segunda-feira, 30 de abril de 2012

Estupidez

O povo português, seja lá o que for que inclui este nome colectivo, é, decididamente, estúpido! Eu incluo-me no rol, obviamente. E explico: - Só a estupidez pode justificar termos tido o mundo nas mãos e termos perdido tudo; só a estupidez pode explicar o buracão onde caímos e, pior ainda, só a enorme estupidez pode explicar o facto de continuarmos a pagar impostos abusivos, e a suportar políticos de fraldas (sujas) fingindo acreditar que melhores tempos virão.
Desenganem-se! Não virão melhores tempos! Tudo vai continuar a piorar e não sairemos desta crise absoluta nos anos mais próximos. Esqueçamos 2015 e 2020, o mundo colapsou já! Estes portugueses de hoje, nós, só servimos para encher o bandulho de alguns. É mau ser povo. Mas é bem pior ser estúpido!

domingo, 29 de abril de 2012

A Montanha

Estava em férias, livre de telefones e faxes, de emails e post-its, longe das exigências de uma vida que insistia em impor-se-lhe. Escolhera a montanha, a oportunidade para longas caminhadas, a energia das árvores que não desistiam de chegar ao céu. Bem cedo, vestia o casaco leve e forte, calçava as botas, e, com um café forte e um pão escuro por pequeno-almoço, partia por outeiros, vales e montes. Gostava de enfiar as mãos nos bolsos fundos do casacão, de jogar sozinha a tentativa de adivinhar a causa dos muitos ruídos, de observar o voo das águias, a corrida dos coelhos, a ligeireza dos pequenos veados. Despida da urbanidade não levava sequer a máquina fotográfica e, por isso, era com o olhar terno e limpo que registava instantâneos, momentos  e lugares. Se lhe perguntassem por onde andara quando, ao fim de cada tarde, voltava ao modesto Turismo Rural, não saberia responder. Por aí. O que vira? Tudo e nada. Podia falar dos bichos, das cores, do odor intenso dos pinheiros, do som dos pequnos regatos, do musgo fofo que a fizera escorregar..., mas nada disso fora o que de facto vira. O que ela vira, o que vivera, o que ganhara nestas caminhadas solitárias e cheias de presenças, só à noite longa contava quando, na cama estranha, ficava quieta olhando o tecto de madeira escura.

sábado, 28 de abril de 2012

Flores

No parapeito da janela larga junto à secretária onde trabalho há um vaso branco com lindas flores cor de rosa. Não são rosas, são uma espécie de humildes orquídeas, bem trabalhadas, fechando o coração num abraço terno. Às vezes, sempre que páro à procura de uma ideia, de uma solução, de uma brecha no trabalho, esbarro com o olhar nelas. Toco-lhes a medo - são tão frágeis! - e penso que é pena que não possam saltar do vaso, libertar as raízes da terra e correr por aí fora. As flores da minha janela profissional perfumam, muitas vezes, o meu quotidiano difícil. Agora, tenho saudades delas!

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O velho escritor

Estavam reunidos os ingredientes para redigir a história. Ia criar uma história de amor! Claro que sabia que as histórias de amor são vulgares, obviamente lera (sabia de cor) as ridículas Cartas de Amor de Pessoa e, infelizmente ou não, também vivera histórias de amor. Mas, mesmo assim, tinha decidido escrever uma história de amor. Começou por criar o cenário. Afinal, uma história merece um cenário! Pegou na caneta de tinta permanente, a azul e dourada, limpou o aparo e carregou-a com a tinta castanha de que tanto gostava. Na mesa junto à janela, com o mar revolto em frente, colocou as folhas grossas onde sempre gostava de fazer deslizar o aparo. Acendeu o candeeiro, fez rodar o cd de Mozart, bem baixinho, e sentou-se. Agora, era hora de chamar as personagens. Queria-as bem fictícias, vazias de humanidade, tecidas de possíveis e alegrias. Queria-as sinceras, verdadeiras, cúmplices, comunicando com o olhar, conhecedoras de palavras eficazes e construtivas. Aos poucos, viu-as surgir, enlaçadas, e as folhas foram ficando repletas de letras e sinais. Quando levantou o olhar húmido do papel, o cd tinha chegado ao fim, a lua enchia o céu e a maré enchera completamente. Limpou os óculos, encheu um cálice de Porto e, no seu silêncio, brindou ao amor. Ao daqueles dois,  ao dos outros também.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Até quando?

