quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Avaliem-se uns aos outros

Quando Cristo andou neste mundo, ou noutro mais humano, dizia (contam) "amai-vos uns aos outros!" era uma mensagem bela, intensa, tecida de muitos ditos por dizer.
Um destes dias, numa reunião das mil reuniões de nada que fazem agora a vida das escolas, fiquei a saber que o Ministério da Educação adoptou a máxima "Avaliem-se uns aos outros".
A ordem é económica: - Quem ganha mais, quem está nos índices de vencimento mais altos, avalia os que ganham menos. É um critério. Idiota, como é costume no ME, mas aceite pelos professores que parecem, na sua maioria, adaptados, ou vencidos?, pelas barbaridades do indigno estatuto que lhes impingiram. Para completar a estupidez desta avaliação, há equipas a construir os pomposamente designados instrumentos de avaliação, invariavelmente fichas e grelhas de mil cruzinhas e rebuscados parâmetros. Há aberrações tão anedóticas, tristemente anedóticas, como ser-se notado pelas actividades que se dinamizam e, simultaneamente, ser-se penalizado por falta de assiduidade quando, para se realizarem as ditas actividades, não se dá alguma aula..
Lembrando as palavras de Cristo, peço-Lhe que me desculpe por não ser capaz de amar o ME. Acho que Ele deve aceitar que amar os carrascos, só mesmo um ser divino consegue!

Colapso democrático

Mais medidas de austeridade, mais furos no cinto que já tem forma de banda gástrica. Sobe o IVA, os impostos, o custo de vida e, ao mesmo tempo, desce a qualidade de vida, descem as reformas, desce o poder de compra. Assim, creio eu, se destrói uma sociedade, se sufoca um povo inteiro.
Ouvi as medidas anunciadas com tristeza e já sem revolta. Sinto-me, como muitos portugueses decerto, uma condenada. Condenada a uma vida que não quero, ao desmando de um governo que não escolhi, à tristeza de um povo que não compreendo.
A democracia está a colapsar. As pessoas, algumas ainda humanas, descrêem do poder da sua intervenção, da força da organização política e social e, também por isso, isolam-se, demitem-se de participar, tentam soluções individuais. Quando a Democacia falha, surgem as ditaduras, a força de poucos, o domínio da injustiça, o fim da liberdade.
Hoje, tenho medo. Medo por pensar que, do desnorte actual, da loucura vigente,se faz o caminho da chegada da ditadura...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Outono

É sempre assim no fim de Setembro. Vem um vento fresco, os dias encurtam, as folhas enchem o meu quintal e as nozes, às vezes violentamente, caem da velha nogueira. É a época, para mim, do ouro real. Os campos brilham, os castanhos enchem a minha Serra e o tempo parece ceder à pressa constante. Gosto de abrir a janela e deixar entrar o vento fresco. Gosto de voltar às minhas botas e de, com o casaco eterno e gasto, caminhar no espaço que é meu.
Quando era miúda, há tanto tempo..., escrevia longas composições sobre o Outono, as castanhas e, claro, os ouriços. Lembro-me de olhar o quintal e de, depois, com a minha caneta Parker de tinta permanente (nome bem estranho, pensava, vendo a tinta esgotar-se num instante...)encher as folhas do caderno novo. A cheirar a aprender, como eu achava então.
Hoje, ao ligar o meu computador, velhinho, com teclas a prender e a falhar, tive saudades do cheiro a aprender, das folhas novinhas, e da letra, feia mas minha!, que enchia as folhas brancas. Este Outono,pouco fresco ainda, trouxe-me a nostalgia da infância. Teria sido a influência de Pessoa?

