quinta-feira, 31 de maio de 2012

O Demónio

Insistem que este calor sufocante, o céu velado, a humidade que cola a roupa ao corpo, é um calor tropical, fenómeno provocado pelas múltiplas agressões ao ambiente que o homem tem feito. Mas não me convencem! Para mim, foi o demónio que resolveu abrir a porta do inferno e, agora, está feliz a ver-nos sofrer. Imagino-o empoleirado nos candeeiros das cidades, nos telhados das casas de campo, nos enormes ninhos de cegonhas que enquadram as estradas, vendo-nos a sufocar, a derreter, e a tentarmos encontrar justificação para o absurdo. Ele, o diabo, sabe que não há justificação para o mal, seja ele qual for, e deve estar satisfeito por poder, assim, castigar-nos pela nossa ousadia de o negarmos. Sim, porque eu não tenho dúvidas que o diabo existe, obviamente é macho, e diverte-se a moer-nos a paciência. Esta noite, ouvi-o rir e, logo de manhã, percebi que andou pela Assembleia da República, que dormiu perto do Ministro Relvas, que visitou os espanhois e descarregou a seu terrível humor nos italianos. Este demónio, que quer assar-nos em vida, está a tirar-me do sério!

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Foi quase um ano lectivo de aprendizagens, inovação, stress, sorrisos, desafios e algumas lágrimas também... Era um projecto ousado, um pouco louco, e exigiu de mim tudo o que sou capaz de dar. Foram noites de leitura, de pesquisa, de tentativas, de construções e descontruções. Em Novembro, quando tudo começou, parecia impossível chegar ao fim. Junho?! Onde ficaria isso?... Mas o tempo impôs-se, como sempre, e tudo se cumpriu. Hoje, arrumo o dossier e relembro rostos, olhares, sorrisos e mil ternuras. Lembro as Marias, as Marianas, os Rodrigos, os Duartes, as Letícias, os Dinis, os Joões, os Josés, as Margaridas, e tantos outros donos de uma curiosidade inesgotável. Lembro, também, os colegas com quem trabalhei, o esforço constante, a vontade de fazer cada dia melhor, a resposta pronta às minhas propostas, a alegria de ver resultados. Lembro a Zé, a Lena, a Paula, a Lurdes, a Fátima, a Ana, a Mena, a Graciela, a São, o Francisco. Lembro todos com a certeza de nunca poder agradecer o que me ensinaram e a forma como me provaram que vale a pena ensinar, que ser Professor (a maiúscula é intencional) ainda é possível e faz sentido!
Fecho o dossier, está quase pronto a entregar, e deixo abertos os afectos e os sentires. Para sempre, não por fim!

terça-feira, 29 de maio de 2012

Tempo desperdiçado

Apesar de se aproximar o final das aulas de terceiro período, e de os alunos do secundário (especialmente os de 12º ano) estarem na fase de muito trabalho com a aproximação dos exames, a ocupação plena de tempos letivos (vulgo aulas de substituição) continuam em vigor. Acontece, por isso, estarem os alunos numa sala, olhando e brincando com os computadores, guardados por um professor que não conhecem, esperando que o tempo corra e a campainha toque. O tempo, só para chatear..., decide arrastar-se e o cansaço de nada fazer - dos piores que existem! - instala-se em todos. Tento conversar com os vinte jovens que devo vigiar, sugiro temas actuais. Mas eles nem me conhecem, e conversa à hora de almoço, com a cabeça cheia de desafios e sonhos, não é coisa que apeteça. Voltam aos computadores e ouvem música, acabam trabalhos, pesquisam as novidades do youtube. Eu deixo-os. Hoje, a culpa deste tempo desperdiçado não é deles. É dos adultos que impõem sem razão, que se esquecem (?) que crescer é também poder escolher como ocupar tempos, que ser jovem não pode ser, apenas, ouvir e obedecer. Podia ser diferente? Sem dúvida que sim. Podiam, estes tempos, ser espaços de liberdade para os alunos, pelo menos os do secundário, e podia a escola ser encarada como educadora e não, apenas, fiscalizadora. Podia ser diferente, sim, se se criassem espaços favorecedores de aprendizagens activas e dinâmicas, em vez de salas cheias de computadores e solidão.
Podia, sim, ser diferente!

