quarta-feira, 30 de abril de 2014

Urgência

Visita-me agora. Vem ter comigo, fala-me de possíveis e de realizações. Vem já hoje! Arruma as impossibilidades, esquece as urgências exteriores. Vem agora. Fica aqui, conversa comigo. Depois, fazemos só uma mala e partimos. O mar está tão perto...

terça-feira, 29 de abril de 2014

Cansaço

Dói-me a cabeça. Tenho em mim um cansaço extremo, uma incapacidade de resistência que não consigo explicar. 
Hoje, de repente, num texto de fundamentação teórica de mais uma das muitas teorias psicológicas que assentam na exploração do óbvio, esbarrei com a palavra adultez. Lia-se "a entrada do indivíduo na adultez é cada vez mais tardia (...)" Socorro! Tirem-me deste mundo de horror e ataque constante à língua de Camões e Pessoa. À língua que é a minha!!

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Lugares

Tinham acordado a hora e o local. Seria ali, junto à ribeira, na hora que ela sempre dizia ser o tempo do mundo respirar fundo. Ela chegou primeiro, com calma, numa tranquilidade conseguida pela desistência assumida: - Quem nada quer, nada perde. E ela não queria nada, já. Quisera tudo! Com força, com entrega e exagero. Tinha lutado pela ternura, pela cumplicidade, pela partilha efectiva. Tinha pedido presença, combatendo ausências. Gritara o Tempo que via esgotar-se, mas sem êxito. 
Hoje, olhava a ribeira e pensava que também a vida, a dela, era apenas um reflexo de ilusão no espelho da realidade. Conhecia bem aquele espaço. Era o lugar onde, filhos pequenos, fazia pic-nics divertidos, caminhadas revigorantes, tardes  de lazer com um bom livro por única companhia. Agora, seria o cenário do adeus. Sem mágoa, sem ódio, sem insultos nem arrependimentos. Apenas, pensava, o ponto final numa narrativa nunca escrita a quatro mãos.
Ouviu o carro dele chegar e viu-o caminhar, decidido e elástico, pela escada de pedra. Era tão lindo ainda!

domingo, 27 de abril de 2014

BONDADE

No dia em que surgem mais dois Santos, deu-me para pensar como é difícil, tarefa árdua mesmo, ser bom. A gente até pode querer ser bom, ainda que não santo, mas esbarra com tantas chatices, tantos obstáculos, tantos encontrões que fica difícil. Pelo contrário, ser mau dá muito menos trabalho. Basta impôr o eu, gritar  a desrazão, insultar e pisar, e pronto, fica-se em paz debaixo daquele enorme guarda chuva que são as parangonas gastas: Eu é que sei  da minha vida! Eu sei muito bem o que tu pensas! etc.
Às vezes, eu gostava de conseguir ser boa. De ter resistência, de ser resiliente também. Mas não sou capaz e desisto... Depois acontecem estes discursos verdadeiros sobre gente boa e eu sinto-me tão mal, tão estupidamente falhada.
Eu queria ser boa mesmo, mas é difícil que se farta...

sábado, 26 de abril de 2014

Pena?

Todas as manhãs se repetia a rotina: - sair de casa depois de uma caneca bem cheia de café preto-preto, apanhar o taxi aquático e navegar, embalada pelas águas que conhecia já tão bem, até ao local de trabalho. Depois, entrava, ligava o computador e começava o teclar apressado, a resposta a mails, as reuniões onde registava tido para, depois, apresentar resumido aos seus chefes. Fugira para Roterdão na idade em que parece já não ser possível mudar. Fugira da solidão, do desalento, da desilusão também. 
Recusara sempre esgotar-se nos filhos, ser a avó chata, a mãe incómoda que era preciso não deixar sozinha. Falhara três relações e não tinha forças para tentar mais. Partira. 
Sempre gostara da Holanda e, assim, aceitara aquele lugar de tradutora, despedira-se dos alunos e fizera a mala. Há sete anos já que estava ali, e gostava. Gostava da independência de poder fazer o que lhe apetecia, gostava de explorar a velha Europa. Mas gostava ainda, mais do que tudo, de sentir que não pesava em ninguém e que podia morrer ali, em paz, sem forçar ninguém a ter pena...

