sexta-feira, 31 de julho de 2009

Enxaqueca

Para além da curiosidade ousada (?) da formação da palavra, incomoda, perturba, cansa e é dolorosa, a enxaqueca. Há três dias que carrego uma que resiste, cruel e teimosa, a todos os analgésicos que existem na farmácia. Por causa dela, ou se calhar para além dela, na minha cabeça emaranham-se pensares e sentires, recordações e projectos, sonhos e desilusões. Surgem flashes de vivências, instantâneos de uma realidade que preferia desconhecer. Hoje, bem cedo, procurando a bica que sempre tenho esperança vá - finalmente! - libertar-me da enxaqueca, esbarrei com o notíciário que agravou o meu mau-estar. O governo deste país que é meu, juro que não fui eu a escolher!, entrou em campanha eleitoral e desatou a prometer barbaridades: - Creches e escolas abertas até à noite, duzentos euros a cada bebé (para levantarem quando fizerem 18 anos!!),casamentos homossexuais, foram as que mais me perturbaram. Será possível que, em pleno séc. XXI, ainda se acredite que os pais não têm nada a ver com a educação dos filhos?! Será possível que haja quem creia que as crianças devem estar na escola de manhã à noite?! Experimento uma revolta que me faz sentir a cabeça a latejar de dor. Ninguém merece um governo assim!!! E que sentido faz financiar, com 200 euros???, a levantar aos 18..., todos por igual, independentemente do que façam da vida e na vida?! Que sentido faz casar os gays e as lésbicas, fazer da diferença norma?! Uma coisa é o respeito pela diferença, ninguém tem culpa de nascer só com um braço, por exemplo. Mas outra coisa, bem diferente, é querermos cortar um braço a todos para dizermos que há igualdade!!São medidas que, entre muitas outras de idêntica estupidez, agravam a minha enxaqueca! Se eu pudesse, fazia uma magia para fazer desaparecer o PS. Um PUFFFF!! Foi-se!! para desaparecerem todos sem deixar vestígios.
Dói-me tanto a cabeça!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O Circo

Começou a silly season, este ano mais silly e menos season por causa das eleições. Dantes, no Verão, o circo vinha à minha cidade, trazia leões e contorcionistas, elefantes e palhaços. Agora, parece que só chegam os palhaços... Há slogans gritados, cartazes por todo o lado e, em mim, um eco de cansaço oco de esperança.
Parece-me tudo exageradamente desajustado! Repetem-se fórmulas, festas, comícios, discursos, ofensas, promessas, numa fórmula que sinto nada ter a ver com a realidade que vivo. Assisti ao debate entre os dois principais candidatos à Câmara de Lisboa e arrepiei-me. Tanta agressão, tanta vulgaridade, tanta vaidade egoísta e tão pouca verdade, tão pouca essência! Depois do debate, o Martinho da Arcada a ameaçar fechar. Como se a realidade gritasse SOCORRO!!, perante ouvidos surdos e mentes vazias...
Na minha cidade, há também campanhas. Eu fiz a minha escolha, quero ajudar o meu projecto a vencer mas, no entanto, queria ser capaz de fomentar uma campanha diferente. Serei?

sábado, 25 de julho de 2009

Bolas de Berlim

Bolas de Berlim, não é preciso levantar, basta pôr o dedo no ar! - todo o dia o pregão se repete, na voz rouca de um velho cansado, alternando com Olá! Calipo e Magnum, ice-cream, ice-cream, que desperta mais sorrisos do que gulodice. Há pessoas que seguem a indicação, levantam o dedo e cedem à bola. Com creme! Não, senhora, que os da azar (trocadilho com humor) não deixam.
De olhos semi-cerrados surpreendo-me com os contrastes da praia. A ASAE não permite o creme nas bolas, e as pessoas trazem-nas das pastelarias, com creme, dificultando o negócio ao velhote que, apesar do cansaço, mantém o humor e a resposta pronta. Há a preocupação, quero crer, de proteger a saúde de todos mas, sinto, está a tornar-se incómoda e excessiva essa preocupação. Penso no nome das bolas, de Berlim, e não resisto a associar uma certa obsessão hitleriana a esta democracia controladora e impeditiva da liberdade individual! Num sistema político onde as aberrações intelectuais são rotina, porque não pode apanhar-se uma dor de barriga voluntária?
Tento esquecer as bolas e olho a beira-mar. Há muitas mulheres expostas, biquinis mínimos, top-less sem gosto. Se a pele se tornar tecido,quando já não houver nada mais para tirar e descobrir, o que acontecerá ao erotismo e sensualidade? De novo me surge a Berlim da ditadura. Incómoda, irracional, paranóica. Como as bolas. Sem creme!