domingo, 27 de maio de 2012

Os homens não prestam

A M80 passa, quase de meia em meia hora, a canção de Miguel Araújo "Os maridos das outras", onde o refrão, "os homens não prestam", é repetido à exaustão. Se, às primeiras audições, achei a música péssima, agora já me habituei e, quando dou por mim, já estou a cantarolar o refrão... De facto, às vezes, homens não são grande coisa, salvo honrosas excepções, mas, infelizmente (?) fazem falta na vida das gentes, um pouco como os espinhos sem os quais as rosas não existem.
Os homens têm ideias tão brilhantes como, por exemplo, tirarem (tentarem...) nódoas de gordura com sabonete esfregando com a toalha das mãos; pregar pregos enchendo o chão de pedaços de parede; calçar as meias depois de vestirem as calças; não descer a tampa da sanita; não compreender que quando dizemos que nos dói a cabeça queremos ir jantar fora, e exclamar - vais outra vez ao cabeleireiro?! -  mesmo que o façamos uma vez por mês. Mas, acho eu, os homens têm um abraço forte, um ombro espaçoso e são, ou podem ser, uma âncora firme. Eu, que não sou feminista, acho que, afinal, os homens até prestam. São seres estranhos, concedo, mas prestam!

sábado, 26 de maio de 2012

Cerejas

Chegaram as cerejas de São Julião! O senhor Reia tem já as caixas cheias, as cores tentam o olhar e provocam a gulodice... Eu rendo-me! adoro cerejas. Gosto de fazer com elas brincos originais, de as morder com força, de as deixar rolar na boca provocando sentidos.
As cerejas do Reia superam TODAS as cerejas do mundo! São grandes, gostosas, escuras, carnudas e crescem no vale de São Julião, ali mesmo no coração de São Mamede. Ir às cerejas, ao Reia, é um ritual que, este ano, já cumpri. Agora, noite escura e quente, como cerejas ouvindo as ralas e as eternas cigarras e, garanto, a noite fica mais doce.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O Concerto

A noite estava quente, a relva estava aparada e cadeiras alentejanas, bem pintadas, convidavam a sentar. No meio das mesas, uma vela gorda, larga, capaz de iluminar a noite inteira, de aquecer os corações dando romantismo ao serão. No palco, a Banda Euterpe, a doadora de prazeres, a deusa da música, a encher de alegria o cenário. Com o público atento, chegou António Pinto Basto e  a homenagem ao Fado. Ouviu-se fado com acompanhamento da banda e, contra as minhas expectativas, resultou! A noite ficou mais rica, os sorrisos cresceram e soube bem o coro afinado da plateia que, entusiasmada, repetia o refrão "Ó Portela vem à janela ...".
Era para ser uma homenagem ao fado, mas foi, para mim, uma homenagem à alegria!
(Parabéns, especiais, ao Miguel Monteiro. Grande músico, fantástico acompanhante de Pinto Basto!)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Morrer de Mansinho

Se eu morresse em África,
a savana não daria pela minha ausência.
Se eu morresse no deserto
a areia continuaria a aquecer.
Se eu morresse no mar,
o polvo continuaria a camuflar-se.
Se eu morresse  na Austrália,
a montanha azul continuaria a produzir os seus reflexos mágicos.
Se eu morresse no Brasil,
os papagaios continuariam a palrar.
Se eu morresse em Paris,
a Mona Lisa continuaria a sorrir.
Se eu morresse em Roma,
o Coliseu continuaria a impressionar...
Mas, se eu morresse aqui, no meu canto
haveria lágrimas e cresceriam saudades!
E eu queria morrer de mansinho.
Sem provocar lágrimas.
Sem deixar saudades.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Dia da Cidade

