sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

As passas

Comprara-as no início do mês, pensando fazer um bolo quase inglês, com noz e passas sultanas, na velha forma do tempo em que em casa se faziam verdadeiros bolos ingleses.
Os dias foram passando, os afazeres sempre muitos, e o bolo foi sendo adiado. Talvez amanhã, talvez no fim-de-semana, talvez na sexta-feira de tarde, e nunca o bolo a ser batido e enformado. Por isso, agora, na Noite das 12 badaladas, tinha-as ali, fechadas no saco, prontas para serem contadas. Colocou-as no pires da chávena do café e levou-as para a mesinha de cabeceira. Instalou-se na cama, almofadões confortáveis, o Rodrigo Leão tocando para ela, um livro cheio de sentires, e preparou-se para saborear as passas à hora certa. Para ter dinheiro todo o ano, rezava a tradição. Só esperava que o sono a não atraiçoasse e não adormecesse antes da hora...

Fim de Ano

Supermercados cheios, salões de beleza sobrelotados, réveillons esgotados. A conversa centra-se na noite que se avizinha, no lugar onde comer as passas, na música, na roupinha melhorada. É sempre assim, todos os anos, como se a humanidade fosse atacada por uma loucura contagiosa.
Acredito que é uma noite de festa porque vale a pena assinalar o tempo que passou, mal ou bem venceu-se; creio que é também a ocasião de acreditar (?) numa nova oportunidade - afinal, estão a chegar 365 dias novinhos em folha, prontos a estrear!! Apesar de compreender a euforia, o gosto pelos festejos, não consigo alinhar nesta festa de calendário. Admito que basta o facto de ser "obrigatória!", ditada pela data, para me apetecer não alinhar. Gosto mais do acaso, das festas que surgem sem grandes avisos, das que acontecem em ambientes mais íntimos, mais personalizados.
De qualquer forma, hoje, com o fim de 2010 a chegar, experimento um certo alívio. Sei que pouco melhorará em 2011, provavelmente só piorarão as condições de vida, mas estou satisfeita por deixar para trás um ano que vivi com mil experiências intensas. Dolorosas umas, sublimes e fantásticas outras.
Agora, olhando a lista de festas e lugares de réveillon, dou graças ao luxo de poder olhar o final de 2010 na minha tranquilidade...

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Em branco

Um olho no meu novo livro, muito bom!, e outro na televisão, fui seguindo o debate entre os dois principais candidatos à Presidência da República. Tenho tanta pena, tenho mesmo!, que o dr. Manuel Alegre se tenha candidatado...Tenho pena porque gosto da poesia dele, de alguma prosa também (Cão como nós é um livro marcante), da força das palavras a que consegue, escrevendo, dar sentido, e, por isso, custa-me vê-lo a fazer figuras tristes. Muito tristes mesmo. Achei paupérrimo o seu discurso, ocos os argumentos, feito de coisa nenhuma o projecto. O adversário, com aquele poder estranho de ser dois-em-um, ora é Sua Excelência o Presidente, ora é, como a Judite de Sousa insiste em chamar, o candidato Cavaco Silva, também não me convenceu. Apresentou-se com uma postura de superioridade que me irritou. Como se estivesse acima do mundo, como se não tivesse também muitas culpas no estado a que chegou o país. Achei infeliz o tom e deprimente a afirmação da caridadezinha que afirma praticar e defender. Sempre me pareceu que nunca soube assumir posições, que andou nos nins com execessiva frequência durante estes 4 anos, e durante o debate confirmei a minha opinião: - Este homem não tem garra, não tem força, para ser o Presidente deste triste Portugal!
Ontem, ouvi Manuel Alegre afirmar que a liberalização do aborto e o casamento homossexual são marcas do desenvolvimento social (apetecia-me telefonar-lhe a insultá-lo, mas isso não seria democrático). Obviamente, eu discordo que o crime possa, em alguma circunstância, significar desenvolvimento; mas o candidato Cavaco, ou seria o Presidente?, manteve o nim, afirma promulgar mesmo o que condena, justificando-se com afirmações que não me parecem válidas.
Ontem, fiquei definitivamente convencida sobre o sentido do meu voto no dia 23 de Janeiro. Vou votar em branco!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ímpar

Não era de porcelana, nem de loiça chinesa, nem de cristal sequer. Mas era robusta, jeitosa até, com um corpo bojudo e que se adaptava muito bem a todas as mãos. Talvez por isso, era constantemente utilizada. Pegavam-lhe para beber chá, para saborear canja ou consomé, para o leite quente antes de adormecer e até, embora raramente, como medida para fazer arroz doce. No armário, onde a depositavam bem limpa, não tinha par. Era ímpar, diziam. Não tinha já nem pires, há anos o tinham quebrado. Era uma chávena sozinha, sem meia dúzia sequer, resistente, usada, e nunca com direito a lugar de honra. Hoje mesmo, fora assim. Vira sair as chávenas finas, todas emparelhadas, pires e até açucareiro!, para a mesa da Consoada. Até os copos de pé alto, os peneirosos, tinham tido direito a carícias com pano branco, indo, depois, brilhar junto às velas da mesa natalícia. Ela, pelo contrário, ficara no canto, ignorada, esquecida. Ímpar! Porque assim, sozinha, sem par, destoava na mesa de festa e, claro, ninguém se lembrava de como era fácil de segurar quando cheia de chá gostoso...Era tão aborrecido ser ímpar!!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A Minha Criação do Mundo

Deus, o Ser Criador da humanidade, fez a terra, os rios, o mar, as plantas, as montanhas, as aves e os animais terrestres e marinhos. Não fez os peixes porque, com tanta água, eles fizeram-se uns aos outros sozinhos. Obviamente, ficaram prejudicados porque não tiveram direito a memória…
Um dia, olhando do Céu a sua obra, Deus achou que era uma pena que não houvesse um ser inteligente para, com Ele, gozar daquela criação. Como artista, Deus pegou em barro e moldou o homem. Achou uma criação interessante, gostou do pormenor daquele bocadinho pendurado e suportado por apenas duas bolinhas que, cuidadosamente, marcou com risquinhos rugosos. Como o boneco não mexia, o Criador soprou-lhe o hálito divino e o homem ganhou vida. Deus, lá do céu, começou a divertir-se observando as reacções do homem na terra e, aí, começou a sua desilusão!: - O homenzinho não cheirava as flores, não se espantava com o adormecer do sol, não olhava as fases da lua, não bebia a água nas nascentes, não mergulhava no mar, não chorava com o amanhecer tecido de vermelhos alaranjados. Então, com alguma surpresa indignada, Deus pensou: - Como pude eu, o Criador de tanta beleza, criar um ser tão incompleto, tão cheio de falhas e lacunas? Como deixei aquele abanico pendurado?!  Isto, sem dúvida, foi apenas o meu borrão, o meu rascunho, o meu ensaio. Agora, está na hora de criar a obra-prima!
Esmerando-se, aproveitando o sono do homem, espantado por o seu borrão dormir de boca aberta e perturbando a paz nocturna com sons cavos e incomodativos, Deus criou a Mulher: - Dotou-a de sensibilidade, de emoções intensas, de coragem ilimitada. Deu-lhe a possibilidade de chorar perante o adormecer do sol, de distinguir o cheiro das diferentes flores, de colher malmequeres para colocar nos cabelos. Retirou-lhe as bolinhas incómodas, deu-lhe bolas lisas, pintadas de chocolate tentador que colocou em lugar de destaque, ofereceu-lhe o dom do prazer e encheu-lhe o corpo de fibras sensíveis. Este ser, sozinho, descobriu a gargalhada, a ternura e o toque. Então, realizado, Deus contemplou a sua obra-prima e decidiu não eliminar o borrão. O contraste lembrava-lhe que, em termos de Valores, os contra-valores fazem falta. Deus chorou com a grandiosidade da sua obra-prima e, creio, foi aí que alguém inventou a história do dilúvio. Afinal, não era um castigo. Era Deus chorando de felicidade e preparando a fertilidade da terra para, renovada, aceitar a sua obra-prima!!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Conto de Natal

Da janela olhava o branco e ouvia, sempre quando nevava ouvia, o Poeta Augusto Gil "batem leve, levemente, como quem chama por mim (...)". Não. Ninguém batia, ninguém chamava por ela.
Tinha escolhido aquele lugar isolado, num país de língua diferente, com cheiros novos, paisagens que sempre a encantavam, para viver o Natal. O seu Natal! Não queria sentir as presenças das muitas ausências que doíam, não queria ser o número ímpar nas muitas Consoadas para que fora convidada, não queria ficar em casa olhando a infância retratada dos filhos, a árvore de Natal cansada ou o Presépio simples que fizera, religiosamente, antes de partir. Queria viver o Natal da sua solidão na companhia de projectos.
Olhou a cabana de montanha, o fogo aceso, o cheiro a madeira, a cama excessivamente larga coberta com um edredão branco. Tinha arrumado já a roupa de neve e, enrolada no velho robe que nunca dispensava, instalou-se, enroscada no sofá alheio, olhando as chamas e saboreando o licor que tinha encontrado, com frutos secos, em cima da mesa. No parapeito da janela larga, o Menino olhava-a das palhinhas e a Virgem baixava os olhos, ternamente, para Ele. Sacudiu a melancolia que ameaçava instalar-se, prometendo não ceder e gozar aquele primeiro Natal sozinha em paz e conforto. Os filhos estavam bem, com as famílias, telefonar-lhes-ia mais tarde, e ela também estava bem, ali, "será chuva?, será gente?", na sua paisagem de eleição. Fechou os olhos e lembrou a velha casa de infância, as cantigas ao Menino, o perú morto a encher a mesa da cozinha. Viu os irmãos correndo, a lareira da sala carregada de lenha, e ouviu o Pai a garantir que o Menino Jesus só chegaria pela meia-noite mas, como vinha com muita pressa, ninguém podia vê-lo sequer. Quantas vezes repetira ela mesma essa história aos filhos?...
Este ano, desejava que o Menino não estivesse apressado, que não passasse correndo e tivesse tempo para sentar-se com ela, enroscado no sofá, provando o licor gostoso. "Gente não é certamente, e a chuva não bate assim...". Acordou sobressaltada. Batiam mesmo?! Alguém batia à porta da cabana?! Seria um empregado do Hotel? Com dificuldade, sentindo o corpo entorpecido, arrastou-se até à porta. Era ele, o Menino! O desejo feito realidade!! Abraçou-o com força rezando um obrigada, Meu Deus, por deixares que ao menos os Contos de Natal terminem bem!!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Zero Graus

Frio. Muito frio. Frio na pele, no rosto, na alma também. Frio de zero graus, de céu limpo, frio que nem a lareira, bem carregada, conseguia afastar. Sentou-se junto ao lume, pernas cruzadas, enrolando-se num novelo só, sem fazer nada mais do que desfiar memórias, sonhos, saudades e projectos. No colo, o caderno grosso, de folhas fortes, onde se viciara nos registos. Registos daquelas pequenas coisas que, dizia Umberto Eco, fazem cumprir a vida. Apetecia-lhe escrever, com a caneta de tinta  castanha, vendo as folhas encherem-se com a sua caligrafia feia - diziam - mas pessoal - achava.
Consciente e deliberadamente, mantinha o velho gosto pelas folhas e cadernos, pelas canetas de tinta permanente, pela escrita que podia guardar fechada numa gaveta. A escrita que não era moderna, não fazia blogues, que não partilhava com ninguém. Ou, melhor, a escrita que partilhava consigo mesma, numa relação de eu com eu, e onde ninguém opinava. Era bom estar de bem consigo, na paz quente de um Dezembro gelado.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Sá Carneiro

Não é de Mário Sá-Carneiro que me apetece falar. Até podia ser, porque gosto da sua poesia, da dualidade construída "eu-não-sou-o-eu-nem-sou-o-outro", da loucura, da diferença. Gosto das cartas que trocou com Pessoa e gosto de ouvir a Adriana Calcanhoto cantar a poesia dele.
Mas, agora, o Sá Carneiro é o Francisco, um dos fundadores do PPD, esse mesmo que morreu (penso que foi assassinado) juntamente com Adelino Amaro da Costa. No dia em que ele morreu vinha eu de Lisboa, conduzindo, com o meu Pai ao lado, e ouvimos a notícia perto já de Portalegre. Lembro-me, estranhamente?, de cada fracção de segundo desse momento.
Para mim, Sá Carneiro era uma referência, um sonhador e, sobretudo, um homem determinado e corajoso. Para além dos ideais políticos, que na época partilhava, fascinava-me a história de amor que vivia com a Snu Abecassis. Achava absolutamente grandiosa a forma como, contra tudo e contra todos, mesmo contra as morais (hipocritamente) puritanas, se apresentava ao lado da mulher que amava.
Hoje, nos 62 anos do professor Marcelo Rebelo de Sousa, a TVI anunciava uma entrevista com a viúva de Sá Carneiro. Sentei-me, atentamente, em frente da televisão, mas a desilusão foi enorme. Nada foi dito! 
Talvez, afinal, a viúva nunca tivesse conhecido o homem que foi morto em companhia do verdadeiro amor da sua vida. Teias? Ou hipocrisias  de vidaas?

