientes de si mesmos. Não sei como será o amanhã, mas desejo a estes miúdos tudo de bom. Boa sorte, e muito trabalho: - Ana (três!), Filipa, António, Miguel (dois), Carlos, Bruno, Luís (dois), David, Neuza, Nuno, Leonardo, Rita, Mónica, Cátia, Inês ( a vegetariana), João, Rodrigo!!

terça-feira, 5 de junho de 2012

A Rainha

Tenho uma enorme admiração pela cultura inglesa. Concordo que os ingleses, os aristocratas, são altivos, convencidos de si mesmos, de nariz empinado, mas, ainda assim, gosto deles. Londres é, sem dúvida, uma das minhas cidades de eleição, um lugar onde sempre volto entusiasmada e feliz. Gosto do cheiro do Tamisa, do frio, dos parques extensos, dos esquilos atrevidos, da mistura de civilizações que sempre enche Picadilly Circus, do café bebido no Swan, das caminhadas na Regent Street observando (apenas observando....) as mil lojas tentadoras.
Por tudo isto, e mesmo ignorando um pouco as razões emocionais que sempre me fazem voar para Inglaterra com o coração aos pulos, acompanho com interesse a vida da família real. Confesso que chorei com a morte de Lady Di, que tive vontade de abraçar aqueles dois meninos bem vestidos e infelizes que viam enterrar a mãe, que me comovi com o casamento de William (acho a Kate uma jovem fantástica) e que a rainha me impressiona pela coragem. Não deve ser fácil atravessar tantas crises, no país e na família, e seguir olhando com total entrega para o seu povo. O Jubileu veio mostrar que os ingleses gostam da sua rainha, da família real, da tradição que faz daquele país um mundo de sucesso, dos ingleses um povo fleumático mas com identidade. Gostava de ter estado nas margens do Tamisa vendo o cortejo de mais de mil barcos. Mas gostava, sobretudo, de poder dizer pesoalmente à rainha que a admiro. Que, embora chocada às vezes com a sua (aparente) frieza, admiro o seu trabalho e a vida que construíu. Porque admiro aqueles, mulheres ou homens, que conseguem dar aos outros o que de melhor têm.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Avaliação

Os exames estão a chegar, o ano lectivo a terminar e as avaliações começam a atormentar-me. Nunca me habituarei à pedinchice das notas, ao "setôra dê lá!" como se de rebuçados se tratasse. Passa-se um ano a trabalhar, ou não..., e, no fim, a avaliação é vista pelos alunos como se dependesse, apenas, da vontade do professor. Como mudar esta mentalidade? dizem-me que com o tempo... Mas eu vejo o tempo passar e as coisas a manterem-se iguais! Julgo que esta situação só se alterará quando a avaliação se centrar na auto-regulação das aprendizagens, no carácter mais formativo do que sumativo, no encarar do erro como forma de aprender e não de punir. Detesto esta fase do ano! Detesto ver os meus meninos infelizes mas, honestamente, detesto mais ainda constatar a idiotice que os ataca...

domingo, 3 de junho de 2012

Os heróis

No decorrer do programa de português do 12º ano fala-se dos heróis. Lembram-se os construtores da nacionalidade, os reis que matavam mouros às centenas, os que morriam pela palavra dada, os que partiam (e os que ficavam) durante a epopeia dos descobrimentos, o jovem D. Sebastião que ainda hoje tanta falta faz... Fala-se, também, nos anti-heróis, claro. E comentamos que se pode ser herói e maneta, (o Baltasar de Memorial do Convento não tinha a mão esquerda), que para se ser herói o aspecto exterior não tem nenhuma importância.
Ora, ontem mesmo, concluí que não falei verdade aos meus alunos! Não lhes disse que, hoje, os heróis usam calções, dão autógrafos e falham golos; não lhes disse que o importante é mesmo a imagem exterior, a aparência, o marketing feito em torno da "coisa". Foi isto que aconteceu, e está a acontecer, com a nossa selecção! Com os nossos heróis. Compreendo que é preciso distrair-nos de um quotidiano trágico, de um futuro aterrador, mas, acho eu, não era preciso exagerar tanto com o futebol.
O país parece louco em torno dos jogadores, as televisões fazem constantes directos, a marginal pára para que corram os portugueses  pela selecção. Não deveria ser a selecção a correr? A jogar? A marcar golos?! Estes jovens jogadores, de fato de cerimónia desenhado pela Fátima Lopes, deslocando-se de Ferrari, são os heróis dos nossos dias.
Como Matilde de Melo, em Felizmente, há Luar!, apetece-me perguntar se não seria mais fácil, mais justo, mais humano, ensinar aos nossos filhos, logo de pequeninos, a cuidarem mais do fato do que da alma?...

sábado, 2 de junho de 2012

Socialmente Incorrecta

Sinto-me marginal. Eu não faço parte desta sociedade e, às vezes, dou comigo num cantinho da vida social, sozinha, como se fosse um bicho assustado. É que eu, pensando bem, não faço parte do que socialmente é tido como certo... Eu como carne (adoro um bom bife de vaca, alto, mal passado - hummmm), não gosto de multidões, não me sinto bem com o turismo de massas, sou heterossexual, gosto imenso de tourada, acho que as pessoas são todas diferentes, não aprecio arte moderna feita com restos e lixo, não vibro com a selecção, gosto de caça, chamo drogados aos toxicodependentes e velhos aos idosos, acho uma pirosice as festas dos globos de ouro e, de uma forma geral, acho ridículas todas as figuras de jet set nacional. Para complicar as coisas, sou contra a liberalização do aborto, tal como ela existe em Portugal, e defendo que os casais homossexuais não devem adoptar crianças. Também não gosto de um estado todo poderoso e dono de mim e a Liberdade é-me essencial. Eu sou marginal! E agora?

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Dia da Criança

Enchem-se os parques, os jardins, para os condenados ao urbanismo enchem-se também os Centros Comerciais. As crianças felizes ganham presentes, riem, brincam, são, pelo menos por um dia, o centro do mundo. as outras crianças, as infelizes, olham de longe, não compreendem, pedem nas ruas, desejam colo e não riem sempre. São estas crianças, que em portugal são cada vez mais, que me preocupam. Conheço muitas crianças assim: - sem colo, sem afecto, sem mimo, sem pão, sem tempo. Olho-as e leio-lhes a tristeza indizível sentindo doer a minha culpa. Porque TODOS temos culpa! Porque não deviamos poder dormir descansados enquanto uma criança sofresse. Pessoa disse que "o melhor do mundo são as crianças" e, cada vez mais, concordo com ele. Penso nas minhas crianças, nos meus netos fantásticos e felizes, nos meninos que descobrem a leitura encantados e eufóricos, nos meninos que dormem agora sonhando com o Peter Pan. Mas penso, muito, nos meninos tristes que nem sabem que o Peter Pan é amigo da fada Sininho!
É o dia da Criança e eu desejo que para todas as crianças exista a magia do sonho!