Hoje, Portalegre está de parabéns! É feriado, o do concelho, há barraquinhas (e barracadas) e lembram-se os mais de 400 anos que esta cidade já tem. Lá do alto da coluna de granito, D. João III olha e deve pensar que de nada valeu o foral que nos atribuiu, porque esta cidade  (que eu adoro) está a entristecer a cada dia, envelhecendo e degradando-se de forma acelerada e dolorosa.
Lembro-me de, há talvez 45 anos, ter assistido à vinda do Almirante Américo Tomás nesta data e de, ao entrar na Sé Catedral todo vestido de branco, ele ter sido premiado com um enorme alívio gástrico (vulgo cagadela) de um pombo! Então, ri-me a missa toda sob o olhar ameaçador dos adultos. Hoje, nem uma cagadela inconveninente me fez rir. Hoje, o jardim e os carrosseis não me convenceram e nem a vinda de um secretário de estado deu  dignidade à Festa.
Portalegre merecia mais. Os portalegrenses, também!

terça-feira, 22 de maio de 2012

Globos e contrastes

Com tapete vermelho, ou red carpet como os pirosos dos apresentadores insistiam em dizer, a noite da SIC fez-se, no domingo da Taça de Portugal, de Globos de Ouro. Segundo alguns, em nada estes globos ficam a dever aos oscares de Hollywood (?) mas, para mim, ficam a léguas de distância. Os nossos famosos, tirando honrosas excepções como alguns actores e músicos, são as Lilis Caneças muito esticadinhas e o Castelo Branco conde não sei de quê... As roupinhas, emprestadas, mostram a penúria nacional, e a grande boca da bela Bárbara Guimarães não alegra os meus ouvidos. No entanto, ao fazer um zapping, fiquei presa nos Globos e com vontade de chorar. Ouvi, e senti verdadeiros, os protestos de quem, ligado à cultura, lamentava os cortes totais nos apoios do estado. Em Portugal, a cultura continua a ser vista como desnecessária, como luxo, como despesa disparatada! Lembrei Churchill que, no seu discurso de posse afirmou  "Nada posso oferecer além de sangue, cansaço, lágrimas e suor" e que, ao ser confrontado com a necessidade de cortes na cultura, os negou dizendo que sem cultura nada mais faria sentido! Em Portugal, nada faz mesmo sentido! Vivemos um momento de nihilismo acéfalo e os globos de ouro mostraram bem os dois lados da moeda: - a aparência balofa e a essência oca!!

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Viva a Académica

Não sou adepta convicta de nunhum clube de futebol, embora confesse um fraquinho pelo Benfica. Mas nunca fui ver um desafio de futebol no estádio e, no entanto, vibro com a Académica!
Cresci a ouvir histórias da equipa de Coimbra, cedo aprendi a gritar Viva a Briosa e, para mim, Académica sempre foi sinónimo de amizade, magia e ternura. O meu Pai jogou na Académica, (parece que aos 15 minutos já andava com as mãos nas ilhargas, mas isso não interessa...) O que interessa é que ele adorava Coimbra, a Académica, a Universidade que o fez médico e os amigos que considerava irmãos. Lembro as muitas Reuniões de Curso a que assisti, lembro a alegria com que todos se abraçavam, nunca esquecerei as lágrimas das despedidas e a prontidão de todos quando era necessário ajudar um deles. Ontem, emocionei-me com a vitória da equipa de Coimbra. Senti os olhos húmidos e vibrei como nunca achei que fosse possível tendo por causa o futebol. Aqueceu-me o coração ver a onda de capas negras nas bancadas, as fitas amarelas que reconheço como dos médicos, a alegria dos milhares de pessoas a torcerem pela Briosa. Ontem, desejava ter ido ao estádio e poder gritar com aquela multidão!
Se o meu Pai aqui estivesse, teria, de certeza, gritado um FRRRRÁÁÁ estridente pela sua equipa!
Viva a Académica!