sexta-feira, 25 de abril de 2014

25 de Abril

Ouvi ontem, num painel sobre vivências de Abril destinado a alunos de 9º ano, que há frustração com Abril. Fiquei a pensar, sentindo as palavras a chocar dentro de mim...
Eu tinha 14 anos quando o 24 de Abril aconteceu. Não tenho, felizmente, memórias vividas da ditadura, da opressão. Em 74, a Revolução significou, para mim, poder dizer que não concordava com os professores, poder namorar sem medo de ser vista ou comentada, poder entrar no Café Alentejano sem ser apontada a dedo. Era a Liberdade, palavra que desconhecia, a acontecer para mim. Não havia lobos na minha cidade, a alegria existia e o medo fugira para longe. Muito longe! 
Cresci. Fiz opções políticas, estudei filosofias, aprendi, quero crer, a pensar no sentido das Coisas para além das mesmas Coisas. E, para mim, agora, com 54 anos, Abril faz sentido. Não, não estou frustrada. Sinto que em 74 alguém abriu um enorme portão de possíveis, permitindo-me, a mim e a todos, crescer em Liberdade, fazer escolhas, votar. O que me frustra agora, 40 anos depois, não é Abril mas o desinteresse de muitos portugueses pelo que Abril significa. Para mim, poder pensar e falar, poder votar, nunca será frustração. Abril não é de alguns e, penso, está a acontecer e não está esgotado. 
Fernando Pessoa, dirigindo-se a todos nós, dizia "Senhor, falta cumprir-se Portugal!". A mim, apetece-me dizer "Portugueses, falta cumprir-se a essência de 74"!

quinta-feira, 24 de abril de 2014

A Véspera

Amanhã é o dia. Quarenta anos sobre a Revolução, sobre a Liberdade conseguida, sobre a Igualdade apregoada. Preparam-se festejos, comemorações, palestras, reflexões, memórias. Os meninos, embora não saibam sequer o que foi o 25 de Abril de 1974, dizem poesia de Ary dos Santos e fazem coro bonito gritando liberdade. As Câmaras Municipais engalanam-se, os cravos encomendam-se e os fatos domingueiros saem do roupeiro.
Olho os preparativos, a véspera, com alguma angústia. É que, penso ás vezes, e Portugal muita coisa fica pela véspera, pelo adiar eterno do essencial. Temo que com Abril o mesmo possa acontecer e tenho medo. É que a Liberdade, a Individualidade, a Verdade deviam ser ideais assumidos e não sempre situados na véspera da sua concretização...

terça-feira, 22 de abril de 2014

A VIA SACRA

Eram quase onze da noite quando a banda começou a ouvir-se. Curiosa, aproximei-me da janela e olhei o largo. Ali mesmo à porta era a estação X "Jesus é despojado das suas vestes" podia ler-se na cruz que marcava o lugar. A banda anunciava a via sacra, acompanhava as mil velas, os passos arrastados e silenciosos da multidão, a voz do padre que o microfone roufenho fazia mais terrível ainda. Tudo parou e, no silêncio, surgiu o discurso "pedagógico" do vigário: " A Jesus arrancaram-lhe as vestes mas, este ano, os bombeiros do Seixal fotografaram os corpos nus, sensuais, para venderem. Uma vergonha! Bem fez a Cáritas que recusou o dinheiro vindo de um acto destes! Eu, sobretudo no Verão,quando caso as raparigas, tenho muitas vezes vontade de as mandar a casa vestirem-se antes de entrarem na casa do senhor! Pai Nosso..." E seguiu a procissão para a estação XI. Voltei a fechar a janela com vontade de rir e de chorar. Teve graça, tenho de confessar. Mas, ao mesmo tempo, é dolorosa a forma desajustada de alguns discursos da minha Igreja. 