Mais um aumento, mais uma taxa, mais um estrangulamento. Todos os dias parece ser criado mais um imposto, seja sob que nome for, e as pessoas gemem e lutam pela sobrevivência. Nos telejornais creio que leio até uma certa raiva nos pivots que apresentam as notícias. Tanta violência sobre as famílias, sobre os contribuintes, é demais! Olho à minha volta e a revolta invade-me. Não pode fazer sentido um país assim! Se eu pudesse, partia. Fugia para longe e fechava à chave o meu amor por Portugal. Depois, lançava a chave ao mar.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

25 de Abril

"Prefiro rosas, meu amor, à Pátria" , dizia Ricardo Reis. Eu também, hoje, 38 anos depois do 25 de Abril, prefiro rosas, manjericos, ervas de cheiro e tulipas, à Pátria ou aos cravos. A minha pátria (se existe) roubou à minha gente o poder de sonhar, o poder de ser feliz, o poder de acreditar. Esta pátria, que canta 38 anos de liberdade, construiu um país de desigualdades, de assimetrias, de injustiças, de mágoas, de desistência, de medíocres e, pior ainda, de MEDO! Hoje, a festejar a liberdade e o fim da ditadura, teme-se o amanhã, assiste-se à emigração dos mais capazes, vê-se crescer o desemprego, constata-se a degradação da vida. Hoje, enchendo páginas de jornais com memórias e saudades, olha-se para um país que cheira mal, que não oferece futuro, que sufoca quem trabalha, que penaliza quem investe e cria.
Hoje, prefiro rosas à Pátria!

terça-feira, 24 de abril de 2012

Intensidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa dizer do meu amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.



Vinícius de Moraes
Noite escura e fria, insónia incómoda, poemas por companhia.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Ocupação

Cheguei a casa, depois de um fim-de-semana fora, e vi que tinha sido ocupada. Exercitos negros, enfileirados e ondulantes, cobriam a bancada da cozinha, instalavam-se dentro do micro-ondas e davam nova cor aos azulejos da parede. Olhei-os desesperada e, esquecida da minha veia pacifista, muni-me de uma bomba exterminadora. De luvas e Bio Kill nas mãos, ataquei com fúria. Houve resistentes, houve cadáveres, houve irritação. Depois da batalha , com as mãos já bem lavadas, fui inspeccionar os pontos vulneráveis da minha cozinha. Não vi nenhum! Estas criaturas mal-cheirosas - sim, as formigas cheiram mal! - parecem ter super poderes e atacam por todo o lado, sendo capazes, imagine-se, de atravessar paredes! Em desespero, liguei o micro-ondas com elas lá dentro e, surpresa!, houve sobreviventes. Odeio formigas! Acho que só servem mesmo para chatear as pessoas e até a história do LaFontaine me irrita preferindo, sempre, a cigarra.
Quando já estava a aspirar as sobreviventes, lembrei-me que se aproxima o 25 de Abril. Será que as bichas sabiam??