domingo, 20 de maio de 2012

Crescer Dói

Chegou com as bochechas vermelhas, os olhos brilhantes, o cheiro terrível e irresistível a raposinho que carateriza os sete anos e a escola primária. Correu para a mãe, pediu colo, e contou: - "Eu não tive a culpa! Juro, Mãe! eu estava só a apanhar uma joaninha, sabes, daquelas que tu às vezes pões na mão?, mas ela não subia para o meu dedo e, de repente, voou. Eu apanhei um susto, porque não estava à espera, eu não tenho medo das joaninhas, mas os livros cairam e a professora zangou-se. Disse que eu tenho de escrever cem vezes que não se pode brincar com joaninhas na aula. Mas eu não tive culpa, Mãe. Eu posso até jurar-te!" Abraçou-o com força, cheirava mesmo a raposinho!, e secou as lágrimas. A hora era de ternura e a magia da joaninha a subir pelos dedos, a velha cantiga voa voa joaninha que o teu pai está em Lisboa a comer pão com cebola, ela mesma lha ensinara. Para acalmar a tristeza, propôs um gelado depois do banho e uma história longa ao deitar. Mas ele insistia: - E agora Mãe? Vou mesmo ter de escrever cem vezes aquilo da joaninha? Oh Mãe, diz que não..." E ela a sentir que tinha de dizer que sim, que ele teria de escrever cem vezes a frase idiota, mas que podia sempre continuar a brincar com as joaninhas, que podia sempre cantar a lengalenga, que devia sempre ter tempo para reparar nas joaninhas, e nas borboletas, e nas lagartixas que mudavam o rabo, e na ternura do cão que, vendo-o chorar, fora buscar a bola para o distrair. Mas sim, teria de escrever as cem frases estúpidas porque, na vida real, é a estupidez que comanda e é preciso aprender a obedecer à idiotice vigente.
Com imensa raiva abraçou o seu menino.
Crescer dói! Mas ver crescer, dilacera por vezes...

sábado, 19 de maio de 2012

Conversas

O pretexto era a gasolina barata na fronteira, a razão real a necessidade de conversa, de desabafos, de conversa cúmplice. Há quantos anos eram amigas? Mais de 40? E lembravam uma data, escrita num livro de receitas, num aniversário dem 1970... Tempo imenso, longínquo, que trazia lembranças das primeiras descobertas de afectos, das aulas no velho Liceu, das descidas apressadas pela gasta rua do Comércio. Hoje, o caminho fazia-se de automóvel, com a luz da reserva a acender, numa estrada emoldurada de papoilas, de giestas, de rosmaninho de intenso odor. A conversa ia rolando sem pausas: - Os filhos, os netos já, o tempo, o trabalho, a crise, os companheiros de vida, as viagens, as mães velhotas e exigentes, as rugas também. Depois, a paragem e o jantar gostoso, a esplanada e o café prolongado sob as estrelas e Vénus visível. Ela falou dos astros que já sabia identificar, e ela riu-se da inutilidade de tal saber. Sim, era melhor que soubesse de outras orientações, daquelas que nenhum IPad identifica por mais moderno que seja. Tentando dormir, refazia o trajecto, recuperava as palavras amigas. Sim, a amizade pode ser eterna. E o amor?

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Exaustão

A televisão vomita tragédias e aumentos, o calor traz formigas mal-cheirosas, os testes para corrigir amontoam-se na desordenada mesa de trabalho e o computador exige respostas. A vontade de fugir ataca-a enquanto dobra cuecas e procura, desesperada, o par fugitivo da meia azul do Snoopy. Tem a sopa para acabar, uma reunião às 20,00h e o bolo para a festa da escola que se comprometeu a fazer. Se pudesse, fugia. Fugia para um lugar longínquo, para uma praia azul, para um lugar sem horas, sem telemóvel, sem prazos nem urgências.
Imagina-se num mundo com sentido, envolta em sentires, com as meias felizes e irmanadas arrumadas na gaveta, as cuecas separadas e dobradas, as camisas passadas e bem penduradas. Sente o fresco de uma caipirinha e estende as pernas procurando relaxar... Tropeça na tábua de passar e cai de novo na realidade. É a vida? A dela, sim.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Linguajar

"Ná, népia. Isso nã tá com nada, né nada de fixe! Bute mas é twitar uma beca antes do dead line da entrega do job! Curtes? - Népia! A cota busca-me às quatro, bora amanhã?" - Ia a caminho do Bar da minha escola, (ando numa relação de amor com a minha escola!) quando esbarrei com este diálogo. Parei e olhei. Eram dois alunos de 10º ano que, de uma ponta para a outra do corredor, conversavam (?!). Brincando, perguntei que língua estavam a falar e a resposta, espantada, não se fez esperar: - Português, setôra!
Tomei café e escrevi as palavras ouvidas. Claro que conheço já o significado de googlar, de facebookar, de messajar, mas um discurso assim nunca tinha ouvido. Agora, em casa, penso que, se calhar, um dia haverá um acordo ortográfico luso-britânico. E não é que não me incomoda mais do que o brasileiro?!

