domingo, 31 de março de 2013

Na Sé

Entrei na Sé da minha cidade eram quase dez da noite. Estava escuro, céu carregado ameaçando desabar a qualquer momento. À porta, sentado no chão, um estrangeiro pedindo esmola. Lá dentro, os bancos cheios, cheiro a velas e luz fraca. Sentei-me e voltei a reparar na beleza na minha Sé. A cerimónia começou a horas. As luzes apagaram-se e, no silêncio escuro, o senhor bispo começou a anunciar a Ressurreição. Acendeu-se no fundo da igreja um lume forte, ateou-se o círio pascal e pelas coxias os padres foram dando luz às centenas de velas que os fiéis seguravam. Os cânticos solenes, as luzes tremelicantes, as vozes fortes dos padres, tudo começou a mexer comigo, a despertar memórias, a soltar torrentes líquidas. Depois das leituras, o baptismo de uma antiga aluna, de uma amiga muito querida. A Ana avançou, segura do que quer e daquilo em que acredita, e recebeu o baptismo. Estava séria, creio que um pouco nervosa - ou seria eu que estava? -, mas ouvi a sua voz firme, enchendo a Catedral, ao dizer Sim, Creio!.
Saí da Sé eram quase duas da manhã, o mendigo estrangeiro tinha desaparecido, e a chuva caía já copiosamente. Atravessei a cidade adormecida, a minha cidade, e senti a Páscoa. A necessidade de passagem, de mudança, de Vida!
Agora, lá fora continua chovendo e eu recupero o calor de ontem.

O CONVITE

Um dos filmes que ainda hoje me faz chorar, sou mesmo uma chorona..., é o E.T. O olhar do ser estranho, a ternura, a solidão, o medo, o sentimento de pertença quebrada, tudo mexe com os meus sentires de forma intensa. Outros filmes de extra-terrestres, normalmente mais violentos, nada me dizem, mas o E. T. delicia-me. Ora, hoje, aconteceu-me sentir-me exactamente como ele: - Num planeta estranho que não entendo, cujas palavras não descodifico! É que recebi um convite e, no meu planeta, um convite implica uma hipótese de rejeição ou aceitação. Mas, estranhamente, recebi um convite para frequentar, obrigatoriamente, uma acção de formação que não me interessa, não me enriquece profissionalmente e me chateia que se farta! Sinto-me uma voluntária fortemente acorrentada a imposições estranhas e, pior ainda, sinto que este convite envenenado me faz passar por idiota! Hoje, estou como o E.T., só me apetece pedir para me deixarem voltar para casa, sendo CASA um lugar onde eu reconheça  palavras e tenha vontade própria! Se o E. T. Gritava "E.T. Goes home!" a mim apetece-me gritar "Professores querem respeito!"

sábado, 30 de março de 2013

O sono

Fecha os olhos e descansa. Eu estou aqui, guardo os teus sonhos, afasto os pesadelos. Sentes a minha mão na tua? É o calor que nos une, é o antídoto para o frio gelado que, vezes demais, nos faz ficar acordados de noite. Sossega. Não há que ter medo porque eu estou aqui, atenta, pronta a afastar os receios e os sustos sempre inoportunos. Ouves a chuva lá fora? Escutas o vento? É o mundo feroz. Mas sossega, estou aqui, dou-te colo sempre e, quando partir, ficarei lá de longe velando por ti. Agora dorme, sossega, segura a minha mão. Sim, é sábado de Aleluia, chegou um novo dia, quem sabe um novo Tempo, e eu estou aqui, para ti. Sossega, fecha os olhos e fica assim, imóvel, deixando o calor do teu corpo aquecer o meu. Não peças para acender a luz, deixa que o escuro seja cúmplice desta partilha fantástica. Sossega apenas. Confiante, seguro. Eu estou aqui!