quinta-feira, 23 de julho de 2009

As estátuas

Lá em baixo vejo desfilar a vida. É noite, tarde e cedo. Tarde para quem gosta de sossego, cedo para quem opta pelas discotecas e bares. Cheguei há pouco, passeio juntinho ao mar, bica na esplanada simpática, caminhada de regresso pelo movimento de Verão, peles bronzeadas, roupas estranhas, linguajares múltiplos, vendedores de tudo: - óculos de sol, peluches, vestidos, arte africana, artesanato, t-shirts, lacostes alagartadas, pipocas, cachorros, gomas, anéis, colares, pedras, ganchos, travessões, biquinis, toalhas de praia, havaianas, crocks e similares, etc. No meio dos vendedores ambulantes, sempre prontos para ensacar tudo e fugir dos polícias, estão as estátuas. São pessoas estranhas, imitando pedra, imóveis, de caras pintadas, horas e horas sem qualquer movimento, uma lata aos pés esperando que caiam moedas. Fazem-me impressão estas estátuas! É a miséria humilhada e petrificada! Arrepiam-me, fazem-me sentir incrivelmente culpada. Deixo moedas rápidas. Tenho vergonha de existir num mundo de tanta enormidade, e sinto-me mal por gozar agora o privilégio de uma cama fofa com vista para o mar. Não experimento pena, sequer simpatia, pelas estátuas humanas. Acredito que o ser humano faz as suas escolhas e que cada um deve ser livre de fazer o que quer. Mas, será da maresia?, incomoda-me a idiotice humana. A minha também.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Pão Quente

Cedo ainda. Cedo para as férias da modernidade, mas não para ela. Senta-se na cadeira da esplanada ainda fechada e fica a ver. O sol começa a despertar, empurrou já um pouco o cobertor de nuvens com que se protegeu da humidade da noite e, de mansinho, afagando-lhe os braços nus, espreguiça-se. As gaivotas grasnam, parecem protestar, caminham sobre a praia, pousam perto dela, nos suportes dos guarda-sóis fechados, e olham-na com superioridade. Se ele estivesse com ela, ali, fotografá-las-ia. Eterna mania de captar tudo, com frenesim, como se quisesse aprisionar momentos, prender tudo na câmara moderna que, mais tarde, ligava ao po comprtátil computador, filtrava num qualquer Picasa e tornava obras de arte… Ela não precisava de máquinas, prendia momentos com a alma, registava-os no coração e, depois, tratava-os na memória filtrando-os também. Perto passava agora um desportista. E ela sorriu. A febre da vida saudável, a paranóia da corrida, levava homens e mulheres a fazerem figuras curiosas. Ridículas. Ali ia um homem, mais de 60 anos talvez, barriga flácida, meiinha branca, ténis à Nelson Évora, t-shirt garantindo a saúde a quem bebesse uma determinada água saudável, suor escorrendo repulsivamente pela cabeça careca e pescoço enrugado. À frente, uma jovem senhora, equipada também, rabo de cavalo e colar de pérolas (??) num passo estranho que a desengonçava. Marcha, seria? Voltou a concentrar-se nas gaivotas. Bem mais autênticas, pensou.
Levantou-se a caminho do supermercado. Ia ao pão quente – “Pão quente faz mal ao ventre!” – ouvia na memória as palavras da velha criada dos avós e, deliberadamente, ignorava a sensatez. Estava em férias! FÉRIAS!! E, depois dos espécimes que tinha encontrado a caminho da saúde, tudo o que lhe apetecia era não ser correctamente saudável e comer o que lhe agradava. Olhou o relógio. Tinha ainda meia-hora antes do supermercado abrir. Lentamente, foi andando pelo paredão. Chegavam já os miúdos donos da praia, bronzeados, tatuados, cheios de força, que começavam a carregar os colchões e a abrir os guarda-sóis. Gostava de os ver, bem-dispostos, jovens, cumprimentando-a todos os dias, de ano para ano, levando-lhe a caipirinha até à sombra alugada. Se ele estivesse ali, dir-lhe-ia que caipirinha pelo meio-dia era loucura. Mas ele não estava, partira há muito, e ela gostava de loucuras. Aliás, quanto mais esbarrava com as aberrações pretensamente correctas da modernidade, mais lhe apeteciam loucuras. O miúdo dos guarda-sóis viu-a e acenou-lhe um já por aí bem disposto. Ela respondeu um vou ao pão, até já. Lembrava-se das filhas pequenas, a acordarem a horas assim e a virem com ela ao pão. Não tinha saudades desses tempos, revivia-os sempre que queria nas suas memórias, e fazia-lhe bem vê-las mulheres, felizes, enérgicas, fazendo percursos de sucesso. Saudades tinha dele. Do abraço a saber a sal, das observações sensatas face às suas transgressões, dos jantares de peixe fresco e champanhe a ouvir rebentar as ondas… Olhou o relógio e foi ao pão quente. O ventre que tivesse paciência, se ficasse mal podia sempre associar-se ao coração!