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Desempregada

Apagou a luz, poupar era palavra de ordem, e ficou, no silêncio, pensando a vida. Desempregada. A empresa, pequena e familiar, onde há dez anos trabalhava, encerrara. Mais uma, numa sequência incontrolada, trágica, dorida, de encerramentos de pequenas empresas, de pequenos comércios, na sua cidade pequena. Tinha 54 anos. Idade difícil, tinham-lhe dito, com indiferença, no Centro de Emprego: - Velha demais para empregar, nova demais para ter direito à reforma. Trabalhava desde dos 12 anos. Começara, menina ainda, indo aos recados, ajudando a mãe (empregada doméstica na linguagem moderna, criada quando trabalhando). Depois, fora mulher a dias, tomara conta de crianças, cuidara de uma senhora velhota até a ver morrer. Nunca baixara os braços e, com orgulho, conseguira educar os dois filhos. Agora, sozinha, filhos emigrados - sorte a deles! - via-se sem nada. Lembrava, enroscada na manta quentinha que herdara da senhora velhota, a euforia com que tinha vivido a Revolução de Abril. Era jovem, cheia de sonhos, acreditara de verdade que chegara a oportunidade de mudança no seu país, que o seu esforço seria reconhecido, que Portugal lhe permitiria uma vivência humana.
Hoje, com um sorriso descrente olhava esse passado. Descrera das promessas de diferentes políticos e, agora, descria do país que era o seu. Ouvia os poderosos falarem em justiça social e duvidava dos seus ouvidos. Não veriam, aqueles senhores bem falantes, o crescente aumento de mãos mendicantes?! Não saberiam de mais uma empresa a, diariamente, encerrar?! Não conheceriam a fome dorida de cada vez mais portugueses?! Enroscou-se bem na manta, tentando afastar o arrepio que a atravessava. Tinha 54 anos. E agora?

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Imaculada Conceição

Feriado. Dia da Imaculada Conceição, antigamente dia da Mãe. É dia santo, dia de oração para quem tem Fé, dia de esperança e, acho eu, dia de calma também. Quando eu era miúda, era neste dia que fazíamos o presépio  e a árvore de Natal. Normalmente, estava frio na Serra, chovia, e nós calçavamos umas botas de borracha pretas, ainda não existia a moda das galochas coloridas, e iamos ao musgo com o meu Pai. Lembro-me de tentar arrancar longos tapetes verdes dos velhos muros e de, a maior parte das vezes, não conseguir os meus objectivos porque nunca tive nenhum jeito para actividades manuais. Depois, tiravamos tudo de cima do móvel antigo e, sobre folhas de jornal protector da madeira, lá surgia o presépio. Tinha lagos, pontes, cisnes, ovelhas e até um pombal com pombas brancas. Eu adorava este ritual. Ficava tempos esquecida a olhar o presépio, a imaginar a gruta onde o Menino nascera, a tentar perceber como tinham os Reis Magos sido capazes de seguir uma estrela no meio de tantas...
Hoje, não fiz o presépio, nem ornamentei a árvore de Natal. Hoje, fui a Fátima.
Hoje, nasceu a minha sobrinha neta Maria. Bem-vinda Maria!!

sábado, 4 de dezembro de 2010

Vermelho

Já chegou o Natal comercial. As lojas estão cheias de vermelhos e dourados, nas pastelarias as azevias e flhós surgem tentadoramente alinhadas, e há, ou eu quero crer que haja, um olhar diferente nos olhos das gentes. Claro que, objectivamente, tudo está igual. Os problemas não desparecem com vermelhos e dourados, as contas bancárias não se alimentam de azevias ou filhós, e a solidão continua fria apesar das muitas lareiras acesas. Mas, apesar de todas as objectividades e realidades, este é um Tempo diferente.
Para mim, este tempo sempre me lembra gnomos, vestidos de vermelho e barbas brancas, ágeis na sua sem idade, conhecedores de mil histórias onde ainda as fadas voam e os meninos são felizes.
Bem cedo, os gnomos gostam de andar nos quintais, de escorregar nas folhas de couve bem geladas, de esborracharem os narizes  nas janelas dos mais dorminhocos. Às vezes, há alguns, mais ousados, que montam nos meus cães e correm loucos pelo meu quintal.
Hoje, por causa do muito frio, fiquei observando os gnomos de dentro da minha casa. Vi-os a espreitar, curiosos e atrevidos, quando fui à lenha a correr; adivinhei-os atentos, quando fui encher de ração a gamela dos cães; e acho que posso jurar que os ouvi rir de mansinho quando fui à cave buscar a velha árvore de Natal,  batendo os pés com medo de algum rato...

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O frio

Chegou intenso e fez-se presente nas bochechas vermelhas, nos narizes pingantes, nas conversas constantes: - Está tanto frio!!! - e comenta-se o Inverno que, sem o ser ainda, se faz sentir já.
Gosto do frio! Acho-o sempre honesto, límpido, dando-me a sensação de um mundo purificado, transparente até. Gosto de caminhar de corpo quente, enrolada no meu casaco grosso, vendo sair fumo da minha boca, como se viesse de cigarros que nunca fumei. Gosto de ter cuidado para não escorregar, de meter as mãos nos fundos dos bolsos, e de ver as couves cozidas e encarquilhadas na horta da minha mãe. Gosto de entrar num café, de aquecer a alma com uma bica escaldada, e de sentir o cheiro quente da máquina chiante.
Mas do que eu mais gosto, é da neve!! Gosto do silêncio com que cai, do poder de esconder tudo sob o manto branco, dos flocos grossos que ficam bamboleando nos ramos vazios da minha nogueira.
Gosto da montanha, das cores ousadas dos fatos de ski, da liberdade vertiginosa das descidas rápidas, do cheiro a lume nas cabanas do caminho. Gosto da quentura morna dos hotéis de montanha, da conversa semeada de riso que faz o serão, da cama de edredão branco protectora de sonhos.
Ah! como eu gosto do frio!!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

PESSOA

Morreu sem elogios de monta. Meia dúzia de linhas nos jornais anunciaram que Fernando António Nogueira Pessoa tinha, no dia 30 de Novembro de 1935, ido a enterrar. Apenas. Como se quisesse vingar-se do desprezo da vida, Pessoa permaneceu vivo para além da morte e, ainda hoje, gera polémica, ódios e amores. Há quem o ache absurdo; há quem o considere extraordinário e singular. Eu incluo-me no segundo grupo! Admiro a obra de Pessoa e leio-o sempre com prazer. Fascina-me a questão da heteronímia, sou adepta do Sensacionismo de Caeiro e, vezes demais..., partilho o Intimismo de Campos. A Mensagem faz-me vir as lágrimas aos olhos e poemas como Gato que brincas na rua, ou Autopsicografia, ou ainda Mar Português oferecem-me novos desafios a cada leitura.
Fernando Pessoa, um dia, visitou Portalegre, a minha cidade tão amada, e teceu-lhe críticas pouco abonatórias. Porque o admiro, até isso lhe perdoo!!
Hoje, no dia do aniversário da sua morte, peço-lhe que, esteja lá onde estiver, ajude os meus alunos a apaixonarem-se pela Poesia. Por essa Poesia que, como diz Caeiro, está aí, na vida das gentes...

sábado, 27 de novembro de 2010

Farófias?

Pareciam farófias. Doces, fofas, brancas, em castelo firme. Lembravam-lhe, a ela, de nariz colado à janelinha do avião, sonhos prontos a consumir. Sonhos de coisas boas, doces e brancas, como as farófias, sem amargos de qualquer espécie.
Apetecia-lhe mergulhar naquela fofura, mesmo sabendo que seria um trambolhão definitivo, com a mesma força com que gostava de se lançar na conquista dos sonhos.

sábado, 20 de novembro de 2010

Ofensa

Ele não gostava das rosetas. Tinham-no posto ali, um pouco abusivamente achava, numa data de tempo recente, com discursos e palmas que não entendera. Deixara-se ficar. Com pés de pedra, colado ao chão, eram poucas as hipótese de, dignamente, pegar no acordeão e ir tocar música para outro lado. Ali ficara, por isso. Fazia-se vaidoso se turistas o fotografavam, tornava-se cúmplice se os namorados ali trocavam beijos e ousavam carícias, chegava até, tarde nas noites, a apoiar aqueles que, bem bebidos, oscilavam qual navios em mar revolto a caminho de casa. A tudo assistia sem reclamar, rindo-se na imobilidade da pedra, troçando também, chorando as lágrimas secas que não gastavam a pedra. Mas, desta vez, a ofensa fora demais. Um bando de miúdos idiotas, mal-educados, insolentes, pintara-lhe rosetas nas faces e, como se a humilhação não fosse suficiente, ainda lhe tinham colocado um baton vermelho, foleiro e vulgar, nos lábios masculinos. Desesperara! Não seria suficiente o mal que os homens faziam a si mesmos? Ainda era preciso humilharem os marcos de Tempos, as figuras de histórias? Ah! que raiva! Se pudesse, com que energia lhes teria aplicado um pontapé de pedra nos rabos moles!!!