sexta-feira, 29 de março de 2013

Páscoa



Estamos a viver a Páscoa que, para mim, como católica, é um tempo muito especial. Embora o Natal seja mais comemorado, mais vistoso talvez, a Páscoa é um tempo de referência para muita gente. No fundo, este é o Tempo da vitória da Vida sobre a Morte! Em miúda, fazia-me muita confusão que os coelhos pusessem ovos mas, agora, gosto dos coelhinhos e dos ovos coloridos, gosto da intrusão do pagão na minha religião e encanta-me a ideia de renovação e nascimento (de novas ideias e práticas sobretudo) que a Páscoa supõe.
Talvez este ano, acho eu, faça ainda mais sentido assinalar esta data no Calendário. Vivemos uma época de angústias, de injustiças, de medo, de um relativismo gritante que nos torna, muitas vezes, cinzentos e tristes. Agora, em Portugal e no Mundo (embora nalguns lugares mais do que noutros) os cidadãos temem o amanhã, tremem face ao presente, duvidam de cada acordar. Vivemos num mundo onde as crianças são exploradas, violentadas, mortas antes de poderem nascer e onde, ao mesmo tempo, há quem possua ilhas, palácios e riqueza sem fim. Não quero ser moralista, quem sou eu para o ser?, mas confesso que, cada vez mais, angustia-me viver neste mundo…

A Páscoa poderia ser o Tempo de mudança. Sei, claro!, que a Igreja Católica cometeu e comete erros, que há nela gente malvada, como em todo o lado. Afinal, a Igreja é feita por pessoas, homens e mulheres, e esses falham, erram, afastam-se – quantas vezes? – dos seus ideais.  Sei, também, que ser Santo é difícil que se farta… 

No entanto, eu acredito que não está a chegar o fim do mundo, que o planeta Terra não vai ser destruído de um momento para o outro. Acredito, ainda que (às vezes) com muitas dúvidas, é possível alterar o rumo da sociedade que integro se, exatamente, formos capazes de seguir Jesus! Ele não julgou, não condenou. Ele compreendeu, ouviu, acarinhou e, embora nem sempre nos lembremos disso, apenas mandou que nos amassemos. 

Li algures, não sei precisar onde, a seguinte frase: - “Tudo o que fizeres, faz com Amor” – e pensei que, hoje, fazemos exactamente o contrário: - Tudo o que fazemos é com ódio!

Nesta Páscoa triste, porque a vida quotidiana nos entristece, apetece-me deixar de lado as pequeninas grandes coisas do dia-a-dia (como as eleições autárquicas ou as aterradoras previsões para a economia portuguesa) e sonhar com entrega, cumplicidade e Amor. Queria tanto que chegasse um Novo Tempo!

quinta-feira, 28 de março de 2013

Sossego

O silêncio instalou-se. A casa cheira bem, a máquina da loiça já acabou o ciclo e apenas a lenha estala, de vez em quando, na lareira. Escolho um livro por companhia, mas as letras dançam movidas pela força desordenada dos meus sentires. Deixo-o no colo, fecho os olhos, sinto a Páscoa. Chove muito, há frio lá fora, a minha neta dorme tranquila e o blackberry apita para me dizer que Passos pondera desistir. Elimino a mensagem e fico ouvindo a chuva, tentando, em vão, deixar entrar em mim a paz do dia de sossego. Amanhã será sexta -feira Santa. A sirene vai tocar às três horas, eu vou recordar outras sirenes, outras sextas-feiras Santas. A vida parece repetir-se, mas eu sei-a única e singular! Gosto do silêncio desta tarde de chuva, gosto do privilégio de poder, apenas porque me apetece, ignorar o mundo que tanto me incomoda. Talvez a felicidade seja isto: - gozar pequenos silêncios com uma neta no colo.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Acaso

A fila na caixa do supermercado era longa, o ruído intenso, o cheiro a frango assado enjoativo e a espera parecia interminável. Peguei num livro do escaparate junto a mim e abri ao acaso. Li: -Professora, profissão pindérica, a dela!- António Lobo Antunes, na obra não é meia noite quem quer. Voltei a fechar o livro e arrumei-o no lugar dele. Talvez na sequência da narrativa se dissesse que ser professor é uma profissão digna e nobre, mas não li. Li o que li e ficou a martelar na minha cabeça. É assim que, provavelmente, muitas pessoas encaram os professores : - Uns pindéricos. E olhando à forma como são remunerados, à falta de respeito que o estado português manifesta por eles, é compreensível que assim seja. Mas eu acredito que ser professor não é só cumprir horários absurdos, funcionar ao toque de campainhas estridentes e preencher grelhas idiotas. Para mim, ser professor é formar gente, transmitir valores, ajudar a construir um país!