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Escrava hoje

Odeio o computador (hoje). É noite escura, apetece-me sossegar, ficar na cama ouvindo a música desta noite de Verão, sonhar acordada com possíveis e conquistas, e, em vez disso, estou a fazer formação. Isso! Estou a cumprir tarefas para a formação on line sobre avaliação e correcção de exames. Estou a fazer uma formação que não procurei, para a qual não me inscrevi, num modelo violento que impõe trabalho para além do razoável. É noite escura, daqui a pouco tenho de me vestir e de ir trabalhar, os meus alunos exigem de mim (com todo o direito) trabalho sério e, em vez de descansar, estou a fazer reflexões sobre temas como avaliação formativa e sumativa... Acho, sinceramente e modéstia à parte, que merecia mais respeito e consideração por parte do ministério meu patrão. É que, aprendi na escola, a escravatura já acabou!

terça-feira, 15 de maio de 2012

Surpresa?!

Ainda não consegui digerir as enormidades que os meus alunos de 12º ano dizem a propósito da liberdade e da democracia, e eis que sou bombardeada por uma adulta, 50 anos!, que afirma pior. Não deveria ter havido Revolução em 74, há liberdade de mais, gerir um país é muito fácil, os políticos são todos ladrões incompetentes, alguns corruptos, o ensino público não serve, os filhos (os dela) não devem misturar-se com "vândalos" e ignorantes. Pressão constante de uma mão amiga no meu joelho fez-me calar a vontade de ripostar, de dar voz à minha indignação.
Mas ficou a moer-me este chorrilho de enormidades. Como se pode considerar que a liberdade individual não é importante? Como pode a minha geração, que viveu a conquista da liberdade, defender que a guerra no Ultramar deveria ter continuado, que não deviamos pertencer à Europa, que uma ditadura é muito melhor do que a democracia? E, curiosamente, esta senhora a seguir ao metralhar de barbaridades dança feliz.
 Há coisas que eu, decididamente, não compreendo!

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Não vale a pena?

"Não te chateies, não vale a pena" dizem-me os colegas que comigo leccionam o Curso Profissional. E insistem: "de que adianta cansares-te, ralhares, exigires comportamentos sociais e promoveres competências? Eles são sempre aprovados, (mesmo que não saibam nada, mesmo que faltem às aulas, mesmo que sejam incorrectos, mesmo que não trabalhem, mesmo que nem cumpram os horários, mesmo que...). Eu desespero. Não é isto que se pretende dos Cursos Profissionais, não é este o meu trabalho, não é esta a sociedade que eu quero!
Creio que há uma enorme, e grave, adulteração dos pressupostos dos Cursos Profissionais e, desta vez, a culpa não é do sistema, nem é da tutela. A culpa é nossa. Dos professores que dizem que "não vale a pena", dos pais que vêem os Cursos Profissionais como ocupação de tempos livres, de algumas escolas que confundem o ensino profissional com ensino especial, da sociedade que não quer saber onde se gasta o dinheiro que todos temos de - DOLOROSA E VIOLENTAMENTE - pagar.
Não vale a pena? Para mim, ainda que isso me custe noites de insónia, relatórios intermináveis e discussões dolorosas, ainda vale a pena tentar lutar por uma sociedade mais justa e uma educação mais real!

Impostos

Chovem em cima de nós, diariamente, impostos e taxas. Há impostos no sabonete, nas cuecas, na pasta de dentes, no vinho (branco e tinto), sobre o trabalho, sobre os bens (móveis e imóveis), sobre, até, a cultura! Vivemos a sufocar entre contas e pagamentos, IRS's e IMI's, IVA's e afins. Para que serve um governo que nos rouba TUDO?!
No meio deste desconcerto, li, já nem sei onde, que os piores dos cidadãos são governantes e políticos. Começo a achar que é verdade mas, sinceramente, pergunto-me onde estão os bons cidadãos... Adormecidos? Longe do país? Ou apavorados e fechados no seu casulo tentando sobreviver?!