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Cimeira

Com o país na miséria, com o mundo em colapso ético, está aí a cimeira da NATO. As televisões, será de propósito?, dão mais atenção ao caos instalado em Lisboa, às alterações ao trânsito, do que aos assuntos a abordar na cimeira que, insistem, decorrerá "sob os mais elevados níveis de segurança". A NATO surgiu para defender a Europa democrática da ditadura da ex-URSS. Pretendia ser, pelo menos aprendi assim, uma forma de unir esforços para manter a paz e, talvez seguindo a velha máxima "Se queres a Paz, prepara a Guerra", constituia-se como um organismo de defesa. Agora, parece, a NATO reúne os decisores das guerras. Reúne aqueles que, eleitos pelo cidadão comum (a palavra povo está oca de sentido) se afastam desse mesmo cidadão com correntes de segurança, armas e ruas vazias. De facto, esta cimeira é estranha. Parece não fazer nenhum sentido, não justificar os gastos exagerados, mas, simultaneamente, o que seria desta velha Europa se se acabassem as organizações de defesa? Hoje, felizmente!, não estou em Lisboa!!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Um cigarro

Saíu da aula com os cigarros na mão, na ânsia de fumar, com medo da escassez do intervalo, pendurando o cigarro nos lábios enquanto descia as escadas. Lá fora, a chuva. Lá dentro, a humidade no chão, os muitos colegas a empurrarem, os vidros embaciados, os professores tentando não serem abalroados. Pensava no teste que acabara de fazer, Álvaro de Campos e o intimismo, e sentia-se irmanada na angústia existencial traduzida no poema.
Verificou se os cigarros dariam até ao fim do dia, enquanto, batendo os pés para afastar o frio, se encostava a um auomóvel, na rua já, para gozar o intervalo. Não percebia a lógica, se é que existia, de ter de sair da escola, de se molhar, de apanhar frio, para fumar um cigarro. Mas, de verdade, não percebia muitas das lógicas, a maioria institucionais, que se lhe impunham no quotidiano.
Ouviu a campainha, tinha de voltar. Tinha acabado de acender o segundo cigarro que, furiosamente, fumou antes do toque de feriado. Voltou para dentro, rindo, ao reparar, na entrada da Escola, no grande cartaz anunciador do Dia Mundial contra o Tabaco. De facto, a vida das parangonas nada, ou muito pouco, lhe dizia. Talvez fosse dos 17 anos, como o pai costumava dizer.

domingo, 14 de novembro de 2010

O mistério das coisas...

Chegou a casa cansada, esgotada, oca também. Sempre a confundia, dolorosamente, a sensação de vazio que experimentava quando, depois de muito trabalho, lhe surgia a incómoda pergunta "para quê". Muitas vezes, nas viagens constantes, sozinha, acompanhada pela eterna RFM, pensava que a modernidade tinha o condão de desumanizar existências. Tudo se resumia ao dinheiro, à necessidade de o ganhar, à urgência de o reter. Era a crise, talvez.
Mas, mais do que a crise económica, doía-lhe a crise de valores, o vazio que fazia a existência. Era um mistério, para ela, a condição humana. Ou, se calhar, o maior mistério das coisas era, como dizia Caeiro, as coisas não terem mistério nenhum... Vivia-se, trabalhava-se e morria-se. Apenas. Com uma existência física, igual à dos bichos, das coisas, das pedras até. Mas ela recusava o real objectivo aparente de Caeiro, o Carpe Diem de Ricardo Reis. Ela queria a poesia da montanha, o ritmo das marés, a melodia da chuva, o sopro do vento. Se não queria ir na vida triunfante como um automóvel último modelo, qual Campos, queria, tanto-tanto, poder saborear o mistério maior de todas as coisas. Esse mesmo. Apenas.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Nem em pesadelo...

Falar de Educação, ou em Educação, ou da Escola pública, parece-me,às vezes, um desperdício. Porque ninguém ouve, porque nada vai mudar, porque sinto que o meu pensar, e sentir, estão cada vez mais afastados da minha realidade profissional. Assim, tenho optado por me calar, por guardar para mim, e para os que me são mais próximos (pobre família)as minhas angústias e decepções.
No entanto, às vezes, a minha infelicidade profissional é tanta que não resisto a dar-lhe letra. Foi o que, hoje, me aconteceu.
Fui superiormente informada que vou ser vigiada, controlada e denunciada, pelos assistentes operacionais da minha Escola. Desta vigilância, policiamento, poderá resultar, após apresentação da denúncia ao Director, uma notificação - via mail (há que valorizar as TIC!) e, finalmente, uma punição sob a forma de falta injustificada.
Recebi esta informação, numa reunião de Departamento, entre incrédula e desesperada. Que sentido faz ter os assistentes operacionais (eram os antigos funcionários auxiliares de acção educativa) a fazerem serviço de delatores, de bufos, de espiões? E como se pode explicar, já nem falo em justificar..., a desconfiança dos meus superiores em relação ao meu desempenho? Fará sentido criar-se na Escola um clima pidesco de vigilância e denúncia? Será razoável notificarem-se professores se, por exemplo, deixarem alunos ir à casa de banho, ou comprar água?!!
Não percebo, não concordo.
Mas aceito. Porque não tenho outro remédio. Porque começo a compreender que sou paga para obedecer e não para pensar, nem para educar sequer.
Na minha Escola as portas das salas são de vidro, e os assistentes operacionais passeiam nos corredores com frequência. Agora, sempre que os vir passar, sentir-me-ei vigiada, espiada!! Estarão a ver se os alunos estão sentados? Se estão em pé? Se nos rimos? Se trabalhamos em grupo? Se eu sei o que estou a fazer?
Não era assim que eu sonhava a minha escola. Esta Escola, nem nos meus piores pesadelos a imaginei. Defendo uma Escola moderna, responsável, capaz de não se confinar ao espaço sala e aos manuais escolares. A Escola de hoje, defendo, deveria investir na autonomia, na diversidade de experiências,na liberdade do professor para inovar processos e desenvolver competências.
Se o clima de escola já estava ferido de morte com as leis absurdas da avaliação de docentes, agora vai deteriorar-se ainda mais.
Eu, professora por opção, preocupada em fazer sempre melhor, nunca virando costas a desafios e trabalho, tenho vontade de mudar de profissão. Talvez fazer uma formação nas novas oportunidades e, quem sabe?, tornar-me pastor. É que pelo menos o comportamento das ovelhas já vou adquirindo...

sábado, 6 de novembro de 2010

Castanhas

Está aí a Feira da Golegã. É uma Feira-Festa de tradição, camaradagem e, quero crer, autenticidade. Na Golegã passeiam os cavaleiros, desfilam os cavalos, encontram-se as amazonas a rigor, os chapéus de aba larga, os bigodes históricos e os muitos fumos cheirosos e quentes das obrigatórias castanhas. Na Golegã fazem-se, ou faziam-se?, negócios, e vivem-se, ou viviam-se?, momentos de divertida amizade.
A Feira do Cavalo não é uma feira qualquer e, passeando por lá, tentando escapar à lama, evitando, sorrindo, esbarrar com um cavalo, sente-se a existência de um Portugal que querem matar, diluir no todo Europeu que é nada. Ali, ser português não é ser triste e infeliz, não é imitar os outros (porventura menos miseráveis), não é repetir chavões ocos. Faz sentido, faz bem à existência da gente, ir à Feira da Golegã!

domingo, 31 de outubro de 2010

Educação. A falta dela

Era um filme sem estrelas, feito de uma história terna, de amizades e amores, entregas e cumplicidades, com uma sala nem meio cheia.
Logo no início, as gargalhadas exageradas, fora de propósito, de meia dúzia de miúdos, 14 ou 15 anos, sentados na última fila. Soaram alguns "chiuusss!!" irritados , a que responderam gracejos desgradáveis, e começou o filme. Aina mal a história tinha começado e já choviam pipocas, as malditas pipocas dos modernos cinemas, em cima de quem, como nós, tinha decidido fugir à chuva vendo um bom filme. Novos protestos. Uma senhora reclamava, "tirem os pés de cima de mim!" e o desespero protestado impedia o gozo do filme. No intervalo, a queixa impôs-se, e os miúdos, sob a ameaça de polícia, foram obrigados a abandonar a sala. Uma senhora, furiosa, garantia que já lhe bastava toda a semana, na escola, a aturar más educações. Era professora... Eu fiquei quieta, observando e experimentando uma dolorosa sensação de compreensão.
Também sou professora e, como a minha colega, também eu sou confrontada, cada vez mais, com miúdos insolentes, mal-educados e a quem, francamente, fazia bem um bom par de estalos. Saí do cinema quase satisfeita com o tempo passado, de alma lavada por uma história de amores felizes (só no cinema!!) mas preocupada com o meu mundo. Que sociedade é esta que deixa que os jovens cresçam sem regras, como animais selvagens, pisando quem lhes apetece e desrespeitando tudo e todos?! Lembrei-me de alguns dos alunos que, este ano, tenho numa turma de 11º ano. Podiam bem integrar o grupo que vi ser expulso do cinema. Miúdos estranhos, estes. Ou mundo estranho, este?

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Os Chinas

Parece que a China está disposta a comprar a dívida portuguesa, ou parte dela. Fizeram o mesmo com os Estados Unidos e, a continuarem as políticas que vigoram nesta Europa envelhecida, poderão comprar muito mais dívidas a curto prazo. A China é um país comunista com uma economia forte, com muito dinheiro, produzindo de tudo a preços baixos. Como o faz, parece pouco interessar aos grandes senhores da política. A mim, incomoda-me. Dói-me, revolta-me, saber que há seres humanos, PESSOAS, que trabalham em condições deploráveis, sem dignidade alguma, sem direitos, muitas vezes tendo por paga apenas uma malga de arroz! Não consigo aceitar um regime com presos políticos, sem respeito pela liberdade individual, tirano e violento. Não compreendo regimes totalitários e se, muitas vezes, digo que "a diferença entre o comunismo e o socialismo é a mesma que há entre um funeral e um enterro", faço-o brincando. No fundo, o comunismo ainda consegue ser pior que o socialismo ( o Hitler era socialista...), porque é mais castrador da individualidade.
Não quero imaginar o destino de Portugal se os chineses vierem tomar conta da nossa economia (mais ainda, porque eles já estão por aí aos milhares). Tenho medo do que poderá acontecer porque, sinceramente, um governo que parece só se entender com tiranos como o Hugo Chávez apavora-me! Queria, para Portugal, um governo mais focado nas Pessoas, na Cultura, na produção e no investimento. Queria políticas capazes de favorecer o investimento, e não estranguladoras do mesmo. Queria um país a ser, e não um país a falecer!!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Coisas desta República

Muito se tem dito, e feito, a propósito dos 100 anos da nossa República. Publicações, festas, Seminários, Conferências, exposições, de tudo tem havido. Às vezes, parece-me estar a assistir a uma desesperada operação de branqueamento da História, outras vezes aprendo muito, outras vezes ainda rio-me e aplaudo.
Ontem, vivi mais uma experiência portuguesa e, claro, republicana. Fui visitar a Exposição, muito boa e recomendável, que se encontra na Cordoaria Nacional. Cheguei curiosa, com o olhar lavado pelo Tejo fronteiro, desejosa de aprender e viver momentos de saber. Começou por ser assim. Entrei, validei o bilhete (gratuito) numa maquineta muito electrónica e luminosa e fui avançando. Comigo e com o meu marido, escolas e professores, vivendo a História, quero crer que, de facto, desenvolvendo competências.
Para minha decepção, ao ler, atentamente, os textos informativos/explicativos, o meu coração tremeu. Pobre língua portuguesa!!! A dada altura, em parangonas, lia-se que, e cito "(...) em 1917 Portugal estava todo cobrido (...)!! Mais adiante, alertava-se para a Associatização!! E havia, há!!, muito mais.
Saí da Cordoaria muito angustiada. Afinal, que povo seremos, ou somos, que espécie de republicanos criamos, se nem a nossa língua, a expressão dos nossos sentires e pensares, sabemos respeitar?!
Não consigo deixar de pensar nas coisas que esta República tece...