 Estive em Londres quatro dias com 100 jovens. Pouco dormi, gritei muito, preocupei-me, voltei estafada. Mas voltei confortada, também. Sei que estes miúdos, uns mais do que outros - mas TODOS - cresceram nestes dias e, para eles, um professor não é decerto um pindérico.

terça-feira, 26 de março de 2013

Curiosidade

O frio recebia-o ali, em Londres, a sua cidade de eleição. Podia ser feliz na cidade do nevoeiro, entre pontes e história, num cosmopolitismo que o atraía sempre. Gostava de caminhar pelas ruas cheias,  envolto no seu velho e quente sobretudo cinzento, mergulhando no rio o olhar carregado de sonhos. Sim, ainda sonhava. Apesar das armadilhas da vida, sonhava sempre. Em Londres refizera a vida, depois de um adeus doloroso, e ali vira crescer, de longe, os filhos. Eles tinham voltado à sua Inglaterra e, agora, eram mais ingleses do que ele... Tinham encontrado um lugar onde pertenciam. Ele não.
À sua volta muitos turistas enchiam a rua de gargalhadas. Alguns, muito jovens, falavam português, como ele. Mas ignorou-os e seguiu. Não procurava companhia, não queria as saudações de ocasião. O que queria mesmo era uma luz! Um sinal! Uma ajuda para saber como responder à carta que lhe ardia no bolso..

quinta-feira, 21 de março de 2013

Primavera

Chegou ontem. Devia ter trazido temperaturas amenas, sol azul, flores, passarinhos e sorrisos. Mas esta Primavera chegou bem diferente e fez-se de frio, nuvens, tristeza e notícias terríveis! Vi-a chegar e soube-me bem até a chuvinha fria. Se os homens se deixam dominar, que ao menos a Natureza proteste!!

quarta-feira, 20 de março de 2013

Dia Mundial da Felicidade

Dia Mundial da Felicidade! Ora mas que bela invenção! Cada vez é mais importante valorizar a felicidade que, acho eu, é a ambição de qualquer mortal. Querer ser FELIZ faz sentido, é justo e compreensível, inteligente e lógico. O perigo acontece apenas se, de tanto procurarmos a Felicidade, nos esquecermos de a aproveitar quando, de repente, ela surge nas janelas (postigos) da vida... Porque este Sentir, ser feliz é um SENTIR, raramente entra pela porta principal!

Dia do Pai

Estás comigo sempre. Conversamos muito, como agora, tarde na noite, mas durante o dia, nas aulas até. Conto-te das minhas mágoas, das saudades dos netos, das desilusões e dos sonhos. Só a ti confesso que ainda sonho... Sei que me ouves, quero crer que estás atento, mas dói demais não poder abraçar-te, servir-te o vinho, passear-te na nossa Serra! Ninguém sabe como me fazes falta, como te encontro nas esquinas de cada quotidiano, como detesto a pedra fria onde ponho flores com a certeza de que não estás ali fechado.
Ontem, há pouco, foi o teu dia. Lembras-te dos presentes que fazia na escola primária, da minha total falta de jeito?! Lembras.-te quando comecei a oferecer-te contos meus? Oferecia-te livros, mais tarde, e falávamos das nossas leituras. Gostavas de Aquilino, ensinaste-me a ler o Romance da Raposa, decifraste para mim o Malhadinhas. Gostavas de Torga, também. Acho que foi contigo que aprendi a lê-lo. Era caçador, como tu, médico também. Mas tu rias mais, sorrias muito! Lembro os nossos passeios ao fim da tarde, as muitas reuniões de Curso,  os teus carros grandes que eu conduzia bem, depressa às vezes.., (Lembras-te do Rover 820i que dava 200kms por hora? Como nós voamos até ao Porto! )
Contigo aprendi que o Mondego era Basófias, que os Amigos são eternos, que "haja o que houver, amanhã Deus dá-te mais um dia novinho a estrear". Pai, tenho tanta pena dos meus silêncios! Tenho tanta pena do que não disse. Porque, Pai, agora já não há quem me oiça sem atirar pedras, sem julgar, sem condenar...
Não queria voltar a ter dez anos para irmos juntos ao musgo do Presépio, não queria ter vinte anos, para conduzir a teu lado, não queria ter trinta para te ver mimar as minhas filhas. Queria ter 53 e ter-te aqui ainda. Sempre!

