quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

2015

Não tarda, aí está o ano novo. A esta hora, muita gente se prepara em grande para o receber, há corridas aos cabeleireiros e lamentos por causa daqueles quilinhos  a mais que o Natal ofereceu... Depois, muita gente vai gastar imenso dinheiro, vai sentir-se na obrigação de estar alegre, vai dançar, comer, beber champanhe, contar passas e, tarde na noite, dormir finalmente. A tudo isto o 2015 vai assistir, escondido, esperando o momento certo para agir. 
E vai agir precisamente quando tivermos baixado a guarda, quando os penteados estiverem desfeitos e os nós das gravatas desalinhados. Vai revelar-se no retorno à vida real, afinal igual, fazendo com que esbarremos com a evidência: - Apenas envelhecemos! 
Acho que, a cada ano, sinto mais esta angústia do nada, o conflito com a inexistência da mudança. Resta-me o sonho, o desejo inconsciente de que o novo tempo me traga forças para tomar as rédeas da minha vida fazendo-a percorrer o caminho que quero fazer. Não vou gastar dinheiro, não vou sair de casa, mas vou ter comigo a verdadeira ternura dos meus netos, o carinho imenso da minha filha e, no coração, a certeza de que as minhas outras meninas pensam em mim.  Talvez, assim Deus me ajude, este 2015 seja finalmente um ano de grande - ENORME - mudança na minha vida...Como diz Pessoa "sem o sonho, que é o homem senão um cadáver adiado que procria"?

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O RESTO

Não que tivessem sido grandes amigos. Ele tinha chegado havia pouco tempo, chovia mansinho, de patas atadas no porta bagagem do carro da dona. Ela, com receio, desatara-o e deixara-o ali, no meio das galinhas e a ser vítima do peneiroso do galo branco. A esse sim, haviam de lhe cortar o pescoço! Um convencido, de mais a mais madrugador, sem distinguir sequer o Verão do Inverno, passeando emproado pelo galinheiro como fosse o dono da quinta. Lá porque tinha sete galinhas por conta, não era motivo para tanta antipatia! Mas o peru não. Modesto, humilde, até o glugluglu saía de mansinho para não irritar o galo branco.
Tinha vindo do campo, animal de vistas largas, habituado a largueza e sem lugar para peneiras nem vaidades. Depois, vendo bem, como podia um homem, ainda que peru, ser peneiroso depois de uma chegada de patas atadas?! Coitado, tinha sido simpático. Ele, cão da casa, não lhe dera logo confiança. Não! Isto da confiança ganha-se, não se dá assim às boas. Para essas facilidades bastavam as crianças que, mal chegavam, abusavam dele o mais que podiam... Fizera-se rogado, chegara até a mandar-lhe duas ladradelas de aviso, só para que soubesse quem mandava, mas depois gostara da conversa dele, das histórias que contava da família, garantia que eram mais de cinquenta lá no campo onde vivia, e começara até a ter uma certa amizade pelo animal. E se ele era feio! Bem se emproava, mas a tromba caída, o rosto azulado, não ajudavam mesmo. Tinha-lhe ensinado o rasto das minhocas, falara-lhe do céu gelado da manhã, das aguarelas vermelhas do fim de tarde.
Uma manhã tinham-no levado e, agora, ali estava o esqueleto para ele saborear. Salivava. Afinal, tinham sido quase amigos... Mas ele que lhe perdoasse, um cão é um cão!

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Noite de Natal


Escolheu a toalha de renda, retirou-a com cuidado do fundo da arca velha e colocou-a sobre a mesa grande. No meio, entre pinhas e azevinho, muitas e muitas velas, porque ela precisava de Luz. Com a neta pequena a dormir a sesta, a casa no silêncio perfumado do leite de creme acabado de queimar, foi colocando o bolo inglês ainda quente, o tronco de Natal, a travessa das azevias, o bolo rainha, os guardanapos bordados. Reconhecia o desvelo exagerado mas, sabia, era a sua forma de iludir a realidade e de se proteger. Sim, na Noite de Natal, e com a casa cheia, precisava de se proteger da saudade, do desinteresse, do abandono também. Vinham memórias de outras Noites, é tão bom ser criança..., mas ela afastava-as para pensar o momento, o desejo de tão pouca coisa nunca possível. E a mesa ganhava cor, luz, as velas nos copos a encher os parapeitos das janelas antigas para lembrar a Paz. Paz para o mundo, mas Paz também para ela, mulher, mãe e avó! 