O senhor padre falava com ódio na voz e eu precisava, e preciso, de ver reinventar o amor e não apregoar o ódio.
Não quero crer que a nossa vida seja uma via sacra. Acredito que Deus, que é Pai,  quer que sejamos felizes e, por isso também, entristeceu-me o discurso que considerei ridículo do senhor padre...

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A CASA

Era sempre assim. Ela chegava primeiro, sozinha, para arranjar a casa; eles vinham depois, enchendo tudo de vida, de netos, de agitação e palavras. Aquela casa, ali, no alto de Moledo, com o mar aos pés, era o seu refúgio. Para ali viera quando o casamento ruíra, de repente, sem que ela tivesse percebido que tudo se estava a desmoronar. Por aquela casa brigara, impusera a vontade, exigira ficar com o espaço que criara a dois e, agora, era singular. Dali via o rio, o seu rio Minho, abraçar o mar e nele morrer. Talvez ela também morresse assim, mergulhando na imensidão. Olhou o longe. Como gostava daquele horizonte, daquela possibilidade de olhar por cima das copas das árvores, do cheiro da sua casa vidrada e cheia de ausências sempre presentes. Uma buzina assustou-a. Chegava a vida que, não sendo a sua, lhe dava cor à existência. 

domingo, 20 de abril de 2014

Ponte de Lima

Ponte de Lima é, dizem os limianos, a vila mais antiga de Portugal. Não sei se é verdade, mas sei, de certeza, que é uma Vila linda e acolhedora, cheia de gente simpática, de casas de pedra, de referências à História de Portugal. Em Ponte de Lima passeia-se com gosto, respira-se ar puro e lava-se a alma. Estranhei a religiosidade daquelas gentes, a forma como participam nas cerimónias da Páscoa e o entusiasmo com que assistem ao julgamento de Judas. Este julgamento surpreendeu-me! Ali, impresso em duas folhas A4, surgem caricaturados os acontecimentos mais relevantes da vida da comunidade. E toda a gente lê com atenção, toda a gente sorri e, quero crer, os visados aceitam com a calma possível as críticas por vezes ferozes...

O MINHO

Dizem, ou li algures?, que sair de casa, mudar de ambiente e cenário, é dos melhores remédios para a alma. Posso provar a verdade do aforismo. Estou longe do meu Alentejo amado, neste Minho exuberante, num espaço onde o verde abunda, a água corre solta e as pessoas falam um português apressado, bem diferente do arrastar de sílabas da minha zona. Atravessei o país vendo com olhos de ver, olhando o exterior para não ter de encarar os destroços interiores, e gostei da força do mar na Costa Nova, das cores do Douro ao atravessar o Porto, das pedras graníticas que fazem esta terra de Ponte de Lima. 
Já passei Páscoas fora de Portalegre, em Lisboa, no Algarve também, mas é a primeira vez que estou tão longe, teclando com calma para não acordar a minha neta pequenina. É bom estar longe. É bom poder olhar o mundo e acreditar que a vida é muito mais do que desinteresse, distância e abandono. Aqui, neste espaço que me é estranho, não perco tempo a procurar-me, limito-me a existir e a espantar-me, ah o dom do espanto!, com a força de uma Natureza impressionante e avassaladora!

