terça-feira, 1 de maio de 2012

O Trabalhador

Olhava o portão fechado, os camiões estacionados e a tranca de correntes nas portas largas por onde tantas vezes entrara. Trinta anos! Entrara jovem, ufano da carta de condução profissional recém adquirida, disposto a atravessar a Europa na distribuição dos produtos. Tantas viagens, tantas noites escuras, longas, ao volante do grande camião. Casara e partira, sempre sob os protestos da mulher, aprendendo a solidão por companhia. Falava até francês, um pouco de alemão também, e orgulhava-se de nunca, em três décadas, ter tido um acidente, uma multa sequer. Os filhos tinham crescido sem que desse por isso, dois tinham casado já, e a mulher, em silêncio muitas vezes, recriminava-o pela ausência constante. Hoje, lamentava as muitas viagens, as partidas, as horas dormidas na cabine do camião. Para quê? Tudo terminara subitamente. Sem que percebesse porquê a empresa fechara, os camiões estacionaram e ele tornou-se um número mais no desemprego. Não tinha idade para recomeçar outra vida, tinha 55 anos, mas não se sentia um inválido a viver de um mísero subsídio. E agora? Olhava as manifestações do 1º de Maio, ouvia as palavras de ordem e doía-lhe a desordem do seu viver. O que fizera para merecer estar ali, inactivo, fugindo às perguntas da mulher. A culpa era do governo?  Sim, devia ser. Mas talvez fosse também da Europa, e, achava ele, de todas as pessoas. Dos tais europeus que, nas suas idas e vindas, encontrava cada vez mais tristes, mais desalentados, mais acomodados a políticas que só olhavam números esquecendo pessoas. As horas passavam. Deveria voltar a casa, almoçar com a mulher, repensar a vida. Mas não tinha vontade. Vontade mesmo, tinha de trabalhar, de ouvir o motor do camião e de se pôr a caminho. De produzir. De ser uma pessoa. Um trabalhador de facto!

1 comentário:

  1. Ainda há trabalhadores desses...

    Mas o que abunda por aí, principalmente nas "manifes", são os trabalhadores sindicais, que não trabalham, só nos dias das greves, incitam os outros ao não trabalho...

    Culpa de muitos, culpa de todos?

    Cumprimentos

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