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Canela

Eram rebuçados recentes, trazidos embrulhados num pacote colorido e oferecidos a todos pelo chefe. Ele tentou-se. De canela? Vou experimentar. Tirou o papelinho transparente e deixou-o desfazer-se, lentamente, na boca. Vieram mil sabores. Veio o mar, os Lusíadas que ensinava há trinta anos, a Dinamene afogando-se nas ondas revoltas. Sentia a força das ondas, o susto do poeta nadando desesperado, a pobre índia mergulhando definitivamente. Vieram, de súbito, os cafés conversados - um pau de canela por favor - e as conversas gostosas que sempre aconteciam. Lembrava-se ainda das bolachinhas de canela, suaves e intensas, que a acompanhavam nas muitas viagens solitárias. Esquecendo os malefícios do açucar, tirou mais um. Eram artesanais, feitos em Mértola, embrulhados individualmente, sem maquinetas a estragarem-lhes a essência. Ele gostava de coisas assim, verdadeiras, com gosto  e história, com intensidade e perfume... Saíu do emprego com rumo definido: - Ía comprar rebuçados de canela. Dos de Mértola!

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Sorriso

Recebeu-o sorrindo. Era um sorriso triste, cansado, de desistência talvez, denunciador de muitas desilusões, de batalhas perdidas decerto. Ele sorriu também, aceitando a chave do quarto, que ela, gentilmente, lhe estendia. Não precisava de nada, obrigado, mas ela, sempre sorrindo, insistia numa garrafinha de água, ou, quem sabe, talvez um Porto... A custo, conseguiu afastá-la e fechar a porta. Procurara aquele lugar remoto, descoberta ocasional na net, para, exactamente, se isolar e trabalhar. Precisava concluir um relatório, precisava descansar, precisava do silêncio. Precisava, e custava-lhe reconhecer, de se afastar do lugar que ficara vazio. Dolorosamente vazio. Agora, absurdamente, tinha tempo. Tempo para sair, para ouvir a senhora de sorriso cansado, para recusar o Porto. Porque, de repente, ou não tão de repente assim..., o tempo esticava e ele podia aquilo que nunca pudera antes quando outra mulher, outro sorriso, o procuravam. Quantas vezes a deixara sozinha, a encontrara já dormindo, conversando apenas por sms ou rápidos emails? Quantas vezes ignorara os pedidos de companhia, de presença, de cumplicidade e partilha? Agora, era tarde. Ela partira, sem alarde nem lágrimas, constatando o fim inadiável. Ele ficara. Dela guardava, agora, o sorriso triste. Magoado e desencantado também.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Farto de liberdade?!

Tenho, nos últimos tempos, vivido experiências quase traumáticas com os meus alunos de 12º ano. Tiram-me o sono as recentes apresentações orais que eles, a propósito do estudo de Felizmente, há luar!, têm tornado em defesa acesa de Salazar e da ditadura. Oiço-os com o coração encolhido e protesto com energia. Como é possível que jovens, (quase crianças de 17 e 18 anos), defendam Salazar e afirmem que estão fartos de liberdade, que a liberdade individual não leva a lado nenhum?!
Para estes jovens, que brevemente serão a geração de liderança, o dinheiro deve, clara e objectivamente, ser mais importante do que as pessoas, a censura tem justificação e a tortura deve ser legitimada. A bem do país, dizem-me. Começo contestanto, com calma, lembrando a História, valorizando o indivíduo, citando filósofos e pensadores, mas perco a cabeça, irrito-me e saio da aula com uma incrível revolta. O que estamos a fazer desta gente? Como estamos a educar a geração que nos vai seguir? Sei, quero crer que sei..., que é a irreverência da juventude, a mania de ser do contra. Mas sinto, e sinto bem fundo, que pode ser mais do que isso se não agirmos já!
Quando tenho alunos que me dizem, muito a sério, "estou farto de liberdade", o meu coração estala de susto!