sábado, 16 de outubro de 2010

Medo

Hoje, tenho medo de viver em Portugal!Ligo a televisão com medo, angustiada, receando sempre más (piores) decisões do governo do meu país. Sei que o medo é provocado, muitas vezes, ou sempre?, pela nossa incapacidade de evitar algo. Surge ligado a uma impossibilidade de fuga! Ora, agora, é o que sinto em Portugal. Tenho MEDO porque me sinto sendo sufocada, esmagada, explorada e, por mais que eu queira, não tenho como escapar, não tenho para onde fugir! Oiço os ministros como um condenado ouve os algozes e temo a morte anunciada de um país que é o meu.
Hoje, estou com medo. Porque o orçamento me parece ineficaz, porque as medidas de contenção de despesa me soam como medidas de sufoco de existência. Hoje, tenho medo do futuro negro que, com certeza, se prepara para Portugal.
Ter medo é sentir-me manietada. Presa em teias invisíveis mas intensas. Hoje, estou assim: - apavorada nas teias desgovernadas do meu Portugal a entristecer!!

domingo, 10 de outubro de 2010

No Monte

Sentou-se na rua, no pátio largo, empedrado, na companhia do cães. Eram três, rafeiros, alentejanos como ela, calmos e fiéis, disponíveis sempre para uma caminhada, para uma brincadeira, para uma torrada partilhada. Vira-os aproximarem-se da cadeira baixa, afagara-os e ficara embalada pelo respirar fundo, quase ressonar humano, que os fazia mover os lombos largos. Ao fundo,para lá da cerca, os sobreiros, os troncos sangrando ainda pela ferida do descasque recente. Era a maior riqueza do velho Monte, a cortiça boa que, a cada sete ou nove anos, era tirada das árvores grossas. Tinham sorte, os sobreiros, pensava sorrindo.Tiravam-lhes a pele rugosa, o resultado de anos vividos, e ficavam de novo jovens, vendo renascer a própria riqueza. Não morriam sangrando, pensava.
Ali, no velho Monte, onde sempre chegava com a certeza de recuperar as raízes, sentia-se livre das teias da modernidade e das tarefas obrigatórias. No velho Monte, só os sobreiros podiam agora ter a certeza do futuro.

O Farol


Batia forte, revoltoso, zangado talvez, nas rochas próximas. Os barcos, frágeis, pareciam de papel sobre aquela fúria, subindo e descendo, perigosamente, como se quisessem fugir, escapar, à raiva súbita da águas.
Do velho farol, perto da lâmpada apagada, ele olhava o cenário. Dantesco, quase. E, simultaneamente, arrebatador. Há quanto tempo estava ali? Olhou o relógio sem ver a hora sequer. Que importância tinha o tempo, o Chronos preso no pulso, quando a vida se fazia de sentires?!
Gostava do velho farol, enorme e firme, lugar onde sempre se refugiava quando a vida, ou a existência?, se tornava difícil demais. Procurava a solidão, o silêncio, a segurança de se saber a muitos metros do solo com, apenas, o oceano por testemunha. Naquele velho farol guardava um casaco gasto, cotovelos rotos, borboto, e a quentura que só ganham as coisas que se fundem em nós com a passagem do tempo. Sentava-se na cadeira de verga, há quanto tempo a trouxera?, enchia de café forte a caneca de barro e ficava olhando. Ali, misturavam-se imagens e memórias, afogavam-se angústias e recuperavam-se saudades. Ali, com os pés em cima de um abandonado caixote de sardinhas, podia ressonar sem incomodar ninguém, chorar sem que fossem vistos o lago que as lágrimas, salgadas como o oceano que amava, faziam no rosto sulcado. Ali, ele era mais ele. Olhou de novo os barquinhos frágeis, sorriu aos nomes curiosos que muitos tinham - "Estrela do Futuro", "Maria da Conceição", "Bom futuro", denunciando a necessidade de, sempre, os homens criarem laços, lançarem ferro na essência humana. Também ele, várias vezes, lançara o ferro. Fizera-o em momentos de tempestade, sim, mas em tempos de acalmia também. Agora, ali, pensava como lhe fazia falta, tanta falta!, o coração onde ´largara o ferro´...

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

PORQUÊ??

Era uma miúda gira, bem-disposta, cheia de amigos, namoradeira e sorridente. Ao contrário de milhares de jovens, tinha emprego, era enfermeira, vivia numa casa boa e tinha o automóvel que escolhera. Nos seus 25 anos, parecia feliz, sempre disponível para uma saída com amigos, para um programa divertido. Ontem, suicidou-se. Utilizou a sua competência profissional e injectou cloreto de potássio na própria veia. No facebook, pela manhã, deixou uma frase apenas.
Não falo de ficção. Falo de uma miúda que vi crescer, que comia sugus nas festas de anos da minha filha, que saltava à corda e jogava ao elástico. Ontem. Porque para mim, será da idade?, a infância das minhas filhas foi ontem! Hoje, a menina loira da minha cidade está morta.
PORQUÊ? O que terá levado esta jovem a, abruptamente, acabar com a vida?! Vão surgir tentativas de explicação, justificações eventuais, mas, creio, nunca saberemos o porquê real. Se, porventura, existiu um porquê. Hoje, dezenas de amigos desta miúda choram inconsoláveis. Envelheceram, de certeza, uns anos, com esta morte violenta.
Vejo-os chorando. Não compreendo porque escolheu esta menina partir assim e, hoje, penso que de pouco me interessa a crise, o idiota do Sócrates e as anormalidades do governo. Porque ser PESSOA, existir, é muito mais do que pagar impostos e sobreviver a ataques constantes de políticos inaptos. Ser Pessoa é tentar perceber as meninas, como a Ana, que se despedem do sonho com uma frase no modernissimo facebook.
Seja lá onde for que estiver a Ana, espero que vigie os amigos que abandonou e que, de longe, lhes dê força para atravessarem o negro da dor e da incompreensão que hoje os domina.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Triste República


Foi um dia em cheio. Dia de discursos, de representações, de espectáculos, de esperança e, creio, de alguma alegria no quotidiano entristecido.
Lisboa encheu-se de cor, de música, de gente e de sol. O Tejo, polvihado de velas, era o tapete azul original, a esteira de um sonho de outrora, de um Império perdido, de um país dolorosamente adiado.
Eu sou republicana. Ou era... É que, ultimamente, começo a repensar as minhas convicções. Olhando a Europa, vejo grandes monarquias que me causam alguma inveja. Viverão pior os suecos, os dinamarqueses, os ingleses, os belgas, os noruegueses, e tantos outros, todos governados por monarquias, do que nós na nossa República miserável e triste? Duvido... Se, sem dúvida, me soube bem ouvir o hino, lembrar a história do tempo em que por ideais se morria, por outro lado, em mim, ficou um buraco negro cheio de dúvidas, de descrença, de desesperança.
Mais do que festejar um regime em crise, creio, seria importante pensar o futuro. Validar a vontade, e o sentido, de se ser Português.
Às vezes, canso-me deste eterno labirinto de saudade...

domingo, 3 de outubro de 2010

Chuva!

Chegou de noite, sem alarde nem aviso,como é próprio do que de facto vale a pena, e deixou a rua limpa, os automóveis molhados e as vidraças cheias de ribeirinhas activas. Encontrei-a pelas quatro da manhã quando, desperta pela angústia do meu país, resolvi sair da cama para enganar a insónia. Tinha saudades dela! Saudades do fresco limpo, do ar vítreo que ela dá ao mundo, da música ping-pongueada (se há acordo, porque não posso também criar os meus neologismos?)que faz nas minhas janelas. Enchi a banheira de água bem quente e fiquei ali, de molho, consciente de que, ao contrário do bacalhau, o meu aspecto em nada melhoraria, conversando em silêncio com a chuva, também ela feminina, também ela mulher. Falei-lhe do meu país sem rumo, do futuro eternamente adiado, das angústias de um quotidiano cada vez mais duro, da desesperança dos jovens que lutam por sair de Portugal, das celebrações pomposamene ridículas de uma república oca e miserável. Senti chover com mais intensidade. Juro!

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Avaliem-se uns aos outros

Quando Cristo andou neste mundo, ou noutro mais humano, dizia (contam) "amai-vos uns aos outros!" era uma mensagem bela, intensa, tecida de muitos ditos por dizer.
Um destes dias, numa reunião das mil reuniões de nada que fazem agora a vida das escolas, fiquei a saber que o Ministério da Educação adoptou a máxima "Avaliem-se uns aos outros".
A ordem é económica: - Quem ganha mais, quem está nos índices de vencimento mais altos, avalia os que ganham menos. É um critério. Idiota, como é costume no ME, mas aceite pelos professores que parecem, na sua maioria, adaptados, ou vencidos?, pelas barbaridades do indigno estatuto que lhes impingiram. Para completar a estupidez desta avaliação, há equipas a construir os pomposamente designados instrumentos de avaliação, invariavelmente fichas e grelhas de mil cruzinhas e rebuscados parâmetros. Há aberrações tão anedóticas, tristemente anedóticas, como ser-se notado pelas actividades que se dinamizam e, simultaneamente, ser-se penalizado por falta de assiduidade quando, para se realizarem as ditas actividades, não se dá alguma aula..
Lembrando as palavras de Cristo, peço-Lhe que me desculpe por não ser capaz de amar o ME. Acho que Ele deve aceitar que amar os carrascos, só mesmo um ser divino consegue!

Colapso democrático

Mais medidas de austeridade, mais furos no cinto que já tem forma de banda gástrica. Sobe o IVA, os impostos, o custo de vida e, ao mesmo tempo, desce a qualidade de vida, descem as reformas, desce o poder de compra. Assim, creio eu, se destrói uma sociedade, se sufoca um povo inteiro.
Ouvi as medidas anunciadas com tristeza e já sem revolta. Sinto-me, como muitos portugueses decerto, uma condenada. Condenada a uma vida que não quero, ao desmando de um governo que não escolhi, à tristeza de um povo que não compreendo.
A democracia está a colapsar. As pessoas, algumas ainda humanas, descrêem do poder da sua intervenção, da força da organização política e social e, também por isso, isolam-se, demitem-se de participar, tentam soluções individuais. Quando a Democacia falha, surgem as ditaduras, a força de poucos, o domínio da injustiça, o fim da liberdade.
Hoje, tenho medo. Medo por pensar que, do desnorte actual, da loucura vigente,se faz o caminho da chegada da ditadura...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Outono

É sempre assim no fim de Setembro. Vem um vento fresco, os dias encurtam, as folhas enchem o meu quintal e as nozes, às vezes violentamente, caem da velha nogueira. É a época, para mim, do ouro real. Os campos brilham, os castanhos enchem a minha Serra e o tempo parece ceder à pressa constante. Gosto de abrir a janela e deixar entrar o vento fresco. Gosto de voltar às minhas botas e de, com o casaco eterno e gasto, caminhar no espaço que é meu.
Quando era miúda, há tanto tempo..., escrevia longas composições sobre o Outono, as castanhas e, claro, os ouriços. Lembro-me de olhar o quintal e de, depois, com a minha caneta Parker de tinta permanente (nome bem estranho, pensava, vendo a tinta esgotar-se num instante...)encher as folhas do caderno novo. A cheirar a aprender, como eu achava então.
Hoje, ao ligar o meu computador, velhinho, com teclas a prender e a falhar, tive saudades do cheiro a aprender, das folhas novinhas, e da letra, feia mas minha!, que enchia as folhas brancas. Este Outono,pouco fresco ainda, trouxe-me a nostalgia da infância. Teria sido a influência de Pessoa?