domingo, 19 de julho de 2009

24º Andar

É uma varanda com vista fantástica. No 24º andar, num apartamento funcional, limpo e branco, instalei-me para descansar, para recuperar a serenidade (sugeriram-me), para, sobretudo, iludir a realidade. Aqui, na varanda, oiço rebentarem as ondas, vejo o mar imenso, sinto o odor salgado que sempre me sugere ousadias. Daqui, vejo as pessoas pequenas e silenciosas, as gaivotas grasnando protestos e os barcos à vela que, calmamente, vogam sobre as águas. De manhã, mergulhei, nadei e ousei uma caipirinha fortemente gostosa que o rapaz, que há anos me guarda o toldo da frente, me trouxe até à areia. É um jovem musculado, muito bronzeado, com uma enorme tatuagem que detesto, e um sorriso branco que me lembra os meus alunos. Ñão gosta de estudar, confessou-me, mas adora o mar, a praia e, admite com um sorriso brincalhão, as estrangeiras de mamocas de fora esturricadas que nem lagostas. Ri-me com ele.
Vão ser dez dias a ignorar a vida, a fingir que sim, que existir faz sentido, a mergulhar no mar das descobertas lembrando que sim, "Que tudo vale a pena, se a alma não é pequena"!!

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Férias!

Tenho o cheiro do mar despero em mim! estou a fazer a mala e sonho com o sábado, com o retorno à praia, à caipirinha gostosa, aos passeios matinais afastando as gaivotas. Mar!!! Este ano, ainda mais aceso o desejo de fuga do quotidiano, estou fazendo a mala com dois dias de antecedência. Queria ser capaz de arrumar lá as desilusões recentes, as outras já esqueci, para poder afogá-las no oceano sem fim.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Duche

Passos novos na Rumba, alegria intensa no Kizomba, energia no Cha-cha-cha, harmonia no Quick-step e os ritmos a levarem-me para longe. Para aquele lugar que nenhum GPS indica, que o google earth não encontra, que não tem portagem nem multidões. É o lugar meu. Eu com o meu eu, os dois na perfeita cumplicidade tecida de sentires, protegida de realidades, trancada no sonho que liberta.
Há calor na sala espelhada e a mão firme do meu par, sorrindo, dança para o par-grita o Pedro professor, fazendo-me rodar no Tango. Fazendo oitos, penso no nó da vida que, ali, tento tornar sensual. Ele segura-me, sorri e murmura agora o lápis, fazendo-me rodar segura na mão dele. O passo difícil, o mesmo lápis, sai quase perfeito e eu esqueço tudo. Com calma, no ritmo certo de Sinatra agora na Rumba, penso na urgência de valorizar estes momentos. Tudo, ou quase, me parece insignificante, ali, deixando-me levar pelos ritmos diferentes, numa liberdade mesmo total.
A música termina, a aula também, subo a Serra devagar, deixo entrar no meu C4 o vento fresco deste Verão ameno e sinto-me quase tranquila. Tudo passa, penso. Se a vida, que é tão complicada, passa e sempre chega ao fim, se a voz de Sinatra se calou, como não hão-de passar todos os outros dolorosos momentos?! Entro na minha casa silenciosa e meto-me debaixo do duche frio. Saio revigorada! Pronta para dormir com sonhos orientados.
A existência precisa de um duche assim: gelado e revigorante!