terça-feira, 19 de março de 2013

Viva a Mediocridade

Se um aluno tem uma classificação inferior a três, obrigatoriamente (?!), o professor tem de elaborar um plano que vise, acho eu, ajudar o aluno a recuperar. Propõem-se medidas, com restrições porque, à  partida, a mais eficaz dela - MENOS DE TRINTA ALUNOS POR TURMA - é inviável. Assim, preenchemos cruzes, grelhas, modelos generalistas. 
O facto do aluno, simplesmente, não trabalhar, não está previsto. Agora, o processo de ensino E aprendizagem parece ser só de ensino, assumindo a premissa errada de que se há quem ensine, todos aprendem. Lembro o que aprendi nas longínquas aulas de Filosofia: - Se partir de uma premissa errada, ainda que realize um raciocínio lógico, chegarei sempre a uma conclusão errada! Mas na actual equipa do Ministério da Educação nunca ninguém deve ter estudado Filosofia...
Perante tantos papéis, em reuniões de mais de quatro horas, encolhe-se-me a alma e penso que, daqui para a frente, todos os meus alunos vão ter classificação três! De que vale lutar por qualidade, investir tempo no meu trabalho, olhar para os meus alunos com razão e afecto se, no final, só o faz-de-conta é valorizado?!
Será este o propósito do ME? Impôr o facilitismo e beneficiar a mediocridade em detrimento da qualidade?... Nem ouso responder!

domingo, 17 de março de 2013

Desespero

Foi com verdadeiro desespero que ouvi o ministro Gaspar corrigir as previsões, alterá-las de más para péssimas, e garantir que, ainda assim, continuarão no mesmo rumo, adoptando as mesmas políticas, castigando mais ainda os portugueses. Fê-lo como quem, simplesmente, lê um relatório inócuo, parecendo não perceber que está em causa o presente e o futuro de um país! 
Não se vê uma luz ao fundo deste túnel negro em que transformaram Portugal! Hoje, nada parece fazer sentido e a vontade de continuar a existir, aqui, é nula. Os cortes excessivos, e abusivos, nos vencimentos, eliminam qualquer vontade de fazer bem e mais. De que serve trabalharmos (os que temos a sorte de conservar o trabalho), esforçarmo-nos, investirmos o nosso eu numa profissão mal pago, num país que nos rouba em valores escandalosos de impostos?! Vejo o meu país destruído, vejo os portugueses humilhados e sofridos e não sei como reagir! Procuro uma alternativa e não a encontro! Não vejo alternativa na oposição, não vejo a União Europeia (seja lá isso o que for) capaz de nos ajudar a encontrar um caminho. O desespero maior é ver a miséria a alastrar, as injustiças a crescerem, as diferenças a acentuarem-se e apetece-me, dolorosamente, fugir...

quinta-feira, 14 de março de 2013

Mimo

Senta-se no colo, encosta a cabeça e fica ouvindo histórias. Vêm as bruxas, as fadas, e vou afagando os caracois saboreando o perfume deste menino que adoro. Dou-lhe a mão, sento-o no baloiço, empurro alto, muito alto, e digo -lhe que vai tocar o sol. Ri-se e esclarece-me que isso não vai fazer, porque pode queimar-se... Mas vai voar mais alto do que os pássaros! Saltamos do baloiço, passamos no tanque para espreitar os peixes, mudamos a comida da gaiola dos periquitos - o Blue e a Jewel -, lavamos muito bem as mãos e pomo-nos a fazer leite de creme. O leite de creme da avó Gia!
Abraço-o. Ao meu ouvido diz, alegre, Manel adora a avó Gia! É o mimo a encher-me o coração. É o calor da ternura a aquecer o gelo do quotidiano.
Dizem que o mimo estraga as crianças. Não acredito! O mimo torna as crianças pessoas. Melhores pessoas! Como eu gosto de mimo! De dar e de receber.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Habemus Papam