sexta-feira, 18 de abril de 2014

AMO-TE

Há muitas formas de dizer amo-te. Muitas formas de garantir amor. Mas nem sempre sabemos, ou somos capazes, de fazer valer esse amor dito, transformando-o em amor vivido.
Temos medo de dizer que sim, que amamos e queremos viver ao lado dos que amamos. Então, damos desculpas, inventamos, ou escolhemos, outras prioridades e, aos poucos, vamos-nos esquecendo do tal amor dito, não vivido. Vamos adiando, afastando, condenando, julgando, exigindo sem dar e, de repente, o amor dito já não existe. Foi-se. Esgotou-se nos adiamentos, nas distâncias, nos desinteresses, no gelo que colocamos a queimar a ternura e a cumplicidade que fazem o amor dito. São coisas esquisitas de homens e mulheres, da existência estranha que faz o quotidiano, talvez.
Um dia, vai ficar tudo negro. Chegará o fim e, então, de nada servirão os habituais lamentos sobre o que erramos na vida.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Perfume

O alecrim cresceu solto e livre, transbordou do canteiro e perfuma abundantemente o cabrito que já temperei. Nas minhas mãos ficou o cheiro intenso, e eu penso que talvez ele perfume o vazio que a vida vai deixando nos meus dedos. As coisas, muitas e diversas, vão acontecendo, os tempos vão-se esgotando, as desistências sucedem-se, a vida impõe-se. Pouco fica, para além das memórias que, também elas, doem às vezes de mais, das saudades muito gordas a ocuparem uma imensidão de espaço.
O silêncio é muito, o calor excessivo, a minha Páscoa fere que se farta!

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Os meus Velhos

Estes três velhos existem, desde que eu tenho memória, na casa dos meus pais. São uma peça com valor apenas afectivo, mas acompanhou-me sempre e gosto muito dela. Quando era criança, lembro-me de imaginar que os velhos falavam da nossa vida. Eles viam tudo, ouviam tudo e, depois, teciam as suas considerações sobre as nossas rotinas. Connosco partilhavam, achava eu, alegrias e tristezas. Cheguei a pedir-lhes que intercedessem junto da minha mãe para me deixar fazer algumas coisas não permitidas, mas nunca me ouviram e eu, então, atribuía o seu silêncio ao facto de serem velhos e, por isso, não compreenderem as minhas razões. 
Agora, olho-os e imagino sobre o que falarão ainda. Da política manhosa? Das diabruras dos meus netos? Do meu silêncio vazio? 
Ou será que os velhos, que hoje me fazem companhia iludindo a solidão, só conversam sobre literatura? Fico olhando e revendo momentos, imaginando amanhãs, pedindo-lhes que povoem o meu presente vazio. Calam-se, mas sorriem. São boa companhia, os meus velhos.Não exigem nada, não criticam, não insultam, não julgam. Os meus velhos existem só para mim e, se calhar e eu tiver sorte, um dia vão descer do banco e sentar-se a meu lado no sofá.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Porquê?

Porquê é a palavra que o meu neto agora mais emprega. Porquê o sol vai embora à noite? Porquê as pessoas vão para o céu e eu não as vejo quando vou no avião? Porquê o cão não pode falar? Porquê a avó quer mandar matar a galinha castanha? Porquê Portalegre não é ao pé de Guildford? Porquê a rolha da garrafa tem furos e não entorna? Porquê a avó dá beijinhos e tem olhos tristes? Porquê eu tenho de almoçar de manhã e só posso jantar à noite? Eu vou respondendo, como posso e sei, sentindo que, muitas vezes, não consigo esclarecer a curiosidade dele. Também eu queria respostas para muitos porquês.
 Queria saber porquê roubaram a minha capacidade de acreditar e porquê eu não trouxe, como o Poeta, a minha infância guardada na algibeira...