domingo, 22 de abril de 2012

Domingo e Silêncio

Chega chuvoso, húmido, fazendo no Tejo um picotado constante. A preguiça marca o dia, há uma certa nostalgia no ar e caminhar junto ao rio sabe bem. As esplanadas, que o sol habitualmente enche de desportistas domingueiros,  estão hoje vazias e os pensamentos difíceis escondem-se da chuva, bem longe do coração. Ela goza o silêncio. Gosta do silêncio próprio, que tanta falta lhe faz no mundo atribulado e ruidoso onde vive. Gosta de desligar o telemóvel e ficar ali, só vendo, escutando o tal silêncio feito de conversas alheias que nada lhe dizem. Repara numa senhora velha, senhora mesmo, que caminha acompanhada por um cão de olhos meigos. Também ela parece escutar o silêncio, o das conversas passadas, talvez. Vê-os desaparecerem ao longe, o cão em correrias breves, voltando sempre para o caminhar arrastado da dona, olhando-a com preocupação. Seria uma bailarina? Uma escritora? Uma avó saudosa? Tem os olhos tristes, o cabelo preso e as unhas cuidadas. Veste uma saia de pregas, sapatos rasos e um casaco que denuncia muito uso. Onde irá a velha senhora? Que traços terão escrito a sua narrativa de vida? Afasta os pensares, quer oferecer-se o silêncio total, e entra no café branco.
Pede uma vindima tardia, e o vinho doce, forte, sabe-lhe a vida. Sim, a vida devia ser assim: - forte e doce; terna e calada de dores! Feita de silêncio, também.

sábado, 21 de abril de 2012

Os elefantes

O rei de Espanha foi caçar elefantes, e partiu a bacia. Quase apetecia dizer que foi bem feito... Coitados dos elefantes! Faz-me imensa confusão que seja ainda possível, seja por que preço for, caçar estes animais! No entanto, confesso que me tenho divertido bastante com o episódio. O rei, debilitado e de muletas, pediu desculpas. De quê? De ter ido caçar? De ter gastado muito dinheiro? De ter partido a bacia? Os espanhois pediram a abdicação. Porquê? Porque o rei foi à caça? Mas ele sempre foi! Porque gastou muito dinheiro Mas foi um amigo árabe quem pagou! Porque partiu a bacia? Mas a bacia é dele! Acho ridiculamente cómica toda esta situação! No meio deste desenrolar de barbaridades, ficamos até a saber que a rainha só visitou o marido por escassos dez minutos. Será que isso vai prejudicar o quotidiano dos espanhóis?...
Para minha surpresa, poucos se indignaram por haver quem mate elefantes. Cada vez mais, estou fora deste mundo de reis e súbditos idiotas!

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Nunca te olharei por dentro!

Embora não seja grande  apreciadora da escrita de José Saramago, rendi-me já ao Memorial do Convento. Talvez o facto de ter de fazer os meus alunos gostarem dele, aliado às muitas leituras que já fiz, sem dúvida por influência de uma formação (EXCELENTE) que fiz sobre o programa, a obra cativa-me e, todos os anos, volto a ela com redobrado prazer. Hoje, tem ecoado em mim uma frase que Blimunda, apaixonada por Baltazar, profere: - Juro que nunca te olharei por dentro! Sensibiliza-me a ternura mas, sobretudo, emociona-me a confiança total. Serão um, sendo dois.
Quando oiço histórias de maridos e namorados que violam correspondência, que espreitam sms, que exigem a entrega de passwords de emails, lembro-me de Blimunda... É bom amar com confiança, com total entrega mas, creio eu, com a garantia de que não seremos olhados por dentro. É bom ter-se a certeza que ninguém nos roubará a vontade (ainda que esta seja só uma nuvem escura sobre o estômago)! Quando trabalho, com os meus alunos crescidos, o amor de Baltazar e Blimunda, destaco sempre o respeito e a confiança que caracteriza a relação. Gostava mesmo que houvesse muitos Baltazares (de preferência não manetas) e muitas Blimundas na juventude de hoje...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Bute aí?