domingo, 26 de setembro de 2010

À Venda

Só 100 euros, barato, garante o vendedor. É um clarinete usado, velho, sem bucal. Vinte e cinco euros, só!, garante, num sorriso gasto, a velha senhora indagada sobre o valor da argola de prata.
Vende-se de tudo um pouco: - loiça, discos em vinil, peças de cozinha, mesas, cadeiras, tachos de cobre, bonecos, brinquedos, colares, anéis, pulseiras, caixinhas e caixotes, sapatos, quadros, molduras, memórias de outras vidas, de outros tempos também. É a Feira das Velharias! Acontece aos domingos, entupindo o passeio, complicando o estacionamento, enchendo de memórias alheias o espaço habitualmente vazio de sentires.
Em mim, vagueando por ali, surge uma nostalgia incómoda. Lembro a existência de muitos daqueles objectos nas minhas memórias de criança. Recordo as caixas de grão, farinha, açucar, arroz e massas, na cozinha de minha casa. Lembro as argolas de prata, com os nomes gravados, que seguravam os nossos guardanapos. Saio da Feira com alguma tristeza. Imagino a dor daqueles que têm de se desfazer de vivências, de presenças em vidas passadas. Mas talvez eu esteja errada. Talvez eu esteja a viver a Feira das Velharias com as minhas lentes lagóias de aumentar. De repente, entrando no meu texto sem licença, vem o cheiro do mar, o bem-estar daquele barzinho que me encanta, ali mesmo junto a Carcavelos, onde os empregados, simpáticos e diligentes, usam t-shirts onde se lê: "A tecnologia vende-se. A mentalidade educa-se!".

sábado, 25 de setembro de 2010

Tejo


Lisboa tem o Tejo. O Tejo dos poetas, das tágides, do Fado, dos apaixonados. O Tejo! Bem cedo, antes do acordar da modernidade, junto ao sonho líquido há esplanadas vazias, convidativas, calmas, onde, com sossego e longe do bulício da capital, se pode tomar um café gostoso. Das esplanadas, vê-se o mundo. Não o mar! Esse, disse o Poeta, vê-se da nossa língua portuguesa. Ali, nas cadeiras coloridas, com a bica a quase dois euros, vê-se a sociedade construída à imagem de muitas imagens.
Gosto de ir ali, de não tirar os óculos escuros e de reparar no mundo que integro. Acho piada aos miúdos, que correm até aos limites impostos, aos namorados de olhar doce, às amizades em conversas secretas. Ao mesmo tempo, acho ridículos os fatos de treino, os suores exagerados, os/as cinquentões de phones, ténis da moda - boas e conhecidas marcas!-, em corridas que sempre me parecem exageradas. Correrão contra o tempo? Inútil! Correrão pela saúde? Parecem-me exaustos! Correrão por prazer? Que prazer se pode tirar de suor e estafanço?! Sim, claro, há o lema "mente sã em corpo são". Mas será são um corpo entradote, suado, corrido, estafado? Tenho dúvidas...
Longe das corridas, deixo correr a imaginação e vejo a partida dos portugueses, ali mesmo em Belém, chegando a ouvir o choro daqueles que se despediam. Ó mar salgado...
O Tejo. Uma esteira de sonho. Para mim, também.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Os sapatos

Mal entrou em casa, abandonou os sapatos na entrada. Era o seu vício em busca de liberdade. Era, pensava, o desejo inconsciente de deixar na rua o que a prendia, fisicamente, ao mundo de que não gostava. Lembrava-se de Santo António a quem, segundo Vieira, nem a poeira dos caminhos se agarrava aos sapatos que não tinha.
Mas ela não era santa, não tinha vocação para tal e, na maior parte dos dias, nada lhe apetecia um paraíso in-humano, sem vícios nem cor, sem pôr-do-sol, sem cheiro a mar, sem uma caipirinha gostosa, sem o riso das crianças. Noutros dias, raríssimos, apetecia-lhe sim a paz branca, vazia, desse paraíso dos santos sem sapatos. Dias raros.
Mas hoje, não queria paraíso algum. Sabia-lhe bem a sua casa, o cd que rodava a seu gosto, o espaço onde, descalça, se concedia o privilégio de mordiscar bolachas do IKEA esticada no sofá. Sabia que devia ir trabalhar, organizar dossiers, planificar trabalho e aulas mas, deliberadamente, concedia-se o privilégio da transgressão que sempre estar descalça lhe sugeria. Abriu um romance gasto, de folhas soltas,marcado por nódoas do café que nunca dispensava e deixou-se ficar, ouvindo a trovoada ao longe, ignorando as chatices, esquecendo as angústias que pareciam agarrar-se-lhe à sola dos sapatos. Tão bom estar descalça!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Instruções

Normalmente, deito fora todos os livrinhos de instruções que acompanham os electrodomésticos, os rádios, os telemóveis, os automóveis e as milhentas maquinetas que, cada vez mais, compõem o nosso dia-a-dia. Não tenho paciência para aquelas leituras, que, curiosamente, fazem parte do programa de português do ensino básico sob o nome pomposo de "textos instrucionais" , e vou descobrindo, por tentativa e erro , muito erro, como funcionam as minhas aquisições. Às vezes, só muito tempo depois de ter adquirido algo descubro, até por acaso, algumas das potencialidades ao meu dispor.
Deu-me, por isso, para pensar que, embora às vezes a vida pareça uma maquinete armadilhada, feita de explosões e sustos, com potencialidades ocultas, de nada me adiantaria que viesse com livro de instruções.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Sermão

à minha frente, encalorados e ansiando pelo toque libertador, fechados num contentor, há vinte e cinco pares de olhos jovens. O ano lectivo está a começar, as obras na escola continuam, há pó e ruído, e surge o período barroco, o texto argumentativo, o sermão de Stº António aos Peixes. De repente, surgem-me mil dúvidas... A minha paixão pelo texto de Vieira parece não encontrar eco, não fazer muito sentido para os miúdos que suam, que têm sede, que estão sentados em cadeiras incómodas.
Deliberadamente,então, ignoro o programa e oiço-os. Falamos das eternas injustiças, dos atentados à dignidade humana, dos erros (ou caracteristícas?) eternamente humanas. Têm opinião, revoltam-se, mas, estranhamente, desistem da luta, acomodam-se. Talvez, concluo, António Vieira faça mesmo falta. Talvez, sinto-o, estes miúdos estejam a deixar-se moldar, depressa demais, pelo comodismo social, pelo umbiguismo vigente.
Saio da aula amargurada. Tenho de fazer melhor. Muito melhor!!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ELITES


A caminho de Ponte da Barca, vindos de Monção, deparamo-nos com o Palácio da Brejoeira. A imponência sedutora do edifício, o ambiente romântico, a paz colorida, obrigam a parar.
O Palácio pode visitar-se, felizmente, e, ao caminhar pelo espaço interior, vamos percebendo que por ali andou gente com gosto, com cultura, com cuidado na forma e no conteúdo. Surpreendem as portadas embutidas, a biblioteca, o mobiliário, os azulejos, o teatro, a capela, os tapetes. Mas, para além de tudo isto, surpreende a força e tenacidade da proprietária que, aos 92 anos, luta para manter de pé o que é, sem dúvida, uma das jóias desta república triste.
O bosque frondoso, os jardins cuidados, os 18 hectares de vinha, fazem-nos pensar que, se calhar, era possível fazer de Portugal um país de sucesso se, apenas..., se permitisse que o seu destino (?? - não sei bem o que é isso) se cumprisse.
Ou seja, Portugal precisa, acho que desesperadamente, das suas elites. Passados mais de 35 anos sobre o fim da ditadura, é tempo, creio, de acabarmos com os preconceitos de esquerda e de assumirmos que são fundamentais elites para fazer avançar o Mundo. Elites verdadeiras, não feitas à pressa por partidos e partidarites doentias.

sábado, 18 de setembro de 2010

Será?

Portugal está numa fase péssima. De facto, parece que tudo corre mal! Nem o Benfica ganha, nem o Sócrates se demite, nem a saúde funciona, nem a educação tem sentido, nem os ordenados aumentam, nem o desemprego diminui e, agora, para desespero dos portugas, nem a selecção tem treinador. Já é azar a mais! É que nem o santo Mourinho vai poder salvar a pátria, a pobre pátria agonizante, para desespero dos portugas infelizes. De manhã à noite, em todos os telejornais, a notícia de abertura é a novela Mourinho. Eu, que pouco percebo de futebol, e que até admiro a garra do Mourinho, acho absolutamente ridículo o espaço, e o tempo, dedicado a este assunto. Será que o objectivo é afastar-nos dos problemas reais? Ou, pior!, deixar que o governo continue cometendo barbaridades sem que a gente se aperceba?? Será??

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Paisagens

Sucedem-se os verdes, os azuis dos rios, o Minho, o Vez, o Lima também. O automóvel circula, seguro, ora serpenteando nas curvas - olha as videiras! olha as vindimas! Olha que solares lindos! - ora veloz nas modernas auto-estradas. A vida passa em paisagens novas, intensas, lembrando-lhe frases lidas, aprendidas de cor, repetidas, ano após ano, aos seus alunos. "Sou a minha própria paisagem" - Pessoa, sempre. E ela a negar o seu poeta, a rir-se, livre, das teias que sente prenderem-na à leitura, à escrita, ao sonho eterno.
Agora, a sua paisagem é feita de descoberta constante, de encantamento face ao que a rodeia, de espanto real perante a força da terra que descobre. Agora, sente de volta o romantismo e apetece-lhe perder-se, "para se encontrar", no Palácio da Brejoeira, nos caminhos empedrados das Vilas minhotas, no falar alegre, sibilado, das gentes sempre simpáticas. Agora, a paisagem não é o seu eu e, por isso, sem culpas saboreia a broa e o vinho - Alvarinho - sentindo que, se a paisagem exterior é o Minho, a interior é o paraíso. Seja lá isso onde for...

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Deu-la-Deu


Foi há muitos anos, no tempo dos Castelos e dos cercos, ainda quando os espanhóis eram inimigos, que Monção ficou cercada pelos cobiçosos. Nada entrava na vila e a fome, terrível, ameaçava já. Então, reza a lenda, uma mulher (sempre a coragem no feminino) jogou uma cartada arriscada: - Mandou que se esgotasse a farinha existente em pão e que, esse mesmo último pão, fosse lançado das muralhas.
Os espanhóis, surpreendidos com tamanha abundância, levantaram o cerco. Hoje, a Deu-la-Deu dá nome a Praça na vila de Monção e está imortalizada numa escultura estranha.
Hoje, os cercos e a fome continuam. Talvez menos visíveis, porventura menos assumidos. E, hoje também, as mulheres continuam a fazer-se de coragem na luta pela salvação daqueles que amam. Há lutas, acho eu, que são só das mulheres. Serão sempre só delas. E, se não deitam o pão pelas muralhas, deitam o coração à vida.
Deu-la-Deu. O rio Minho, a praia LINDA de Moledo e os sentires aos saltos. É bom viver!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Quimeras

Cartas a Julieta. Um filme inocente, simples, previsível, com um fim que se antecipa facilmente. No entanto, um filme que nos deixa de bem com a vida, em paz com a existêcia, de alma lavada e baterias recarregadas.
A propósito do eterno Romeu e Julieta, conta-se uma história de amores adiados, de procuras antigas, talvez tentando gritar, para lá dos ditos, na metalinguagem do cinema, que para o Amor não há tempos, não há prazos. A enriquecer o filme, as paisagens soberbas da Toscana. As vinhas, os amarelos, Siena, Verona, contrastando com uma Nova Iorque atarefada e cosmopolita.
É bom ver filmes assim. Porque nos fazem sorrir, porque nos aquecem as emoções, porque nos dão vontade de acreditar.
Afinal, a vida não se faz de obras-primas. Pelo contrário, cumpre-se num fazer de pequenas coisas...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O PIOR É O NADA