Para além do acusativo latino, onde já vão essas aprendizagens?, a escolha do novo Papa trouxe-me alguma (alguma) tranquilidade. Não sei nada dele, a não ser que, provavelmente, dançava Tango - o que já é um ponto  a favor -, e que escolheu Francisco como homenagem a São Francisco de Assis, o meu santo predilecto! Como católica, faz-me bem saber que há um Papa no Vaticano. Se confio no Vaticano? Penso que são homens quem faz a minha Igreja e, como tal, erram como qualquer humano! Mas, ao mesmo tempo, penso que a Igreja tem de existir como Instituição e que é importante o que ela nos diz. 
Ao novo Papa desejo longa vida e, de preferência, uma vez que vem da Argentina, sem nunca perder a envolvência e a capacidade de entrega que o Tango exige... Porque, muitas vezes, a vida é como a dança: - Exige entrega, cumplicidade, bom humor e jogo de cintura!
Bem vindo Papa Francisco I!

terça-feira, 12 de março de 2013

Loucura?

Vi, no telejornal de um qualquer canal, uma reportagem que me deixou arrepiada e indignada. 
Em frente ao Pavilhão Atlântico foram entrevistadas muitas miúdas, adolescentes e nem tanto, que aí dormiam há duas noites para, pasmei!, assistirem ao Concerto de Justin Bieber. Fui descobrir quem era este personagem e encontrei um jovem canadiano, insolente, mal educado, que canta e dança. Nem mais. O que me indigna não é, obviamente, o facto das miúdas gostarem de o ouvir. (Ainda me lembro da indignação do meu Pai quando o meu irmão comprou um disco dos Beatles....) O que me indigna, e choca até, é o facto destas miúdas dormirem em tendas, na rua, para verem um cantor! Virem até do Porto, entregues a si mesmas, para assistirem a um espectáculo! Pior, tatuarem na pele o nome do dito cujo e garantirem, com a convicção dos 15 anos, que o amor que têm pelo Bieber crescerá com elas!! Pergunto-me onde estarão os pais destas miúdas. Pergunto-me quem deu o dinheiro para os bilhetes, para as tendas, para as tatuagens, para a comida?! O que desejam para as suas filhas estes pais?! 
Como mãe, como professora, como cidadã, não consigo ficar indiferente a esta loucura colectiva. Acredito mesmo que os nossos jovens são o melhor que temos e, por isso também, dói-me terrivelmente sempre que vejo destruí-los e hipotecar-lhes, definitivamente, o futuro. 

segunda-feira, 11 de março de 2013

Doçura

Não faz subir o colesterol, não aumenta o volume, não faz subir o número das saias. A ternura doce, o amor verdadeiro, não podem mesmo fazer engordar. E, se fizerem, não faz mal! Porque a obesidade do AMOR só pode mesmo fazer bem à alma das gentes!

domingo, 10 de março de 2013

Turistas

Sentaram-se na esplanada e surpreenderam-se.
Lisboa apresentava-se cénica, esplendorosa,  provocante quase.
Se fossem portugueses, compreenderiam que Lisboa é uma mulher, que é varina e rainha, que usa chinelas e calça saltos altos.
Se fossem portugueses, saberiam que o velho castelo viu crimes e Condes de Andeiro, cercos e dificuldades sem tamanho. Ou com tamanho demais para um povo só...Como eram estrangeiros, fotografaram apenas, espantaram-se e pediram um café cheio que estragaram com leite a ferver.
Vi-os de longe. É bom que venham muitos, Lisboa merece-os!
É pena que a TAP os impeça de chegar...