Sugiro aos meus alunos que escrevam uma crónica, que expressem uma opinião, que organizem um texto crítico, marcadamente irónico, sobre um tema actual. Protestam! Que tema? Sugiro vários. Continuam os protestos: - que opinião? E eu pasmo ao verificar que, de facto, não abundam opiniões sobre temas como o desemprego crescente, a importância do futebol nos nossos dias, a desigualdade ou a importância de ser livre! Olho-os com um misto de desespero e dor. O que vai ser desta geração, destes jovens de 17 e 18 anos que, frequentando cursos ditos profissionais, tendo tudo de mão beijada, estão apenas a cumprir horas, a descartar módulos, a esgotar tempo sem, na sua maioria, aproveitarem para aprender?! Imponho a minha vontade, exijo que desliguem os phones e os telemóveis, obrigo-os a pegar na caneta. Uma longa meia hora ruidosa e dorida mais tarde, chega o silêncio. Alguns, olham o tecto, na esperança, creio, de que caia de lá uma ideia; outros mordiscam a caneta; outros alisam a folha amarrotada que, depois de muito procurar, encontraram no meio do caderno de argolas partidas. Têm meia hora!
Meia hora, concedo, é um tempo que os angustia. É que têm de estar calados e, imagine-se a violência, desligados do seu mundo de toques, sms, e conversas rápidas. Insisto. Vá lá, comecem por fazer um esquema, organizem as ideias. O Paulo sugere: - Setôra, vamos fazer em grupo. A setôra faz no quadro e nós copiamos. Bute aí?

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Inveja Boa

Vinte e alguns miúdos, olhares curiosos e corpos nervosos e eléctricos, preparam-se para entrar em cena. Vão fazer uma leitura dramatizada. Vão mostrar os resultados de ensaios, esforços, leituras partilhadas e criação de personagens. Sinto-lhes o nervosismo, observo a vontade de fazer bem e sento-me na cadeira baixinha pronta a aplaudi-los. Surgem camaleões, meninos de muitas cores, afectos e descobertas de mundo. Lá fora, sob o céu azul ainda de inverno, os pássaros esvoaçam pintando reflexos de mil cores nos vidros largos. Estes miúdos, de terceiro ano, estão a aprender a gostar de ler. Sim, aprende-se a gostar! E é preciso ensinar a gostar, criar laços, tecer afectos. Faz-me bem ir ao primeiro ciclo, encontrar ingenuidade e ver, nos meus colegas, o prazer de ajudar a crescer.
Às vezes, tenho inveja das minhas colegas que, numa sala cheia de sol, ainda podem brincar, sonhar e desenvolver, efectivamente e com êxito, estratégias de leitura!

terça-feira, 17 de abril de 2012

Portalegre

Vazia, a esplanada oferecia o silêncio da cidade branca. Em socalcos, cidade ingrata para andar de bicicleta, Portalegre mostrava-se branca e firma, orgulhosa e resistente, parecendo querer gritar que continuaria vivendo. Sobrevivendo. Sentei-me ali, no castelo que ficou feio (pombal emadeirado) e, uma vez mais, senti doer a minha lagóiice. Por que será que, à sombra da modernidade, se continuam a cometer crimes arquitectónicos? Em resposta, no silêncio, vinham os argumentos dos técnicos. - Mas o que querias? Que, no séc. XXI, se construisse como no séc. XVIII?! - Não, não queria. Queria só que se olhasse a especificidade de cada lugar, que se preservassem identidades, que se respeitassem harmonias. Queria que não existissem prédios encostados às muralhas do velho castelo, que não se fizessem hoteis de vidros, que não se plantassem construções absurdas no Rossio da minha cidadezinha. Queria que desenvolvimento não fosse sinónimo de descaracterização e desalento! Queria  o velho castelo vivo, com o Restaurante a funcionar, com a esplanada cheia de bem-estar e conversas soltas. Queria, também, que a minha cidade continuasse branca e limpa, cheirosa e verdadeira. Queria que Portalegre fosse, sempre, um lugar de onde os visitantes partem com vontade de voltar...
Na esplanada vazia, olhando a minha cidade, sinto que queria simplesmente nada ter que desejar. Se assim fosse, teria tudo!