Este novo ano lectivo, com polémica como sempre, vem exigir o cumprimento, de um máximo de 12 horas, em cada ano de escolaridade, na área da educação sexual. Como mãe, professora, cidadã, mulher, gostava mais de ver a abordagem desta dimensão noutros moldes. Preferia que se falasse em educação dos afectos, gostava de ver trabalho feito em regime de transdisciplinaridade, gostava de ver bem separada a fisiologia da afectividade. Para mim, fazia mais sentido abordar a dimensão humana da afectividade na sua dimensão mais abrangente. Mais do que falar de preservativo, de SIDA, de gravidez precoce, de aborto, penso ser importante falar de individualidade, de dignidade humana, de respeito pelo outro.
Considero que, num mundo onde parecem premiar-se as agressões e os desentendimentos, os egoísmos e os umbiguismos, fazia sentido abordar-se a sexualidade numa perspectiva essencialmente humana, favorecedora da socialização harmoniosa do indivíduo.
No entanto, e consciente de que "o óptimo é inimigo do bom", penso que é muito importante que o Ministério da Educação tenha dado este passo, tenha tido a coragem de incluir no currículo dos alunos, com tempos específicos atribuidos, a educação dos afectos.
Agora, há que pensar no passo seguinte. Estaremos nós, professores, preparados para abordar esta área de formação? Estarão as famílias, de forma geral, aptas a aceitar esta tarefa que, sem dúvida, terá de ser articulada entre a família e a escola? Tenho muitas dúvidas. Mas, ao mesmo tempo, muita esperança que a Escola não deixe fugir esta oportunidade de se cumprir no seu papel mais importante: - EDUCAR PESSOAS!!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Prefixo RE

Re-começo. Re-início. Re-viver. Re-etc. Um etc sem fim porque, sei lá porquê, a vida usa e abusa do prefixo re. Às vezes, para mim, o RE surge carregado de nostalgia, de receios, de temores. É sempre assim, no início do ano lectivo! Um re-começo que me atrai, estou sempre cheia de saudades dos alunos, mas que, simultaneamente, me assusta. Todos os anos, ultimamente, re-torno à vida profissional com a alma encolhida. É que as mudanças anunciadas são, cada vez mais, perfeitamente idiotas e assustadoras! A cada RE-início escolar sinto mais longe o meu sonho de uma escola inteligente, moderna e com sentido. Vou voltar às aulas, aos meus alunos desafiantes, aos jovens com o direito de crescer e não só, como a Escola pretende, de envelhecer.
Felizmente, também há RE que anunciam novas oportunidades, novos futuros!!!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Reciclagem


Era um velho palacete. As paredes grossas, os tectos trabalhados,as portas altas, os azulejos gastos denunciavam, com visível tristeza, histórias antigas, dos tempos das grandes famílias, das casas ruidosas, das mesas cheias e dos quartos ocupados. Cá fora, olhando para o jardim dos Mal-Encarados,a frontaria de azulejo pedia a piedade da recuperação.
Desconhecedores do nome do pequeno jardim, por antinomia bem-humorados, eles chegaram à velha casa, agora hotel, dispostos a descansar. O Palacete recebeu-os, condescendente, não os acusando de intromissão abusiva mas deixando perceber, talvez pelas janelas mal fechadas, que eram por necessidade acolhidos. Sim, eram estranhos à velha Casa, cansada e gasta, humilhada na reciclagem mal feita, sofrida por abandono e agressão. Foi-lhes entregue uma chave antiga, pesada, e, no olhar curioso, aos poucos, foi crescendo a certeza de que aquele lugar, ali mesmo no coração alentejano, merecia bem mais do que um pace-maker de modernidade...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Espuma


É como a espuma do mar, a vida. Acontece em ondas, sucessivas, ora calmas, ora violentas, leva-nos ao cume e, rapidamente, estende-nos por terra. Desfaz-se nas mãos, a espuma das ondas, e gasta-se em mil nadas a vida vivida. Como a onda morre na areia, morre a vida depressa demais. Tão ténue a espuma. Tão ténue a vida.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Hora Mágica


Ao fim do dia, quando o sol parece cansado de um esforço longo, o céu veste-se de uma cor suave e o mundo pára. É a minha hora preferida. A praia fica quase vazia, as gaivotas vêm para terra, e os miúdos, bronzeados e simpáticos, começam a arrumar as cadeiras, a fechar os toldos, a sugerir aos mais resistentes que é hora de largar a praia.
Gosto de ficar ali, sem horas, olhando, sonhando,gozando o marulho salgado, fazendo projectos também. Penso, muitas vezes, que é um momento que Deus concede para que o Universo respire fundo, carregue baterias, se prepare para mais um Tempo. Exagerado sempre.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Quase


Estão a chegar ao fim as férias, a terminar, depressa demais para o que eu gostaria, o hiato na rotina, na existência obrigatória. Estão a acabar-se os momentos dos possíveis e, num instante, a imporem-se as obrigatoriedades. Tem de ser. É a vida... e eu a desacreditar na LaPalissada oca. Porquê a vida? Porque não podemos nós, simplesmente, rasteirar a normalidade imposta e dar à tal "Vida" efectivo sentido?! Porque teremos de, quase sempre, entrar na norma, encarneirar, cumprir o que os outros esperam de nós? ou, pior ainda!, cumprir o que imaginamos que esperam de nós? Estando-me sob o sol quente, sinto o vento na pele, fecho os olhos, adivinho a presença sonora do mar e despeço-me com mágoa das férias excelentes. Ao mar, num murmúrio, confesso os inconfessáveis. Ao mar, esgotando Agosto, peço que atrase Setembro!!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Pontes


Unem margens, encurtam caminhos, denunciam presença humana, as pontes. Surgem sobre os rios, ribeiras, regatos até, sugerindo a possibilidade de unir mesmo as margens que, naturalmente, estão afastadas.
Talvez faça sentido olhá-las, às pontes, para fazer uma aprendizagem activa, participada, da possibilidade de unir a separação, o distanciamento, a oposição entre margens humanas que, muitas vezes, até pertencem ao mesmo rio.

sábado, 21 de agosto de 2010

Água


Corre, leva, traz. É a água, intensa, veloz, capaz de unir continentes e de encher oceanos. Vejo-a turística, cheia de presenças, de olhares, de tentativas (infrutíferas?) de captar momentos. É sedução. Atracção, também.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O Relógio


Surpreendente. Imponente. Impressionante. Num canto da cidade velha, sob olhares de milhares de turistas em disparos de frenéticos flashes, o Relógio lá está, rodeado pela Morte, acompanhado por Santos que, provavelmente, lamentam a sua pouca força face ao esqueleto ameaçador. Olho o relógio com curiosidade e surpresa. Parece mais complicado que "as complicações"... Não percebo como funciona, tento adivinhar as horas, desisto na minha impaciência para maquinismos. Penso no seu criador, que cegaram para que não repetisse a obra fantástica, e pergunto-me se não ficarão cegas, vezes demais, as pessoas que, olhando o Grande Relógio, procuram, como eu, perceber a magia do Tempo Imparável.
Fujo. Não é o meu espaço, o relógio célebre. Prefiro as ruas estreitas da cidade velha, a cidade pequena com o Pub assustador, a vista impressionante do Castelo onde chego sem fôlego, pernas a tremer, coração acelerado. Procuro o abraço amigo, o apoio firme, o beijo que me restitui a energia roubada pela subida íngreme. Estou viva. Sem tempos, sem prazo, numa descoberta de sentidos que os meus sentires surpreendem. Hoje, com a certeza do amanhã.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Partida

Mala feita, roupa dobrada, táxi confirmado e desejo imenso de partir! Como destino, bem cedo,numa madrugada imposta, com notícias de chuvas, de cheias, de frio, a par com o desejo antigo por cumprir. Jantar, a dois, no rio das mil histórias, preparamos a partida com mil cuidados.
Ansiedade provocadora de insónia de viajante.
É bom partir! É bom poder virar costas à rotina, ignorar o quotidiano e abrir a alma ao sonho de ser feliz!

sábado, 14 de agosto de 2010

Navegando a Quatro Mãos


No meio do rio o barquinho levantava a proa, ousado, quando eu, entusiasmada, levava ao máximo a alavanca da velocidade. Era uma estreia! Uma estreia como navegadora de rio, eu, já calejada de muitas navegações de vida, de alguns naufrágios também. Ali, sentia-me o miúdo actor na frase conhecida "I'm the king of the world!". Também eu era, no barquinho que com facilidade manobrava, capaz de ganhar o mundo, de fazer atracagens ousadas, de percorrer o rio sem medo sequer das margens de largas pedras. Ali, disponível, a certeza de um apoio firme e sábio se necessário, a partilha de um olhar atento, a orientação segura, - cuidado agora, vai mais devagar -, o sorriso cúmplice face à minha tão simples descoberta do prazer de navegar. À nossa volta, assustadores, os terríveis incêndios a tornarem o ar denso. Mas, egoisticamente, eu acelerava no barquinho branco, espreitava praias escondidas, aproximava-me, com cuidado, de enseadas paradisíacas, sem me preocupar sequer em olhar os helicópteros que passavam levando água...
Era bom se pudesse ir assim na vida. Não como um automóvel último modelo, desejo de Álvaro de Campos, mas como um barquinho seguro, navegando sempre a quatro mãos, a olhares partilhados, a descobertas duplas e a gargalhadas simultâneas.

sábado, 31 de julho de 2010

Fim das Reprovações?

Eu bem tinha razão em temer as medidas do Ministério da Educação tomadas durante as férias... Parece, há que dar o desconto à Comunicação Social, que a senhora ministra resolveu, por decreto (tudo bem em minúsculas) terminar com as retenções, reprovações, chumbos, ou seja lá o que for que chamem ao facto de um aluno ter de repetir um ano de escolaridade. Eu concordo com a senhora ministra! Sei que, na maior parte das vezes, repetir um ano não traz nenhum benefício ao aluno. Penso que a Escola, como tenho tantas vezes repetido, tem de ter espaço para "a pessoa que mora em cada aluno", num processo de personalização das aprendizagens, procurando soluções individuais para cada aprendente! Mas eu também defendo que o mundo deve ser justo, que não deve haver gente muito rica, que não deve haver pobreza, que não deve existir solidão, que não deve haver ladrões, que não deve haver assassinos, que ninguém deve ser privado da sua liberdade, que nenhuma criança deve chorar, que nenhum pai ou mãe deve ver a morte de um filho, que nenhuma mãe tem o direito de matar um filho, que a amizade deve ser sempre verdadeira, que os ordenados devem ser justos, que as férias devem ser bem gozadas, que o IRS deve descer, que o IVA deve ser de 2%, que a Arte e a Cultura devem estar ao acesso de todos, etc. Sim, eu concordo com a senhora ministra, porque eu também gostaria de viver num Mundo Perfeito!!
Só que, infelizmente, o mundo perfeito não existe... E, este mundo onde vivemos, feito de diferenças, de injustiças, de guerrilhas constantes, só se pode melhorar a sociedade se se premiar o trabalho, o investimento individual, se se separar o trigo do joio, se, desde cedo, se educar para o sentido da responsabilidade, da verdade, da autonomia. Numa Escola como a actual, é cada vez mais urgente investir no mérito pois, tenho a certeza, só uma Escola de Qualidade pode ajudar a criar uma sociedade de referência.
A proposta do Ministério da Educação é, apenas, uma bandeira demagógica e politica sem nenhuma eficácia! É, ainda por cima, uma proposta pouco honesta porque, este mesmo Ministério que se diz preocupado com os alunos, cria turmas de 28 alunos, desmotiva os professores, não investe no essencial e não se preocupa com aqueles, muitos felizmente!, que estudam e que querem, de facto, aprender e crescer!
Ainda tenho esperança que a medida anunciada seja, apenas, um devaneio de Verão. É que, com este calor intenso, andamos todos com os neurónios a ferver!

sexta-feira, 23 de julho de 2010

É Fácil!