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Dia de Anos

Era um bebé calmo, sorridente, com olhos que colava aos meus seguindo-me por onde eu me movia. Bem pequenina, gostava de ver televisão esticada no sofá, sabia de cor os filmes da Disney, tinha fúrias que a deixavam brava quando as coisas não lhe corriam de feição. Um pisco a comer, a minha filha Joana sugeria-me que enviasse os restos da comida dela para os meninos com fome, sempre que eu lhe lembrava que enquanto ela desperdiçava havia quem nada tivesse....
Hoje, a Joana faz 27 anos, é minha colega na aventura de ensinar e prepara o casamento. Vejo-a cheia de sonhos e peço à vida que lhe seja mansa e suave.
Parabéns, Joana!

domingo, 6 de maio de 2012

O EU

Era uma rua larga, uma avenida talvez, e ela caminhava sem rumo. Melhor, ela tinha um rumo, um rumo colectivo - a felicidade -, mas desconhecia onde estava e, por isso, caminhava levada por passos alheios, por presenças estranhas, na cidade grande onde sobrevivia. Repetia aquele caminho há anos, sete? dez?, nem sabia já. Era o caminho para o emprego, notária de referência, para o lugar onde esgotava as horas entre a eficiência de que se orgulhava e as conversas de circunstância, formais, correctas e frias. Enrolou-se no casaco sentindo a chuvinha húmida e tardia, fora de tempo, como ela que se sentia fora do Tempo. Mentalmente, reviu a vida, a sua. Viera de longe, de uma aldeia insignificante para lá do Douro, das terras do demo, cheia de sonhos e ambições. Estudara, casara,  vira crescer os filhos e partir o marido. Restava-lhe, agora,  ela mesma e, às vezes, o nosso eu é incrivelmente pouco... 

sábado, 5 de maio de 2012

Estórias

Terminavam sempre as histórias infantis com e foram felizes para sempre, depois do principe casar com a princesa. Como o para sempre das crianças é imediato e breve, fechava-se tranquilamente a capa do livro e os meninos  e meninas adormeciam, tranquilos, seguros na felicidade eterna das suas personagens. Mas os meninos cresceram, as meninas tornaram-se mulheres e, de repente, o para sempre deixou de acontecer. Quando se é feliz para sempre? Onde ficou a magia tranquila e pacificadora das estórias infantis? Onde está o tal principe encantado, esbelto, corajoso, lindo, bem cheiroso e, impossível?!, atento às necessidades da sua princesa? Algures, nas páginas dos velhos livros que lia às minhas meninas, ficou muita da minha fé na humanidade. Hoje, vendo as crianças encantarem-se com seres verdes e robotizados que vivem noutros planetas, são violentos, têm (assumidamente...) antenas na cabeça e trocam as refeições por pílulas coloridas (não Pintarolas nem Smarties), apetece-me reinventar o viveram felizes para sempre. Ao menos às crianças, que se não apague o sonho!

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Envelhecer

É um processo inevitável e doloroso, envelhecer. Envelhece-se diariamente, vendo chegar rugas, falhar as forças, diminuir a resistência. Envelhece-se quando as memórias são muitas já e tudo nos parece passado... Há só, penso eu, duas formas de envelhecer: - Aceitando ou lutando. Se a última me parece ridícula porque inevitavelmente condenada ao fracasso, a primeira pode ter, sinto eu, muito de positivo. Vejo-me a envelhecer e, simultaneamente, vejo-me a adquirir alguns privilégios: - Já não preciso de fingir que compreendo o incompreensível, já não tenho de desempenhar papéis sociais que exijam aplausos alheios e posso, hélas!, gozar o prazer de ser quem sou, de me rir de mim própria e de poder fazer (relativamente, confesso) o que me apetece. Para além disso, tenho um património de memórias que fazem inveja aos mais novos! Envelheço, eu, sem medo as rugas, sem inveja de quem festeja 30 anos, feliz por poder dizer "nada que eu não tenha já feito"...A única mágoa de envelhecer, para mim, é a ausência de pessoas que partiram. Ausência que dói sempre, MUITO, e que nenhum processo químico ou emocional pode travar.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Sombras