Suplente

Exames de 2ªfase, mais uma hipótese de subir notas, e eu de serviço. Desta vez, suplente. Até gosto de ser suplente, fico a ler na sala de professores, em vez de fingir de polícia, cumprindo normas estúpidas, numa sala onde até as paredes suam. Na sala de professores, além do calor, há um inconfundível cheiro a ... canos! Ia dizer a Escola, mas, honestamente, eu acho que a Escola, a minha, na essência não cheira mal. O pivete insuportável vem do Ministério, da equipa da ministra, do primeiro-ministro, de todos os que, instalados no poder, depressa deram a volta ao termo tornando-se intrinsecamente podres! Mas hoje, eu lá passei três horas, levando com o insuportável cheiro dos canos, e lendo um bom livro. Foi tempo, também, para ouvir as últimas novidades da minha santa terrinha.Só escândalos, trocas de mulheres por homens (parece que é moda, dizem mesmo que é escolha de intelectais!!), cunhas e esquisitices no fazer de listas para as eleições que se aproximam. Resumindo: - Tirando os dois capítulos que, entre várias interrupções, consegui ler, esta foi uma manhã durante a qual, rigorosamente, fui suplente de vida!!

sábado, 11 de julho de 2009

Cumplicidades

Tarde quente de sábado e conversa boa. As minhas alunas, duas delas, a Ana e a Maria, a crescerem a meus olhos, junto da minha Joana, fazendo de nós quatro mulheres com vontade de futuro. A mesa posta na relva, a salada boa, o melão com presunto, os figos que descasquei, e a conversa a correr, entre brincadeira e seriedade, permitindo-me ver as meninas fazerem-se Mulheres de verdade. Depois, a piscina e a conversa a continuar. As desilusões, esta coisa de ser mulher.., isso que dizem ser o Amor, as opções, as obrigatoriedades, as essências e existências numa conversa comprida e solta.
A solidão, minha eterna companheira, desapareceu e, em seu lugar, ficou a certeza da amizade boa, verdadeira, que eu sinto por tantos alunos!
Quero, para a Ana e para a Maria, para muitas outras alunas queridas também, o que quero muito para as minhas filhas Filipa e Joana: - A coragem de serem sempre autênticas, lutadoras, apaixonadas e ternas. Não quero que sejam só felizes, é pouco e vulgar. Quero mais. Quero que tenham sempre a força necessária para não desistirem. Fazem-me bem, estas miúdas!

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Corte

Fim de tarde e, por antinomia, início de recordar. Não sei se se podem reviver momentos, se há mesmo déjà vues com fundamentação científica, se a nossa mente acumula informação e, às vezes, desata a expô-la sem querer saber de razões. O que eu acho mesmo, é que nós acumulamos vivências que ficam algures em nós. Desarrumadas. Assim como um lugar de trabalho, a minha solitária por exemplo, onde sem ordem aparente nós encontramos o que precisamos desde que, por acaso, ninguém, sob qualquer pretexto nobre como fazer limpeza, nos mexa nos papéis. A minha cabeça, de certeza, funciona assim: - barafunda ilógica com lógica própria! Por isso, quando, hoje ao fim da tarde, cheguei a Valência de Alcântara, vi-me ali miúda, com o meu Pai, para comer calamares e saborear um gelado especial: - um corte! Só ali há este gelado, assim como eu gosto. Lá fui (dietas às urtigas) comprar o corte de nata e fresa. Não, não era morango e nata, era mesmo nata e fresa porque sabia a Espanha e não a Portugal. O rapaz que vendia os cortes era simpático, sorridente, e lá cortou o meu gelado com a medida que pedi. Depois, sentei-me na pracinha saboreando o corte e desfiando recordações. Tive tantas saudades!! Saudades de muitos momentos, de pessoas que desapareceram, de confianças perdidas, de cheiros e sabores que me invadiram e fizeram regressar a casa, bem devagarinho, escolhendo as estradas da Serra que tão bem conheço. Agora, noite já, a desordem continua dentro das minhas emoções. Os afectos estão aos pulos e amanhã é dia 9.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Boas Notas!

Pronto, foram afixadas as notas dos exames de 12º ano. Como eu esperava, no Português houve bons resultados. Os miúdos estão contentes, os professores também, os pais igualmente. Tudo feliz e sorridente no reino da mentira e do faz de conta! Eu também estou muito contentinha. Porque não vão dizer (muito) mal de mim, não vou ser considerada má professora, não vão ralhar-me nem punir-me. Só se justifica o diminutivo no meu contentamento, porque eu sei que, de verdade, a maioria dos alunos que teve positiva não sabe interpretar, pensar, criticar nem expor ideias. Mas, felizmente (?), neste país isso são questões diminutas...
Parabéns aos alunos e aos professores. Que felicidade...

domingo, 5 de julho de 2009

Eh Touro!!!