Sempre que se aproxima o Verão, que sem dúvida tem sobre os portugueses (ou sobre os humanos?) um efeito anestesiante, tremo por saber que o governo aproveita a época de distracção colectiva para urdir - exactamente URDIR - novas medidas para a Educação. Embora também eu esteja em férias, ou se calhar exactamente por isso, tenho pensado muito na Escola, no caos instalado na minha profissão e, embora com perfeita consciência de que ninguém me vai dar nenhuma atenção, pensei em 12 medidas, só doze..., não muito dispendiosas e, de certeza, capazes de melhorar substancialmente a Educação em Portugal. Aqui ficam:
1 - Turmas com o máximo de 18 alunos; A afectividade é um factor essencial à aprendizagem!!!
2 - Aulas de 60 minutos; É tempo suficiente para estar fechado num qualquer espaço.
3 - Ensino e aprendizagem por competência; Aprender não é apenas acumular conhecimentos!
4 - Efectiva valorização da via profissionalizante; Não há trabalho indigno!!
5 - Creditação de participação dos alunos em actividades de carácter formativo, desportivo, social, associativo, etc; Temos de formar cidadãos!
5 - Aprendizagem da Música em todos os anos de escolaridade; A Arte é uma dimensão fundamental ao ser humano!
6 - Formação de professores com incidência na formação científica e didáctica; O mundo mudou, a sala de aula TEM de mudar!
7 - Aulas a terminar nunca depois das 15.00h; É importante fomentar a autonomia!
8 - Criação de espaços de construção de saberes, de ateliers, de laboratório; O saber-fazer pode ser a chave do sucesso!
9 - Teatro em todos os anos de escolaridade; Observar, ler, interpretar, desempenhar o papel do outro!!
10 - Reconhecimento do mérito efectivo; Não somos todos iguais!!
11 - Fim das grelhas classificativas,com critérios meramente quantitativos, adopção dos portefólios de desempenho; Os alunos não são adições em excell!
12 - Programas mais amplos e adaptáveis às diferentes realidades do meio; Não temos de saber todos a mesma pequena parte do conhecimento!

E pronto, vou para Férias!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Vazio


Ninguém, e o mar, imenso, ali, exposto e provocador, trazendo-lhe memórias, vidas, excertos de literatura, Poetas desaparecidos... Ó mar salgado! E Sophia a intrometer-se, garantindo que quando eu morrer, voltarei para buscar os instantes que não vivi junto ao mar. O vazio, surpreendente em Julho, sugeria a crise. Ou seria, apenas, o acaso? A hora, o céu carregado?
No mar, resistiam ums surfistas, teimosos, tentando o equilíbrio sobre as ondas enroladas, estoirando com força como se quisessem sacudir as pranchas incomodativas. Ao largo, três navios enormes, de edificado à proa, talvez partindo, ou talvez chegando, quase entre Torres, a caminho de Lisboa. Na esplanada vazia, aninhavam-se mil desejos com os sentires inquietos. De que falavam? O que diziam? E a música a vir também, sem necessitar de convite, para garantir que...nem às paredes confesso!!

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O rei na barriga

Portugal tem levado o ano de 2010, entre crises e escândalos, a assinalar os 100 anos da implantação da República. Foram as escolas, os políticos, os museus, algumas autarquias, quem, no fundo, queria folclore, que agarrou o pretexto da República para realizar cerimónias, festas e discursos sonoros. Entre tanta parangona, pouco se falou do regicídio, do sofrimento de uma família real que, para além de real, era também humana. Parece, aos olhos da História, que foi legitimado um crime horrível em nome da instauração de um novo regime que, por si só, nada trouxe de bom a Portugal. Aliás, olhe-se a História e perceber-se-á, tristemente, que só uma ditadura viria trazer ao país alguma "tranquilidade" - amaldiçoada e terrível!
Apesar de ser uma defensora da República, apenas porque acho que ninguém merece nascer condenado a governar..., faz-me impressão o regicídio, comove-me o sofrimento da Rainha que viu morrer o filho, que viu balear o marido (a ordem não é arbitrária!).
Hoje, atravessando Lisboa, reparei no número exagerado de Palácios, de Belém às Necessidades, e não resisto a concluir que, apesar do regicídio ter acontecido há 100 anos, ainda muitos portugueses carregam o rei na barriga...

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Férias


Estão aí, para muitas pessoas, as férias. É o tempo em que parece haver mais céu do que terra, em que os problemas são adiados, em que se ouvem, com frequência, suspiros de alívio e gargalhadas mais livres.
Curiosamente, há muita gente que aproveita as férias para, simplesmente, trocar de rotina. Trocam as filas matinais para os empregos, pelas filas para a praia; a coscuvilhice dos vizinhos, pelas observações da família do toldo ao lado; os almoços à pressa, por sandwiches enjoativas... Mas, são férias!
Um destes dias, atravessando o meu Alentejo, reparei na imensidão de terra coladinha ao céu, na paisagem fantástica, no silêncio, no ar que limpa, e não resisti a pensar que, se calhar, valia a pena trocar o destino de férias de muitos portugueses. É que, acho eu..., cada vez há mais pessoas distraídas da vida, centradas nas aparências, indiferentes ao essencial e, acredito mesmo!, um tempo de silêncio e essência pode ajudar-nos a encontrar-nos com o sentido do Mundo.
Porque quero acreditar que tem de haver um sentido, para além da loucura vigente, para lá das medidas que, absurdamente, o governo português adopta todos os dias...
Boas férias!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Tentações


Fernando Pessoa disse "Deus, ao mar o perigo e o abismo deu// Mas nele é que espelhou o céu". Muitas vezes, olhando Mar, penso nestes versos e, quase imediatamente, no destino português.
O país está virado para o mar, surge como que à beirinha de uma Europa que o não reconhece, de olhos postos nas ondas, no céu espelhado nas águas, na imensidão do oceano. Foi no mar que o destino se cumpriu, e foi, quando virámos costas ao mar, que de novo Pessoa gritou "Senhor, falta cumprir-se Portugal!".
Ultimamente, ouvindo falar de escândalos com submarinos, da pobreza e abandono da nossa Marinha, da eventualidade de encerrar (ou mudar de lugar?) o Museu da Marinha, encolhe-se-me a alma de dor. Porque viramos costas ao nosso destino? Porque parecemos temer, e voluntariamente ignorar, o imenso potencial de um Mar que já nos deu glória e fama?!
Serão os portugueses um povo com um futuro eternamente a haver?!
Hoje, quero crer que não. Hoje, vendo o céu plúmbeo refectido no Mar imenso, quero acreditar que ainda há quem não tema o perigo nem o abismo e, com coragem, seja capaz de perceber onde se reflecte o céu...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Olhar para o Ar

É uma expressão vulgar, que serve para repreensões, que se usa quando vemos alguém distraído e se faz de " Mas para que estás tu a olhar para o ar?". É assim parecida com o andar na lua, antes, claro, de até uma cadela lá ter posto as patas. Surpreendentemente, hoje, dei com muitas esculturas, homens, mulheres e crianças, todas a olhar para o ar, e achei piada.
Já as tinha visto muitas vezes mas, como quando vou ao aeroporto de Faro é sempre cheia de entusiasmo por ir ter com a minha filha, ou cheia de tristeza por a ter deixado, nem lhes tenho prestado muita atenção. Hoje, olhei-as com olhos de ver. Há umas sentadas, outras de pé, mas todas olham o céu. Obviamente, não observam pássaros...
Aliás, não observam nada, porque são pedras!, mas podem bem servir para sensibilizar a humanidade, como eu, não para a necessidade de olhar os aviões, mas para a urgência de tirar os olhos do chão e olhar o céu, o futuro, o que vem de cima, do BEM!

domingo, 11 de julho de 2010

O Crime

Os meus cães apareceram com uma galinha na boca. Passado o horror do primeiro impacto, resolvi investigar o crime.
É uma história simples: - A galinha, cansada das grades do galinheiro, ousou tentar a liberdade. Cá fora, o Tango perseguiu-a e abocanhou-a. Penosa morta, o Tango, todo contente, trouxe-a para junto da minha porta, brincando com o cadáver recente. O Buda não gostou de ver o Tango com um brinquedo novo e, na primeira oportunidade, roubou-lhe a galinha. A partir daí,tem sido um jogo de perícia e inteligência. O Buda, sempre que apanha o Tango distraído, rouba a defunta e esconde-a. O Tango, quando dá pela falta da sua conquista, procura-a desesperadamente até a encontrar e, de novo, a traz para junto de casa onde, julga ele..., está protegido da esperteza do Buda.
Neste jogo de mortos e vivos, deu-me para pensar como os animais são, tantas vezes, verdadeiras caricaturas humanas. Entre os humanos, quem ousa escapar às grades do pensamento imposto, quem se arrisca a saborear a liberdade, é também morto , ainda que metaforicamente, pelos cães que fazem a sociedade. Depois, também a guerrilha se faz de esconde e descobre, de vai e fica, de diz e desdiz. Invariavelmente, quem vence não é o mais corajoso, o mais ousado, mas sim o mais esperto,o mais hábil em utilizar a esperteza saloia. Finalmente, o culpado é sempre a vítima! Quem mandou a galinha ousar a diferença? Se se tivesse conformado com o que lhe dão, milho e um terreiro para debicar minhocas (que nojo, ainda agora estaria vivinha da silva!!
Moral da história: - Quem ousa arriscar a diferença, pode acabar na boca dos cães...

Baptismo

"O melhor do mundo são as crianças!" - Disse Fernando Pessoa e eu subscrevo inteiramente. Porque são puras, verdadeiras, sinceras, autênticas. Porque ainda não foram formatadas pela vigente hipocrisia social. Porque riem quando lhes apetece e não têm vergonha das lágrimas.
Por tudo isto, eu, como católica, tenho alguma dificuldade em compreender a ideia do pecado original. Uma criança não peca. Uma criança, como um dia disse o pagão Alberto Caeiro, é o verdadeiro Menino Jesus que fugiu do céu. Assim, para mim, o baptismo não é a purificação de um pecado inexistente mas é, sim, um assumir publicamente, pelos adultos, da obrigação e vontade de educar uma criança de acordo com o Bem. Foi assim que, ontem, acompanhei o meu primeiro neto no seu baptismo. A Igreja do Carmo acolheu-o com simplicidade, ele fartou-se de palrar e a água refrescou-o e deixou-o mais bem disposto. Quero crer que este simbolismo da água seja capaz de, ao longo da vida, o deixar mais seguro, mais fresco, mais bem disposto sempre...

quinta-feira, 8 de julho de 2010

As Notas!