 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Distrações

É sempre assim, no Natal! Vêm os netos, enche-se a velha Casa de ruídos e cheiros, a cozinha exige presença constante e a vida mete férias. É tão bom quando a minha vida mete férias e leva com ela angústias e desilusões... Agora, o tempo faz-se da inocência da Constança, da ternura da Carlota, da sensibilidade do Manuel Bernardo. É bom ter a cozinha desarrumada, brinquedos espalhados e pouco tempo para me encontrar comigo mesma.
Hoje, bem cedo, ainda com todos dormindo, espreitei a manhã a acordar. O nevoeiro gelado cobria a cidade, o sol brilhava no meu quintal e eu rezei para que, na minha vida, o gelo não subisse mais!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

MEMÓRIAS

Com o final de período a chegar, cheia de avaliações para fazer e, tantas vezes, hesitando entre o 10 e o 9, entre o 13 e o 14, vêm distrair-me memórias de quando a aluna era eu!
Se havia aulas que, no velho Liceu Nacional de Portalegre, sempre achei, como aluna, desnecessárias, eram, sem dúvida, os lavores femininos e o canto coral. Nunca fui prendada, há quem sempre me diga que tenho duas mãos esquerdas, e a minha voz tem tal melodia que, quando há anos tentava adormecer as minhas filhas, elas pediam-me quase chorando que me calasse… Ora, na época, ainda não tinha consciência de que cada pessoa aprende de sua forma, que é preciso, às vezes (quase sempre) descobrir o processo que fará que a aprendizagem aconteça e, como eu, também os meus professores desconheciam, creio, essas variantes. Assim, as aulas de lavores e de canto coral eram, para mim, verdadeiras torturas. As primeiras, leccionadas pela dona Emília, uma senhora paciente de quem muitas vezes me lembro com saudade, eram momentos em que, vá lá saber-se porquê, eu sofria de dores violentas em todas as partes do corpo, variando entre a cabeça e os pés, passando pelas miudezas de que o professor de ciências ensinava os nomes. Cheguei a ter dores no diafragma o que, obviamente, muito preocupava a dona Emília… Mas a mim preocupava-me também a bainha do lençol de berço que deveria fazer ao longo do ano.
Perdi a conta às vezes em que a dona Emília me enviou ao Senhor Reitor, o meu querido e saudoso Dr. Marcão, para mostrar o insucesso do meu trabalho. Subia a escadaria de pedra, batia à porta, e lá vinha o Dr. Marcão, era tão alto!, perguntar-me o que fazia ali. Não me lembro, nunca, de lhe ter ouvido uma palavra azeda. Sorria e falava-me ao coração. Mas, naquela altura (e agora também), o meu coração era surdo a agulhas e dedais. Quando cheguei ao final de ciclo, ainda às voltas com a bainha do lençol de berço, a dona Emília zangou-se e ameaçou dar-me negativa! Salvou-me a minha tia Maria Luísa que, enquanto eu comia uma boleima, fez a bainha na perfeição. Ao entregar o trabalho, a dona Emilia, contente e vencedora, disse-me: - Vês? E sabia que tu eras capaz… Nunca mais cosi na vida.
O canto coral foi mais fácil de resolver. No início do ano o professor Raimundo fazia uma avaliação das vozes e, obviamente, a minha voz de cana rachada foi logo excluída. Assim, levei três anos a, uma vez por semana, ir dizer presente à sala de aula para, depois, ir calmamente namorar nas escadinhas da Praça da República. Devo confessar que aprendi muito. Muito mesmo…

Agora, eu mesma professora, revisito estas memórias e penso se, muitas vezes, não há da parte dos meus alunos alguma (muita) razão quando manifestam a sua aversão a algumas das tarefas, que eu acho brilhantes, que lhes proponho. Ao mesmo tempo, só espero conseguir deixar neles a saudade terna que estes dois professores deixaram, para sempre, no meu coração!

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

ACONTECEU!

Eu tinha pedido milagres. E no singular, ele aconteceu! Hoje, os meus alunos mais queridos, aquela turma que me desespera e encanta, aqueles mesmos com quem tanto ralho, fizeram o primeiro milagre dos do meu pedido: - Pintaram de ternura e alegria o meu dia! Chegaram em bando, como sempre andam, esperaram educadamente que eu terminasse uma conversa comprida com uma colega e, depois, veio o milagre. Das mãos deles recebi palavras boas: - Imortalidade - Serenidade - Ternura. Vinham todas enroladas, atadas com um belíssimo laço azul, dentro de um saco com um ursinho doce. Lá dentro vinha, também, um trabalho de casa para mim... É justo, eu marco tantos para eles! Enchi-os de beijinhos, estava a precisar de um carinho, mas não lhes agradeci suficientemente o BEM que me fizeram. É que, sem darem por isso, eles ensinaram-me que os milagres acontecem mesmo. Acontecem na cumplicidade da ternura verdadeira!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