segunda-feira, 16 de abril de 2012

A Foca

Estava ali, branca e sóbria, de portas abertas a quem passava perto. Ela aceitou o convite mudo e entrou. Saíra de casa na manhã fria de mais um domingo, apenas a cadela por companhia, para tomar um café e reencontrar o mundo. Tomara dois cafés em vez de um, os exageros ainda possíveis, e fora o vento gelado que a fizera abandonar a esplanada vazia. Gostava de caminhar, da companhia cúmplice da Foca, labradora preta que há anos lhe adivinhava os humores. Sorriu-lhe. Parada, olhava-a sem perguntas, disponível apenas. A disponibilidade sem cobranças, sem exigências, sem imposições. Era sempre a Foca que lhe enxugava as lágrimas, que a ajudava, como um muro cerrado, a suportar os embates da vida. Entrou na igreja. Fica Foca, venho já. Com um suspiro fundo, a cadela deitou-se olhando-a no fundo dos olhos. Sim, Foca, volto já; e sim, prometo não fazer nenhuma asneira. Na penumbra, entontecida pelo cheiro intenso da cera queimada, sentindo o frio que vinha cortante do chão de pedra, tentou rezar. Agradecer - lembrava-se das palavras do velho padre da sua infância - agradecer sempre porque as graças são muitas. Sentindo o ardor das lágrimas, lembrou as graças. Muitas. Desde logo, os amigos, a Foca, a quentura da sua casa, o emprego, o privilégio de poder, bem cedo, caminhar no frio ao encontro da bica quente. Mas, por ser humana talvez, a dor das falhas, da incompreensão, dos julgamentos frequentes, das condenações absurdas. Queria rezar, mas a oração não surgia. Ouviu a Foca, uivando baixinho, chamando-a talvez. Cá fora, olhou o céu, agora negro, percebeu o aviso da sua cadela: vinha lá uma tempestade! Como ela queria poder dizer à Foca que aquelas tempestades, feitas de chuva e relâmpagos, não lhe metiam medo...

domingo, 15 de abril de 2012

Estatística

Sim, eu sou de letras, pertenço à área das humanidades, sou mais adepta da filosofia do que da matemática. No entanto, acho que não sou completamente ignorante, preocupo-me com o mundo que integro e tenho opinião! E é por ter opinião que ouso dizer que estou farta de estatística, que estou farta de números, que não acredito em políticas que se norteiam por picos e gráficos! Por exemplo, se uma estatística disser que existem três frangos por cada português, isso não significa que não haja alguns portugueses com meia dúzia de frangos e outros que nem lhes vêem as penas!
Um governo que só olha a números, esquece as pessoas e, acho eu, não leva o seu povo ao sucesso!
Esta noite, durante mais uma insónia musicada pela chuva na vidraça do meu quarto, pensei se Churchill, ou De Gaule, terão alguma vez analisado estatísticas... É que já houve políticos que sabiam que governavam pessoas mas, agora, parece que só há governantes de estatísticas!  Pior ainda, esta moda está a chegar a todo o lado! Na minha escola, por exemplo, há estatísticas para tudo e levamos a vida a fazer cruzinhas e a preencher grelhas excel! Se bem calha, um dia destes vamos encontrar mais um inquérito, em excel, no wc, para fazer a estatística do uso do autoclismo. (Eu acho, mas só confesso isto aqui no calado da noite, que cada um espalha as cruzinhas onde lhe apetece....)

sábado, 14 de abril de 2012

Educação

Começaram a sair "novidades" sobre a Educação e, desta vez, eu posso (finalmente) dizer que não me enganei quando, neste mesmo espaço, defendi a escolha de Nuno Crato para a pasta da Educação. Concordo com a maioria das medidas agora propostas, gosto da forma discreta e séria de agir de Nuno Crato, penso que sabe o que está a fazer e que, de facto e sem politiquices, está preocupado em melhorar as aprendizagens dos alunos.
Sei que vai  ser atacado por permitir que as turmas cresçam, mas compreendo que esse não é o problema mais grave. As turmas já tinham 28, mais dois não fará grande diferença... Claro que o ideal seriam turmas de 20, mas já sabemos que o dinheiro pesa mais que tudo o resto e, aqui, Nuno Crato foi vencido. Mas, por outro lado, venceu ao propôr mais tempo para o português e para a matemática, venceu ao permitir a cada escola a gestão dos tempos, venceu ao reduzir a carga horária dos alunos. Sei que é possível educar melhor e, estou certa, Nuno Crato sabe qual o caminho para isso. Pela primeira vez em muitos anos oiço um ministro assumir que não são os professores os responsáveis pela qualidade (muito) discutível da educação em Portugal. Não quero entusiasmar-me demais, mas estou contente com o meu ministro!