Foram hoje afixados, no país inteiro, os resultados dos exames de 1ª fase de 12º ano. Logo cedo, as escolas encheram-se de ansiedade! Eram os alunos, os pais, os professores também. Para uns, em causa está a entrada, ou não, no Curso pretendido, a saída de casa dos pais, um passo de gigante no futuro; para outros, está o crescer inevitável daqueles seres que são sempre miúdos para quem, um dia, lhes mudou as fraldas; para os terceiros, em causa está até (imagine-se!!!) a qualidade do ensino realizado.
Se posso compreender a ansiedade de jovens e pais, tenho muita dificuldade em entender a dos professores. Não compreendo como se pode querer fazer corresponder a nota de um ano lectivo, com diversos elementos de avaliação, a possibilidade (e obrigação) de avaliar um processo de meses, com o resultado obtido numa única prova, num único momento. Querer fazer corresponder a nota do exame à nota do 3º período, é o mesmo do que dizer que um aluno que teve um treze num teste não pode ter 17 ou 18 no fim do período!!!
Todos os anos, nesta altura, me irrito com o que considero ser uma verdadeira aberração pedagógica! O exame é uma formade aferir resultados, não podeser uma meta, um objectivo de aprendizagem. Por favor!!!
Pior ainda, acontece quando, com a paranóia da nota do exame, se deixam de desenvolver competências para, quase exclusivamente, se treinarem exercícios idênticos aos que sairão no dito exame... A Escola passa a viver para a imagem, para o que parece, e não, como devia, para a essência e para o que É de facto o saber.
A Escola portuguesa do século XXI, que integro numa profissão que um dia amei, decepciona-me cada vez mais!
Eu sei, como sei!!!, que pensar é uma actividade de risco, que a cultura é uma forma de liberdade e, por isso mesmo, não posso aceitar com indiferença que o meu país promova a ignorância sem que os cidadãos se revoltem.
Como, um dia, os meus alunos escreveram "Esta Escola fica-me curta...". Excessivamente curta!!

terça-feira, 6 de julho de 2010

O Aparelho

O meu telemóvel vibrou feliz, a meio da tarde, com um sms eufórico: "Já não tenho aparelho!". Alinhei na euforia, dei Parabéns, fiquei feliz por poder partilhar o que era, sem dúvida, uma tão boa experiência: "Já não tenho aparelho!"!! Ainda não vi a boca refeita, decerto de dentes alinhadinhos, modelados, perfeitos, de acordo com a norma e o padrão estético em vigor. Ainda não vi o sorriso livre, e não metálico, da minha amiga que, hoje, se libertou do freio desagradável (ainda que ornamentado com elásticos de diversas cores).
Fiquei a pensar, contudo, na quantidade de miúdos, e adultos também, que usa os aparelhos correctivos dos dentes. É uma moda, como muitas outras, mas esta tem o seu quê de perigoso, acho eu... É o assumir que todos temos de ser perfeitos, ou pelo menos muito perto da perfeição, eliminando as particularidades de cada um! Todos os miúdos (ou quase) vão ter dentes alinhadinhos, ainda que eles mesmos insistam, saudavelmente, no desalinhar. Todos têm, durante dois ou três anos, um sorriso metálico que, terminado, os deixa felizes e livres para, talvez, serem quem de facto são.
Claro que nada tenho contra os aparelhos nos dentes. Se existe técnica e progresso, pois que os aproveitemos! Só que, hoje, deu-me para pensar que, se um dia inventarem um aparelho para a alma, a sociedade ficará muito pior. Sim, embora difícil, é possível piorar. Basta que se continuem destruindo individualidades, em nome de colectivismos inexistentes...
E veio tudo isto, hoje, a propósito de um sms feito de liberdade feliz:"Já não tenho aparelho!"

domingo, 4 de julho de 2010

Quando o Mito está no pés...

A Alma de Isabel.É um livro escrito pela Drª Teresa Gomes Mota, cardiologista de renome, e tem sido a minha recente leitura. É um livro esotérico, cheio de referências a Pessoa, à História Nacional, um livro que, se não fosse tratar-se de uma autora conhecida (e amiga) eu nunca compraria. Não é o estilo de livro que eu goste, não tem amor, vida de realidade, encontros e desencontros, poesia nas entrelinhas. No entanto, estou a gostar de ler e estou a ficar impressionada com o que leio.
A Alma de Isabelfala de reencarnação, da essência de Portugal, de Neptuno – sempre atraindo os portugueses para o mar -, de Plutão, numa reacção quase bi-polar, atraindo Portugal para a terra triste. Teresa Mota, apesar de médica, acredita que é a reencarnação da Rainha Santa Isabel e, talvez por ser uma mulher de ciência, cheia de espírito objectivo e pragmático, analisa-se cirurgicamente levando-me a pensar, a sério, na hipótese da reencarnação. A dada altura, falando de Portugal, que nasceu em 1143 sob o signo de Peixes, a autora explica a ascendência dos Peixes e destaca a importância do Mar para os nativos deste signo. Porque gostam de olhar o mar? Porque se sentem bem junto dele? Porque o temem, também? Por ser belo e relaxante? Não! Por ser portador de energias que, para os nascidos sob a influência de Neptuno, permitem o encontro com o Positivo. Com o essencial. Medo? Porque os Peixes são bipolares vivem na terra, presos a Plutão, orientados por Onion e, por isso, têm medo da sua Verdade. Como o mar, sofrem violentas tempestades, confrontando as duas forças que os atraem e condicionam. Para a autora, retornando a António Vieira com frequência, Portugal sempre existiu em função de um Mito e, agora, como o caos instalado, é necessário reencontrar-se um Mito " O mito é o Nada que é Tudo" , paradoxo bem explícito. Diz Teresa Gomes Mota que, neste momento triste, o mito português é o futebol, para concluir que mal vai um país que tem o mito nos pés, rasteirinho ao chão...
Alma de Isabel está a tornar-se absorvente.
Será que a reencarnação acontece?!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

1 de Julho de 2010

Os anunciados aumentos chegaram! A partir de hoje, ser português é AINDA mais difícil, mais humilhante, mais custoso - literalmente custoso. Aumentou o pão, o leite, as fraldas, o gás, a electricidade, as portagens, o IVA, o IRS, tudo. Tudo o que é possível aumentar, subiu na proporção inversa à qualidade devida que não pára de descer. A partir de hoje, dar de comer à família é uma tarefa ainda mais complicada. No entanto, e para surpresa de muitos, o primeiro-ministro garante que Portugal está bem, que se recomenda!!, que é preciso sermos optimistas. Será que lá no sítio onde este dirigente estudou alguma vez lhe ensinaram que ser optimista não é sinónimo de ser parvo?!
Se calhar não...

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Podia...e até era a mesma coisa!

Terminou a formação dos QIM sem a glória, sequer, de se tornarem QUIMS, ganhando, assim, humanidade... Construi um recurso, brinquei com o oculto, pasmei face ao brilhantismo de colegas que constroem verdadeiras maravilhas com o software do activinspire, gastei horas de vida (preciosas!) em sessões síncronas e assíncronas e, agora, respiro de alívio! ACABOU!!
Já domino os QIM mas, no entanto, continuo convicta - mais ainda! - de que não é por aí que vai melhorar a Educação em Portugal. As aulas participadas, as metodologias activas, não dependem, felizmente, das novas tecnologias. Mudar práticas implica revolucionar atitudes, agitar normas, questionar modelos, ter consciência de que APRENDER e ENSINAR são dimensões diferentes e que, por isso mesmo, na Escola deve desenvolver-se o processo de Ensino E Aprendizagem!!
Terminei a formação. Vou, com certeza, utilizar o QIM nas minhas aulas. Agora, pergunto-me, poderia eu, poderei, fazer aulas melhores, permitir mais eficazes aprendizagens sem os QIM?? E, ao contrário da publicidade, vejo-me a responder "Podia! E até era a mesma coisa!"

terça-feira, 29 de junho de 2010

Alívio e Desespero

Corrigidos e entregues os exames de 12º ano, respiro sempre uma imensa sensação de alívio. É uma tarefa exigente, desgastante, que exige concentração e que, pessoalmente, detesto fazer. Mas faço, o que tem de ser tem muita força... Depois, fico sempre pensando no pouco sentido que muitas destas práticas têm para mim.
A nossa Escola, o dito sistema, obedece a modelos obsoletos, segue o que vigorava nos séculos XVIII e XIX!, e, hoje, vivemos na era das tecnologias, do telemóvel, do imediatismo, da informação à distância de um clic. Não pode fazer sentido!
Assisti ao enfoque dado, para só citar um exemplo, à necessidade de impedir que os alunos utilizassem o telemóvel nos exames, nas aulas também. Foi a guerra. Professores a exigirem que os alunos entregassem os telemóveis, os miúdos a recusarem, uma festa. Ao mesmo tempo, noutros lugares do mundo, os telemóveis são recursos rentabilizados e explorados na sala de aula...
Temos um governo que elege como primeira priooridade para a educação a certificação dos professores nas Tecnologias e, ao mesmo tempo, anula exames a quem tiver um telemóvel consigo, ainda que desligado!!As aberrações do sistema educativo português desesperam-me! E sim, é possível mudar.
É possível, fácil, urgente e inadiável! Só que, para desespero da maioria dos professores, não será com a actual equipa do Ministério da Educação que a mudança vai acontecer...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Diz-se...

Diz-se, por aí, que a crise em Portugal é tão grave que, um dia, poderão até congelar as contas bancárias. Diz-se, também, que os Bancos são obrigados a revelar às Finanças os cêntimos que cada um tem, ainda que aplicados em poupanças. Diz-se, em todo o lado, que a situação social e económica está insustentável. Diz-se, nas Escolas, que o governo vai contratar professores brasileiros, em horários incompletos, para poupar dinheiro. Diz-se, ainda, que na língua portuguesa uma ação e uma acção, um facto ou um fato, um ónibus ou um autocarro, são a mesma coisa. Diz-se, em documentos escritos e oficiais, que a prioridade para a educação é a certificação dos professores nas novas tecnologias!
Diz-se, por onde calha, e até nas televisões, que vivemos em democracia e que Portugal é um país livre!!
Diz-se cada barbaridade no meu país...

domingo, 27 de junho de 2010

Ao Ritmo da Dança

Ando numa fase de bom entendimento com Portalegre. Que sorte, para mim, que carrego energia positiva para enfrentar o país... Ontem, foi a Festa da Escola Silvina Candeias que me encantou. Durante quase duas horas e meia, no palco grande do CAEP, desfilaram actividades que, desde o Karaté dos pequeninos , cheio de golpes e gargalhadas, passando por diversos níveis de ballet clássico, danças de salão, sevilhanas, jazz, salsa, e terminando com o thriller de Michael Jackson (obrigatório, agora), encantou uma plateia diversa. A sala estava completamente esgotada e, para desespero dos funcionário - Não pode ser! Têm de sair daí! -, havia até gente sentada nas escadas.
A Escola Silvina Candeias consegue, há mais de 20 anos!, dinamizar actividades na cidade e, o que de facto me espanta (porque conheço a minha gente), consegue seguir crescendo de ano para ano. Ali, na escolinha de três andares junto à Sé, cruzam-se gerações diferentes, em harmonia, sempre com um sorriso e a certeza de que algo nos une. Tenho visto crescer muitos miúdos, e jovens, meus "colegas" na Escola Silvina Candeias e experimento, confesso, algum orgulho por poder pertencer a esta comunidade. Ontem, os professores, todos fantásticos, mostraram, uma vez mais, como há jovens capazes de grandes feitos, de grande dinamismo e criatividade. O Pedro, a Ana, O Alin, a Lena, a Laura, a Rita, são os mestres, os jovens que, com rigor e elevado grau de exigência - muita paciência também -, mantêm as actividades a funcionar. Mas é a Silvina, sempre preocupada e rigorosa, a referência da Casa.
Ontem, foi bom sentir viva a minha cidade. Foi bom aplaudir a Escola Silvina Candeias!