domingo, 13 de abril de 2014

O BEIJO

Dia do Beijo. Não sei se é internacional, se mundial, se só português, mas ouvi noticiar o dia do beijo. Como há dias para tudo, ou quase, não estranhei a comemoração. Ainda por cima, eu adoro beijos! Beijos ternos, meigos, feitos quentura de coração. Gosto de beijar os meus netos, adoro as bochechas de bebés, gosto de beijar as minhas filhas, gosto de beijar os meus amigos verdadeiros, gosto de lembrar os beijos do meu Pai. Sempre achei que, na vida, se circula muito melhor com beijos e carinho, com ternura e compreensão, com entrega e cumplicidade, do que com agressão e distância, frieza e desinteresse. 
Assim, resolvi assinalar também o Dia do Beijo. Subi a Marvão e, lá de cima, beijei com a alma aberta e limpa o meu mundo, a minha paisagem, o meu refúgio!

sábado, 12 de abril de 2014

Quase Páscoa

A noite está morna, as nuvens que pintaram a tarde desapareceram e, na varanda, o passarinho dos meus netos canta tranquilo. É quase Páscoa. 
É a época em que as memórias se intensificam e a vontade de encontrar sentidos se faz mais presente. A minha Fé, infelizmente para mim, não é suficiente para acreditar que a vida vai mudar. Tenho medo, olho com receio o amanhã e gostava de ser capaz de acreditar que Deus vela por mim e me compreende. Todas as noites olho o meu Cristo e pergunto porquê. Sei que Ele quer que eu aceite só, sem perguntas. Mas sei, também, que Ele me deu a vida para fazer dela algo com sentido. Recuso a tristeza que insiste em instalar-se  e recupero a Páscoa que aprendi em criança. Tento...

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Gerações

Não tenho dado pelo tempo passar. Não tenho vontade de voltar a ter vinte anos, gosto muito da minha idade, e gosto de olhar filhas e netas pensando na mudança e na sucessão das gerações.
Também fui neta, e adorava as minhas avós! Delas tenho recordações vivas, memórias ternas e muitos saberes. A minha avó Carolina, que morreu era eu ainda miúda, dava-me pão com manteiga e açúcar amarelo e, juro, nunca comi pitéu maior. Em casa dela havia um gato preto, de grandes olhos luzidios, que tinha assento no colo fofo da minha avó e protestava, chegando a assustar-me, quando ela o punha no chão para nos mimar a nós. Tinha o cabelo cinzento, a avó Carolina, e cheirava sempre a doce, a leite de creme e a arroz doce. Em casa dela as escadas eram lisinhas, acho que tudo era lisinho lá, e eu podia chegar à porta descendo de rabo nos degraus como se tivesse um carrossel privado.
A minha outra avó, Leonor, morreu velhinha velhinha, era já eu mãe, e cheirava sempre a tokalon. Sabia muitas histórias de militares, o pai dela fora general, e gostava de contar que era prima do Ricardo Ivens, aquele mesmo que vinha no meu livro de história. Esta avó gostava de dançar, ouvia as minhas confissões apaixonadas e sabia pôr a mesa com muito requinte. O pior desta avó, de olhos muito azuis e pele suave, era a mania de dizer "mulher para ser bela, tem de sofrer".... Já eu jovem indignava-me, mas ela mantinha  a sua opinião e vá de encher a cabeça branca de papelotes bem apertados antes de ir dormir.
Agora, com a Páscoa a chegar e as minhas netas perto de mim, sinto mais viva a ausência das minhas avós. O que lembrarão de mim a Carlota e a Constança? Que memórias guardará de mim o meu Manuel Bernardo, o meu neto homem? Queria ser capaz de lhes ensinar a ternura do por-do-sol, o sabor do amanhecer, o carinho da velha casa amarela onde vêm de longe a longe. 
Agora, neste desfiar de memórias, percebo que o Tempo passa mesmo e que, para que não doa muito na passagem, é preciso que a ternura aconteça a cada momento. Agora, olhando a cidade lá em baixo, esperando que todos cheguem para encherem de barulho vivo este espaço, percebo que adiar presença e carinho não pode, nunca, fazer sentido para mim! Aqui, na varanda de tantas conversas, sinto as minhas avós e o meu Pai também. De repente, o Tempo faz sentido agora. E estou bem aqui conversando com o passado, antevivendo o presente e ignorando o futuro.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Primavera