sábado, 9 de março de 2013

DITOS

Numa lojinha resistente da minha cidade, num lugar onde entre olhares conhecidos se toma um óptimo café e se compram (eu compro) chocolates para os netos, há umas tabletes com frases engraçadas. Algumas têm poemas, outras, frases apenas. Numa delas li, hoje: - "Só há dois dias em que nada se pode fazer: ontem e amanhã". Sorri à frase, mas ela colou-se-me ao pensar e ao sentir. De facto, levamos a vida a projectar, a desejar, a lembrar, a recordar. Entre este ontem e aquele amanhã, vivemos, quantas vezes?, um hoje sem sentido. Ou com pouco sentido. Talvez seja uma Lapalissada, mas gostava de ser capaz de viver o HOJE. 
Em pleno, ainda que o pleno fosse, apenas, o possível. De caminho, hoje mesmo, vou comer um chocolate. 

"Come chocolates pequena;
Come chocolates! 
Que não há mais metafísica no mundo, senão chocolates" 
 Álvaro de Campos

SINTRA

A propósito de Eça, todos os anos os alunos vão a Sintra.
Saimos cedo, passamos ao largo da Porcalhota e Sintra recebe-nos, sempre, com o roamantismo que a carateriza. Por ali seguimos as pisadas de Carlos da Maia, as surpresas de Cruges e os poemas lânguidos de Alencar. Os miúdos ouvem, olham e eu (ingenuamente?) acredito que aprendem... Porque acredito, cada vez mais, que aprender não é decorar, não é reproduzir modelos. Aprender é olhar com curiosidade, é construir e reformular, é criticar e recriar. Sintra provoca os sentidos, encomprida o olhar, propõe leituras e exige atitudes de SER.
Ah! como eu gosto de, assim, ajudar os meus alunos a crescer!

sexta-feira, 8 de março de 2013

Mulher

Acordou cedo de uma noite de insónia. Tomou o duche rápido, sentou-se com calma frente ao espelho e massajou o corpo com força, primeiro o rosto depois toda a pele, numa carícia que a aquecia. Vestida já, entrou na cozinha, cortou o pão em fatias largas, preparou os cereais dos miúdos, abriu um pouco a janela e sorriu à chuva que caía musical.
Ligou o rádio e a voz quente do locutor deu-lhe os parabéns. Era o seu dia! O Dia da Mulher! Ouviu os miúdos no quarto, brigando já, e ralhou desinteressada, rotina apenas. Era o dia que o mundo lhe dedicava... Estranha homenagem. Um mundo injusto, feroz, incapaz de praticar o que dizia. Um dia para a Mulher, ao mesmo tempo que retiravam direitos e apoios às mães, que lhe reduziam drasticamente o vencimento, que a penalizavam fiscalmente por ser divorciada! Dia da Mulher. Feito por homens ocos de sentido e verdade, por falsidade e hipocrisia. Sim, ela iria sair, jantar com amigas, conversar um pouco. Deixaria o jantar pronto para os miúdos, seria uma noite diferente. Mas não seria a noite que queria...
O que queria, no Dia da Mulher, era mesmo vestir um vestido preto, calçar uns saltos altos e dançar na segurança de um abraço total.
Sonhos. De mulher e num dia qualquer...

quinta-feira, 7 de março de 2013

URGÊNCIAS



Urgentemente

É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"

E a mim, apetece-me acrescentar: - É urgente viver!
 

