sexta-feira, 3 de julho de 2009

A Lamparina

O tapete vermelho, passadeira para maior propriedade linguística, abafava os passos curiosos. Ao longo do corredor, todo ele forrado de incríveis painéis de azulejos azuis e brancos, lamparinas tremeluziam, entre românticas e sinistras, vestindo de reflexos activos os tectos altos. Ela, sentindo os saltos altos-agulha afundarem-se no vermelho fofo, avançava com nervosismo estranho. Era o quarto 107, o que procurava. E não esperava nada de mágico, nunhuma primeira vez sequer, nenhuma experiência daquelas de lembrar para sempre.
Contudo, naquela certeza de nada esperar, esbarrava com a imaginação acesa que lhe trazia memórias criadas, talvez, nas muitas leituras de imensas solidões. No tempo dos frades, quando o Convento não era Hotel, não existiria a passadeira vermelha, nem saltos-agulha nem, porventura, a chave que levava fechada na mão. Olhava os reflexos feitos monstros, histórias possíveis, cinema de ver de dentro e experimentava uma ansiedade indizível. As lamparinas eram as culpadas! A luzinha titubeante, desafiando a lua gorda lá fora, fazia-a sentir-se frágil no corredor imenso. Talvez, pensava, na vida lhe tivesse faltado a lamparina inspiradora. Ou talvez, ela mesma, se tivesse preocupado mais com a luz rápida, a que surgia do leve pressionar do interruptor, sem perceber que nas sombras há muito que desvendar. Sacudiu para longe as apreensões. Ali estava, dura e forte, a porta do 107. Meteu a chave grossa, deu a volta e entrou. Num instante, trancou o quarto e "o mais que passou na tarde e na noite//Que Vénus com prazeres inflamava//Mais vale experimentá-lo que julgá-lo// Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo"...

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