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Sexta-feira 13

Dia 13. Sexta-feira. Dia aziago, dia de bruxas, de gatos pretos, de má sorte, de sustos e percalços. Dizem... eu acho é que o azar faz parte do quotidiano, surge sem hora ou dia marcado, interrompendo abruptamente existências pacíficas. Há azares  e azares, claro. Há aqueles que não podemos evitar, vamos a sair da garagem e alguém esbarra connosco, partimos o salto do sapato a descer uma escada, vira-se o guarda-chuva no meio da ventania; mas há, também, os azares que prevemos e não evitamos. Às vezes, acontecem azares até por antinomia. Apaixonamo-nos, por exemplo, e acontecem desencontros, desilusões, corre mal o viver, ainda que o amor devesse ser só feito de coisas boas, ternas e intensas! É um azar!
Pessoalmente, gosto das sextas-feiras 13. Porque as sextas sempre anunciam fim-de-semana e porque treze até é o meu número de sorte! Ou será azar a sorte minha?

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Compreender

O destino era desconhecido. Era para lá do possível, muito depois da linha do horizonte, no lugar onde a imaginação abraça os possíveis e tudo nasce. A mala estava carregada de desejos, ambições, sonhos e ousadias. Em casa, no lugar de nenhures, ficavam as memórias, o passado, as estórias vividas e escritas com lágrimas e dor. Agora, a viagem era para o lugar do amor, da emoção. Era para o espaço onde a compreensão é real, onde as razões de cada um são aceites. Partia sem algemas, livre, no voo que a noite cúmplice proporciona. Era a sua viagem. A última.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Chuvada

Bem diziam que a chuva havia de cair, que não ficaria para sempre no céu, que viria regar a terra quando bem entendesse. Ontem, foi o dia! Exactamente quando lhe apeteceu, caíu forte, inundou tudo, colou a roupa aos corpos, ofereceu constipações e lavou o mundo. Da janela do meu automóvel, atravessando o Alentejo, vi os campos ganharem novas cores, vi o verde rejuvenescer, vi, ou creio ter visto, o ar a limpar-se de areias e impurezas que tornam a realidade (ainda) mais baça. Ouvir a melodia da chuva, fez-me pensar que, de facto, a vida pode sempre refazer-se e limpar-se. A chuvada de ontem entrou em mim forte. Quem me dera que me lavasse também. De vez!

terça-feira, 10 de abril de 2012

O Sonho

"Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga
(Mia Couto-escritor Moçambicano)

Embora não seja leitora fiel de Mia Couto, talvez por alguma dificuldade de descodificação dos seus muitos neologismos, seduz-me a poesia, a ternura, o calor africano que, ensanguentado por vezes, corre nos seus textos. Há uns dias, encontrei a frase que cito. Ficou a ecoar em mim, encantando-me primeiro, enternurando-me depois e, desiludindo-me por fim. É que eu sempre passo o sonho pelo rosto. Sempre, de manhã - tarde - noite, passo o sonho por mim chegando, até, a duchar-me nele e, vai que não vai, emaranho os pés nas pontas dele e dou cada trambolhão que fico com rugas fortes e cicatrizes até na alma! Por isso, agora decidi: - Todas  as manhãs vou duchar-me com um sonho e, quando me vestir a seguir, vou usar uma armadura contra o real. Vamos ver se resulta...