quarta-feira, 6 de março de 2013

Tempo para se aborrecerem

Um grande psicólogo e pedagogo do Reino Unido defende agora a tese de que é importante para as crianças e jovens terem tempo para se aborrecerem. Diz ele, fundamentando a sua tese em estudos científicos validados, que a fobia de ocupar constantemente as crianças, de correr com elas da natação apra a dança, do futebol para a música, do ballet para o judo, dos grupos de leitura para as oficinas de expressão dramática, não lhes permitindo ficarem, simplesmente, sem fazer nada, é péssimo para a sua formação como Pessoas.
Eu não podia estar mais de acordo! Sempre achei  que a paranóia social de encher o tempo dos miúdos de actividades não podia dar bom resultado.
Portugal, provavelmente, levará ainda muito tempo a adoptar esta proposta inovadora e, assim, lá continuarão as nossas crianças a crescer como robots, sem tempo para se aborrecerem e, consequentemente, sem tempo para se recriarem e reinventarem! Vejo os alunos das nossas escolas com aulas das oito e meia às seis, mais explicações, mais actividades, mais aulas de apoio, mais aulas de substituição, mais projectos de recuperação, e tremo. Tenho pena dos miúdos portugueses de hoje! Estes meninos precisam que os deixem aborrecer-se, ocupar algum tempo só com conversas de amigos ou, até, ficando a olhar para o ar sem nada fazer.
Daqui a uns anos, vamos ter uma geração que não pensa, não escolhe, não decide. Uma geração que apenas sabe cumprir horários e arranjar forma de boicotar a vida que tem e não escolheu... Pessoalmente, acredito que muita da violência escolar decorre, exactamente, do excesso de ocupação dos alunos. É urgente revermos o que estamos a fazer com os nossos miúdos!
Mas é urgente tanta coisa...

terça-feira, 5 de março de 2013

Vale a pena?

Está aí, de novo, a avaliação de professores. A pergunta imediata, quando se fala de avaliação de desempenho docente, é "para quê?", a outra é "como?". Procuro as respostas no vazio imenso (excepção enorme para o tempo que passo com os alunos) do meu quotidiano profissional. Começo pelo como, porque honestamente, a resposta ao para quê parece-me óbvia...
Uma vez mais, vamos ter aulas assistidas, vamos fazer teatrinhos e preencher mil grelhas com muitos quadradinhos e cruzinhas (tudo com muitos dimuitivos mesmo). Vamos escrever relatórios, vamos preencher formulários. Depois, nós avaliados, arrumamos os documentos, trocamos de escola e vamos avaliar os colegas do lado. Pasamos, num passe de mágica, de avaliados a avaliadores. No fim, propomos uma classificação e, se houver cotas, serão ratificadas as nossas propostas.
Para se avaliar um professor, diz o Ministério, basta fazer um dia de formação -  para aprender como fazer as cruzes sem sair dos quadradinhos -!
Mais uma vez, os alunos ficam de fora, não há especialistas em avaliação, misturam-se didácticas e conhecimentos científicos. Podia ser grave, esta pseudo-avaliação.
Mas, feliz ou infelizmente, é apenas ridícula porque não se traduzirá em nada! Este país de mentira continua apostado em brincar ao parece que é, mas não é!

segunda-feira, 4 de março de 2013

Este viver possível

Regressa-se metade. Vive-se em partes que, muitas vezes, são antagónicas. Está-se onde não se quer, sofre-se a ausência de onde se quer estar. Trabalha-se porque tem de ser, educa-se porque a ternura é o caminho. Come-se o que sabe mal, evita-se o que sabe bem. O que é bom é pecado, (ou faz mal), o que faz bem sabe a inócuo. Sem tempo para escutar boa música, ouvem-se notícias terríveis. As lágrimas adoçam a existência, os sorrisos saem amargos. É a vida. A possível, hoje.

domingo, 3 de março de 2013

Diferenças

Bem no alto do edifício, fica o lugar eleito para um bom café. Deveria ser chá, afinal estamos em Inglaterra, mas não negamos as origens e arriscamos no café. Chega quente, cheiroso, mas fraquinho. Sabe-me bem, ainda assim. Aqueço as mãos geladas na chávena de loiça pintada e olho, lá fora, as colinas de Surrey. É um país um pouco meu, este onde crescem os meus netos mais velhos. Olho as gentes, o gosto pelo que é deles, o cuidado com que garantem, bem escrito em todas as embalagens, que aqueles iogurtes vieram de uma quinta de uma familia inglesa de agricultores. Gosto da forma como se orgulham do que são, como protegem o que lhes dá identidade, da forma como enchem a rua principal, semanalmente, de produtos verdadeiros e que continuam produzindo com o que julgo ser amor verdadeiro. Não quero alinhar na máxima de que "a galinha da minha vizinha é melhor do que a minha"... Mas, de verdade, e embora também por terras de sua Majestade  se viva a crise, não vi por lá ASAE, nem outras desgraças que tais...