A chuva faz música na minha janela, o vento assobia e esta orquestra não me deixa dormir. Saio da cama e fico no escuro olhando as sombras, as presenças que, com luz, não percebo. Olho as molduras e vêm momentos bons, as crianças eternas, as estadias em lugares mágicos. Gosto das muitas fotografias que ocupam cada espaço fazendo, por vezes, cair os livros ou escassear o lugar para arrumar as chaves e o telemóvel. Gosto da possibilidade de eternizar momentos de felicidade que são cada vez mais raros e rápidos. Na sombra, só a luz amarelada do candeeiro da rua ilumina a minha insónia, sinto chegarem pensares e sentires. Afasto os sentires de doer, escancaro a insónia aos sentires ternos e cúmplices. Deixo a palavra cúmplice enrolar-se-me na boca, escorrer pelo coração e envolver-me numa quentura gostosa. Saboreio-a, enrolo-me nela e apetece-me aplaudir a orquestra que, lá fora, insiste em acompanhar a minha noite. Vejo, então, chegarem as ausências. Vêm de mansinho, sentam-se a meu lado e lamento não ter acendido a lareira quando um arrepio me percorre. Peço colo às sombras visitantes e conto de sonhos, de farrapos, de espumas, de saudades, de medos, de possíveis, de impossíveis também.
Quando acordo, gelada, um novo dia está a nascer e as sombras partiram já. Na minha sala há, apenas, vestígios de uma orquestra cansada que, agora, murmura os últimos acordes. Em mim, há muito mais. Há os indizíveis, sempre.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Escola Viva

Decididamente, e apesar dos inúmeros pesares do meu quotidiano, é na minha profissão que eu me sinto feliz.  É bom estar na escola, na minha escola!, quando as aprendizagens acontecem. E as aprendizagens acontecem quando os alunos agem, aprendem mesmo e criam. Os meus alunos, alguns, encantam-me e seduzem-me.
Esta semana vive-se na minha escola a semana das línguas e o movimento é intenso. Painéis, mostras de trabalhos (os meus meninos de 12º fizeram youtubes fantásticos!) dramatizações, danças e, a finalizar, um Jantar Queirosiano. O trabalho é muito, mas o entusiasmo e o brilho no olhar dos miúdos justifica tudo. Cada vez mais acredito que há possíveis. Só falta, por vezes,  a vontade de os concretizar...

terça-feira, 1 de maio de 2012

O Trabalhador

Olhava o portão fechado, os camiões estacionados e a tranca de correntes nas portas largas por onde tantas vezes entrara. Trinta anos! Entrara jovem, ufano da carta de condução profissional recém adquirida, disposto a atravessar a Europa na distribuição dos produtos. Tantas viagens, tantas noites escuras, longas, ao volante do grande camião. Casara e partira, sempre sob os protestos da mulher, aprendendo a solidão por companhia. Falava até francês, um pouco de alemão também, e orgulhava-se de nunca, em três décadas, ter tido um acidente, uma multa sequer. Os filhos tinham crescido sem que desse por isso, dois tinham casado já, e a mulher, em silêncio muitas vezes, recriminava-o pela ausência constante. Hoje, lamentava as muitas viagens, as partidas, as horas dormidas na cabine do camião. Para quê? Tudo terminara subitamente. Sem que percebesse porquê a empresa fechara, os camiões estacionaram e ele tornou-se um número mais no desemprego. Não tinha idade para recomeçar outra vida, tinha 55 anos, mas não se sentia um inválido a viver de um mísero subsídio. E agora? Olhava as manifestações do 1º de Maio, ouvia as palavras de ordem e doía-lhe a desordem do seu viver. O que fizera para merecer estar ali, inactivo, fugindo às perguntas da mulher. A culpa era do governo?  Sim, devia ser. Mas talvez fosse também da Europa, e, achava ele, de todas as pessoas. Dos tais europeus que, nas suas idas e vindas, encontrava cada vez mais tristes, mais desalentados, mais acomodados a políticas que só olhavam números esquecendo pessoas. As horas passavam. Deveria voltar a casa, almoçar com a mulher, repensar a vida. Mas não tinha vontade. Vontade mesmo, tinha de trabalhar, de ouvir o motor do camião e de se pôr a caminho. De produzir. De ser uma pessoa. Um trabalhador de facto!