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O Dia Seguinte

Mais uma Páscoa, mais uma festa, mais dias que o calendário assinala como especiais. Afinal, acho eu, todos os dias são especiais, ou muitos dias podem ser especiais, e nós, na urgência que a vida impõe, só damos por eles no dia seguinte. É um pouco a recordação da emoção, do meu Pessoa, transposta para o quotidiano. Mas é também, quantas vezes?, o sentimento do perdido, do irrecuperável, do impossível, sendo, simultaneamente, o sentimento do bom, do perfeito, do momento sempre único que vivemos e passou. O Dia Seguinte devia ter direito a lugar nobre no calendário: - O Dia D das nossas existências feitas, sempre, de pequenas coisas e tragédias grandes!

domingo, 8 de abril de 2012

Páscoa

Bem cedo os miúdos invadem a cozinha. De camisa e roupão, ela faz torradas, aquece leite e tenta acalmar a euforia dos netos. Lembra a voracidade do tempo, (há tão poucos minutos eram os filhos que se ajoelhavam nos mesmos bancos gastos!), e pede silêncio. Sim, o coelhinho vai passar, todo branco, deixando ovos escondidos pelo jardim; sim, todos irão procurar e, claro, é possível comer muitos e ignorar as imposições maternas. No Domingo de Páscoa o chocolate não faz dores de barriga, garante. Os miúdos riem, nervoso miudinho, e ela acende a grande lareira para aquecer os pés gelados que sempre perdem os chinelos no caminho.
É bom ter a casa cheia, pensa. É bom poder conservar memórias, alimentar tradições e criar cumplicidades com os seres fantásticos que são os netos! Conscientemente, deixa no fundo do baú castanho as saudades e as desilusões. O tempo, pelo menos hoje, faz-se de esperança e Fé!

sábado, 7 de abril de 2012

Aleluia

Sábado de festa. Ecoam as aleluias, há um cheiro novo no ar, é preciso recomeçar. Recomeçar saindo da dor, com coragem sempre, com força intensa, fazendo face aos medos e fantasmas que nos rodeiam sempre. A casa enche-se, as famílias juntam-se e, crentes e descrentes (coisa estranha?) festejam a vitória da Vida sobre a Morte, iludem a crise como podem. Vejo a festa de fora, desfio recordações, sonho também. Sim, é possível recomeçar! Sim, os ovos por aí estão, doces, prenhes de segredos e milagres...

sexta-feira, 6 de abril de 2012

De Tango a Pluto

A conversa era séria. Coisas de amigos, ditos cheios de mistérios e segredos, diálogos apenas compreendidos pelos intervenientes. Ele, o cão, ouvia com atenção, interrogando-se porque mudara de nome, porque passara de Tango a Pluto ou, nos momentos mais ternos, a Plutito. Ele, o miúdo, explicava-lhe que o Pluto é um cão maravilhoso, tem orelhas longas e consegue até andar em duas patas só. Ele, o cão, dizia que gostava do equilibrio que as quatro patas lhe permitiam e que, ainda por cima, não tinha em grande estima os seres bípedes. Mas estes argumentos não convenciam o Manel que, de dedo espetado e associando olhos de mil carinhos, lhe pedia para, por favor, aceitar a mudança de identidade...
Observei-os de longe, sem intervir, resistindo à tentação de impedir o Manel de beijar o ex-Tango já Pluto, e concluí que, os dois, tinham chegado a acordo. Agora, sempre que chamo o Pluto, o Tango vem a correr procurar o Manel. Malhas que a ternura tece...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Recomeço