A fazer jus ao nome, aí está o primeiro Verão. Chegou cheio de força, encheu as árvores de flores e os céus de passarinhos. No meu quintal, logo cedo, vejo a ternura despertar no saltitar dos melros, na música do rouxinol. A Natureza parece ter dado tréguas e vestiu-se de cor e quenturas diversas.
Mas os homens, desatentos, parecem não ter dado por nada e, por isso, as maldades continuam a preencher o quotidiano.
Pasmo. Indigno-me. Desejo para mim a ternura do meu quintal e alcanço, apenas, o gelo da desilusão.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

MODERNIDADE

Não sei bem o que é ser moderna. De facto, lembrando o Modernismo de Marinetti, creio mesmo que nada há de moderno nos dias de hoje... Mas enfim, o que acontece é que vivemos, eu pelo menos vivo, numa loucura de afazeres, imposições e relativismos que dizem ser reflexo da tal modernidade que eu desconheço. Vivo confrontando-me com o espelho que nos define, esta verdade Lapalissiana de que nos vemos no outro, que nos completamos no outro, perdendo vezes demais o que me faz ser eu, a minha essência, sem saber como remediar a questão. A juntar a tudo isto, como se fosse pouco..., vivo pressionada pela modernidade máquina: - Preciso do telemóvel sempre, uso o computador todos os dias, fico angustiada e atrapalhada se a net não funciona. Foi o que me aconteceu hoje. WOW, ia ter hi-fi a funcionar perfeitamente. UAU, nada funciona!!
Agora, já tarde e depois de falar com muitos técnicos simpáticos a chamarem-me senhora Maria, só queria mesmo era voltar à ante-modernidade. Aquele tempo em que o meu número de telefone era o 345 e está lá era a maior das inovações...

quinta-feira, 3 de abril de 2014

REPETIÇÃO

Aproxima-se mais um final de período, este longo, e vejo voltar a agitação à Escola.Não é rotina mas, pelo contrário, repetição de boas vivências com diferentes protagonistas.  É bom! É bom ver o desenvolvimento da Semana das línguas, é bom ver os miúdos a fazerem crepes, a dizerem Pessoa, a contarem lendas e narrativas, a dramatizarem Garrett. É bom sentir a alegria dos que participam, a inveja mal contida dos que apenas assistem... E dá-me para voltar a acreditar que, se nós-TODOS- quiséssemos, seria possível ainda dar sentido à Escola. Seria até possível, talvez, desarrumar um pouco os ratinhos sábios, aqueles meninos e meninas para quem tudo o que saia da norma conhecida é encarado como inútil, e para os quais a Escola se resume a testes e notas de 20.... São os tais meninos velhos, que me entristecem demais!
Esta semana, tenho vivido numa correria a energia da minha Escola. E o cansaço que sinto, agora que me preparo para mais dois dias de formação (Metas...), faz-se de sentimento de dever cumprido. 
Às vezes, gosto mesmo da minha Escola!! Sempre, adoro os meus alunos.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Açorda

Eu tenho a certeza que as memórias têm sabor. Tenho a certeza, também, que a gastronomia define lugares e influencia existências! É por isso que, quando tudo parece descambar, quando os trilhos da vida parecem irremediavelmente fora do lugar, gosto de fazer uma boa açorda alentejana, com poejos mesmo, com ovo  escalfado no ponto certo, e aquecer o invólucro da alma.
Gosto do cheiro verde, do fumo quente, do azeite puro, das ausências que são presenças enquanto corto o pão duro, do verdadeiro, à mão mesmo. 
Não há dúvida que só no Alentejo, nesta província longa de Tempo e sonho, no espaço pintado de amarelo e negro de sombras de sobreiros promissores de riqueza, podia existir uma sopa assim, capaz de ressuscitar até um morto (de alma)!