Noite de touros em Portalegre. A velha Praça José Elias cheia de vida, de alegria, de cor e de aficcion. A banda, de Alter do Chão, a fazer soar uns pase dobles que, ainda que desafinados, provocavam as palmas e desafiavam a alegria. Na arena, duas gerações de Mouras. Pai e filho, a mesma coragem, idêntica arte, entrega total, alegria, energia e vontade de vencer. Pelo meio, o Bastinhas. Uma atitude diferente, mais comercial, mais circense, menos artística, a meu ver.
O Moura pai, porque os anos pesam..., mais calmo agora; o miúdo,o João Júnior, de aparelho nos dentes, eufórico, fazendo que a passage do cavalo acontecesse ao ritmo da música tocada.
Como eu gosto disto! Da aficción, da cor, da alegria, das palmas, dos olhares amigos, do cheiro a terra molhada quando, no intervalo, os bombeiros regam a arena. Gosto, também, dos forcados. Os de Portalegre a fazerem-se, a tornarem-se escola, a mostrarem que já não ficam atrás de nenhum outro. Miúdos que conheci antes de nascerem a citarem, de meia praça, barrete enfiado, desafiando a fera e fechando-se certos, firmes, no momento do encontro. "É preciso ser doido para um indivíduo se pôr assim à frente de um combóio!", alguém dizia perto de mim. Mas não. Não é de loucura que se fala. É de Arte e coragem. De desafio e elasticidade.
Ontem, felizmente, não havia ninguém dos tontinhos da protecção dos animais (porventura estavam protegidos), nem verdes ou fundamentalistas de outra espécie. Portugal pode existir, ontem, de forma bem mais nobre do que na Assembleia da República ou em conselhos de ministros... Ontem, foi uma noite grande para Portalegre e eu vivi-a intensamente!!

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A Lamparina

O tapete vermelho, passadeira para maior propriedade linguística, abafava os passos curiosos. Ao longo do corredor, todo ele forrado de incríveis painéis de azulejos azuis e brancos, lamparinas tremeluziam, entre românticas e sinistras, vestindo de reflexos activos os tectos altos. Ela, sentindo os saltos altos-agulha afundarem-se no vermelho fofo, avançava com nervosismo estranho. Era o quarto 107, o que procurava. E não esperava nada de mágico, nunhuma primeira vez sequer, nenhuma experiência daquelas de lembrar para sempre.
Contudo, naquela certeza de nada esperar, esbarrava com a imaginação acesa que lhe trazia memórias criadas, talvez, nas muitas leituras de imensas solidões. No tempo dos frades, quando o Convento não era Hotel, não existiria a passadeira vermelha, nem saltos-agulha nem, porventura, a chave que levava fechada na mão. Olhava os reflexos feitos monstros, histórias possíveis, cinema de ver de dentro e experimentava uma ansiedade indizível. As lamparinas eram as culpadas! A luzinha titubeante, desafiando a lua gorda lá fora, fazia-a sentir-se frágil no corredor imenso. Talvez, pensava, na vida lhe tivesse faltado a lamparina inspiradora. Ou talvez, ela mesma, se tivesse preocupado mais com a luz rápida, a que surgia do leve pressionar do interruptor, sem perceber que nas sombras há muito que desvendar. Sacudiu para longe as apreensões. Ali estava, dura e forte, a porta do 107. Meteu a chave grossa, deu a volta e entrou. Num instante, trancou o quarto e "o mais que passou na tarde e na noite//Que Vénus com prazeres inflamava//Mais vale experimentá-lo que julgá-lo// Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo"...

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Auto oferta

Ofereci-me, hoje, uma tarde inteirinha de dolce far niente. Não saí de casa, não liguei o computador senão agora, quase noite, não trabalhei para a escola, não dei apoio a nenhum aluno, não cozinhei, não passei a ferro, não fiz groselha, desliguei o telefone e não produzi rigorosamente nada. Ofereci-me uma tarde comprida de piscina e leitura, de companhia só de cães (para eles existi!)e de sol. Para melhorar o meu presente, fiz uma releitura, como eu gosto disso!, de excertos de romances que me encantam: - O Último Cais, O Primo Basílio. Andei por amores estranhos, ousados, reais, proibidos e falsos, comovi-me e indignei-me, a Raquel apaixona-me, a Luísa irrita-me, e deliciei-me com a ironia fina de Eça e a ternura feminina da Helena Marques.
Soube-me tão bem não fazer nada!! E, o que é de facto estranho, não experimento nenhum sentimento de culpa. Bem pelo contrário, acho que merecia este presente e, parece-me, em breve vou repetir a oferta...