MILAGRES

MENINO JESUS,
Sei que já não tenho idade para acreditar que, na noite de 24 de Dezembro, descerás pela chaminé. Mas tenho idade, creio, para poder acreditar que, mesmo sem desceres pela chaminé, podes fazer milagres. E eu quero pedir-te milagres! 
Já não peço um boneco, lembras-te do chorão que o meu irmão riscou com esferográfica?, peço milagres mesmo. Queria que fizesses o milagre de me devolver a confiança nos homens, de me reensinar a acreditar que os impossíveis acontecem quando a ternura se faz de Amor verdadeiro. Queria que, mesmo sem embrulho, me desses a alegria da partilha de cada momento, a certeza de que a cada amanhecer alguém ao meu lado abre os olhos em simultâneo. Queria, Menino Jesus, que este Natal varresses dos cantos da minha casa os ódios e as maldades. 
Que me iluminasses o caminho e me oferecesses um abraço total e eterno. Queria que devolvesses aos meus alunos a vontade de sonhar, a disposição para evoluir, o gosto pelo aprender.
Queria...
Menino Jesus, queria também ser capaz de aceitar as minhas limitações e de compreender o que me magoa! Queria, ainda, ter força para lutar pelo Amor pleno, feito cumplicidade e constância, como eu acho que tem de ser. Um Amor sem a palavra ADEUS, sem ausências, sem culpas.
Sim, Tens razão, estou a pedir demais. Mas eu avisei que queria milagres...

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

DESISTÊNCIA

Os homens, em casa, não cobrem a cabeça. Olham para mim como se eu tivesse acabado de aterrar vinda de um qualquer distante planeta. Insisto, lembro outros tempos, os alentejanos a descobrirem-se para entrar em casa, para cumprimentar uma senhora também. O gorro, os gorros, permanecem nas cabeças e eu desisto. 
Desisto porque, acho eu, a desistência é uma opção individual que pode evitar muitos conflitos. Desisto porque, às vezes, a água mole em pedra dura só cria musgo. Desisto porque, cada vez mais, falta-me paciência para a estupidez camuflada de irreverência oca. E se eu gosto da irreverência... 
Lembro outros alunos, há cinco ou seis anos, talvez até menos, capazes de inteligentes irreverências e desisto de explicar que um barrete, um boné (ainda que lhe chamem cap) dentro de uma sala de aula é mesmo só ausência de educação. Depois chego a casa, sento-me olhando o lume solitário e surge-me a dúvida: - Fará sentido um professor desistir de educar? Ceder e não querer saber? Volto a olhar o lume, e desisto de pensar...

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

MAIS FÁCIL

Podia ser tudo bem mais fácil! 
Quanto mais velha fico, mais acho que era possível, se a Humanidade quisesse, fazer da vida um processo de existência fácil e, melhor ainda, com sentido e significado. 
Não era preciso fazer revoluções, matar alguém, sequer preparar exércitos. Bastava, penso, mudar o léxico. Ou seja, substituir as palavras agudas, e cortantes, por palavras redondas de abraçar. Assim, em vez de ódio usariamos respeito, trocavamos a ofensa pela compreensão, a certeza pela possibilidade, a distância pelo perto, a crítica pela cumplicidade, a violência pelo carinho, a urgência pela calma, o tu pelo nós! 
Podia ser tudo tão mais fácil...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

QUANDO NÃO HÁ

No paradoxo que é a vida, ou na sucessão de paradoxos de que  a vida se faz, acontece só valorizarmos muitas coisas quando as não temos.
A mim, acontece-me isso com a saúde. Gosto de ironizar, confesso que até (às vezes) ridicularizar, as pessoas que vivem atormentadas com a saúde, a quem tudo faz mal, para quem um doce pode implicar fazer análises no dia seguinte... Acho disparatadas as pessoas que sabem as calorias de cada alimento, que só tomam café depois das 9,30h, que carregam a fruta na caixinha para comer de forma saudável ao longo do dia, que só comem ervas e ainda assim não mugem Ora bem, eu achava isso tudo porque era saudável! Não me lembro mesmo, tirando algumas cirurgias e ameaças de cancro, de estar doente. Agora, quando sinto falta da saúde, já olho com outra seriedade para quem vive temendo a doença. 
Estar doente é mesmo horrível. É até um pouco humilhante, estupidamente humilhante, eu acho. Por isso, não vou dar à doença tratamento privilegiado e se morrer direi que o que vivi já ninguém me rouba. Nem essa figura negra que dizem carregar uma foice com ela!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O AMOR

Esta coisa do Amor, e de Amar, é muito complicada. Às vezes, fica lamechas, ridículo, até um bocado foleiro falar de amor. Imaginam-se logo coraçõezinhos, florzinhas e outros inhos e inhas muito ridículos. No entanto, eu acho que falar de amor nunca está desactualizado. Porque eu acho, com a minha mania de achar muita coisa, que quanto mais se falar de Amor melhor pode ser a vida. 
E acho também que o Amor é uma chatice. É uma chatice porque cada um não ama como quer, nem como os outros esperam que ame, mas, e apenas, como sabe e pode. Não há, para mim, quem ame em excesso, como não pode haver quem ame se. O Amor não pode ser parcial, e menos ainda condicional. 
Deve ser por tudo isto que o AMOR provoca tanta dor, tanta confusão e tanta agitação.
Quem nunca viveu um grande amor, decerto não compreenderá o  que quero dizer. Mas quem ama, ou amou, sabe bem como este sentimento é exigente, gratificante e fantástico. Destrói, por vezes, mas, ainda assim, eu acho que o Amor faz sempre sentido. E acho ainda mais: - Ninguém devia dar palpites nestas coisas de amar...