A sala enorme, forrada de livros trancados, com sofás gastos e janelas rasgadas, recebia-o muda. Era uma sala alheia, (ele estava de passagem), mas, ainda assim, sabia-lhe bem o fogo crepitante, as janelas largas e o vale a perder de vista. Saira de casa na procura, livre e consciente, de calma e distância da perda recente. Partira sem rumo e ali estava, numa casa de madeira, sozinho, olhando a noite. Lá fora o vento e a chuva que, recusando-se a cair meses a fio, parecia agora querer acompanhá-lo na nova existência. Nas paredes, presenças alheias, crianças que desconhecia, homens austeros e senhoras elegantes, colecções de carrinhos de brincar, recortes de jornais antigos. Também ele carregava presenças ausentes, sempre. Ali, com ele, na solidão visível, estava uma multidão de memórias. Lembrava outras casas, hoteis - ela gostava de sair -, os filhos pequenos a explorarem tudo, as malas coloridas a encherem o carro. Lembrava-a desanimada, incapaz de arrumar as malas no porta-bagagens, confessando num abraço forte a sua inabilidade manual. Sentia-lhe o cheiro ainda, tinha nas mãos a textura da pele dela e evitava  a cama porque, tinha a certeza, o vazio no lugar dela ia doer demais... Olhou a noite escura. Felizmente, apenas uma família escolhera aquele lugar e, com certeza, dormiam todos. Assim, ele podia gozar a insónia, deixar-se ficar sentindo-a perto, sorver-lhe o perfume  que sempre usara. Ela estaria sempre por ali, prometera!, olhando por ele, vigiando as refeições, passando as mãos pelos cabelos como sempre fazia. Se fosse crente, diria que ela estava no céu. Mas perdera a fé no dia do diagnóstico certo e fatal. Agora, apenas cria na crueldade do vazio que ela deixara, na Páscoa gelada e solitária, vagueando na procura dela, na fuga da companhia que filhos e amigos queriam impor. Era Páscoa. Se ela estivesse a seu lado, iria esconder os ovos, ousar ternuras com chocolate (inconfessáveis) e teimar em assar quatro pernas de cabrito garantindo que as mãos do bicho só tinham pele... Era sempre assim. Era sempre ela! Agora, era só ele. Sem cabrito, sem ovos, sem as refilices ternas da mulher que, segurando a sua mão, partira cedo demais.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Belmonte. É terra de judeus, feita de pedra e história, oferecendo um cenário perfeito para caminhadas de paz. Chega-se lá pela caríssima A23, praguejando e afirmando o óbvio: - é uma roubalheira! - mas, uma vez chegados, fazem-se as pazes com o mundo. Com a humanidade não, porque os homens não permitem a paz feita e duradoura, porque as pessoas são as pragas da existência; mas com o mundo de coisas, de Natureza e História, pode tecer-se uma teia de bem estar. Subi ao castelo, ri-me da pobre bandeira nacional tentanto manter-se erecta e com sentido, e vi nascer a noite. Veio de mansinho, lua forte, embrulhada em nuvens fofas que a aqueceram um pouco. Ali, com a grande cruz a chamar a minha atenção, pensei nas dores da vida (egoisticamente, nas minhas) e rezei baixinho, oração conversada, procurando a segurança daquelas pedras eternas.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O Sol

Haja o que houver, até hoje, o sol sempre voltou a nascer. Acontecem crimes, escândalos, terrores, vira-se a natureza do avesso, e o sol nasce sempre. Nasce a cada dia sem querer saber do ontem, sem temor do amanhã .
Abro a minha janela e olho-o com alguma inveja... Deve ser o único a ter certezas, a não temer nada, a não lamentar derrotas e perdas. O sol bem podia ser a metáfora da esperança: - Haja o que houver, aconteça o que acontecer, amanhã é um novo dia!




Hoje, escrevendo no escuro, temendo a vida, penso no sol. Será que vai, daqui a pouco, nascer para mim?

domingo, 1 de abril de 2012

Dia das Mentiras

Dia 1 de Abril - dia das mentiras, das partidas, dos sustos. Dia que desafia a imaginação, quero crer. Eu, que detesto mentiras, acho alguma piada a este dia e, mesmo assim!, caio sempre nas patranhas que me contam. Este ano, como sempre, voltei a apanhar uns sustos e a respirar de alívio quando me lembrei da data...
Infelizmente, nem tudo foram historietas para me enganar e, ainda que o dia fosse de mentiras, houve/há verdades que me apavoram!