domingo, 26 de setembro de 2010

À Venda

Só 100 euros, barato, garante o vendedor. É um clarinete usado, velho, sem bucal. Vinte e cinco euros, só!, garante, num sorriso gasto, a velha senhora indagada sobre o valor da argola de prata.
Vende-se de tudo um pouco: - loiça, discos em vinil, peças de cozinha, mesas, cadeiras, tachos de cobre, bonecos, brinquedos, colares, anéis, pulseiras, caixinhas e caixotes, sapatos, quadros, molduras, memórias de outras vidas, de outros tempos também. É a Feira das Velharias! Acontece aos domingos, entupindo o passeio, complicando o estacionamento, enchendo de memórias alheias o espaço habitualmente vazio de sentires.
Em mim, vagueando por ali, surge uma nostalgia incómoda. Lembro a existência de muitos daqueles objectos nas minhas memórias de criança. Recordo as caixas de grão, farinha, açucar, arroz e massas, na cozinha de minha casa. Lembro as argolas de prata, com os nomes gravados, que seguravam os nossos guardanapos. Saio da Feira com alguma tristeza. Imagino a dor daqueles que têm de se desfazer de vivências, de presenças em vidas passadas. Mas talvez eu esteja errada. Talvez eu esteja a viver a Feira das Velharias com as minhas lentes lagóias de aumentar. De repente, entrando no meu texto sem licença, vem o cheiro do mar, o bem-estar daquele barzinho que me encanta, ali mesmo junto a Carcavelos, onde os empregados, simpáticos e diligentes, usam t-shirts onde se lê: "A tecnologia vende-se. A mentalidade educa-se!".

sábado, 25 de setembro de 2010

Tejo


Lisboa tem o Tejo. O Tejo dos poetas, das tágides, do Fado, dos apaixonados. O Tejo! Bem cedo, antes do acordar da modernidade, junto ao sonho líquido há esplanadas vazias, convidativas, calmas, onde, com sossego e longe do bulício da capital, se pode tomar um café gostoso. Das esplanadas, vê-se o mundo. Não o mar! Esse, disse o Poeta, vê-se da nossa língua portuguesa. Ali, nas cadeiras coloridas, com a bica a quase dois euros, vê-se a sociedade construída à imagem de muitas imagens.
Gosto de ir ali, de não tirar os óculos escuros e de reparar no mundo que integro. Acho piada aos miúdos, que correm até aos limites impostos, aos namorados de olhar doce, às amizades em conversas secretas. Ao mesmo tempo, acho ridículos os fatos de treino, os suores exagerados, os/as cinquentões de phones, ténis da moda - boas e conhecidas marcas!-, em corridas que sempre me parecem exageradas. Correrão contra o tempo? Inútil! Correrão pela saúde? Parecem-me exaustos! Correrão por prazer? Que prazer se pode tirar de suor e estafanço?! Sim, claro, há o lema "mente sã em corpo são". Mas será são um corpo entradote, suado, corrido, estafado? Tenho dúvidas...
Longe das corridas, deixo correr a imaginação e vejo a partida dos portugueses, ali mesmo em Belém, chegando a ouvir o choro daqueles que se despediam. Ó mar salgado...
O Tejo. Uma esteira de sonho. Para mim, também.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Os sapatos

Mal entrou em casa, abandonou os sapatos na entrada. Era o seu vício em busca de liberdade. Era, pensava, o desejo inconsciente de deixar na rua o que a prendia, fisicamente, ao mundo de que não gostava. Lembrava-se de Santo António a quem, segundo Vieira, nem a poeira dos caminhos se agarrava aos sapatos que não tinha.
Mas ela não era santa, não tinha vocação para tal e, na maior parte dos dias, nada lhe apetecia um paraíso in-humano, sem vícios nem cor, sem pôr-do-sol, sem cheiro a mar, sem uma caipirinha gostosa, sem o riso das crianças. Noutros dias, raríssimos, apetecia-lhe sim a paz branca, vazia, desse paraíso dos santos sem sapatos. Dias raros.
Mas hoje, não queria paraíso algum. Sabia-lhe bem a sua casa, o cd que rodava a seu gosto, o espaço onde, descalça, se concedia o privilégio de mordiscar bolachas do IKEA esticada no sofá. Sabia que devia ir trabalhar, organizar dossiers, planificar trabalho e aulas mas, deliberadamente, concedia-se o privilégio da transgressão que sempre estar descalça lhe sugeria. Abriu um romance gasto, de folhas soltas,marcado por nódoas do café que nunca dispensava e deixou-se ficar, ouvindo a trovoada ao longe, ignorando as chatices, esquecendo as angústias que pareciam agarrar-se-lhe à sola dos sapatos. Tão bom estar descalça!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Instruções

Normalmente, deito fora todos os livrinhos de instruções que acompanham os electrodomésticos, os rádios, os telemóveis, os automóveis e as milhentas maquinetas que, cada vez mais, compõem o nosso dia-a-dia. Não tenho paciência para aquelas leituras, que, curiosamente, fazem parte do programa de português do ensino básico sob o nome pomposo de "textos instrucionais" , e vou descobrindo, por tentativa e erro , muito erro, como funcionam as minhas aquisições. Às vezes, só muito tempo depois de ter adquirido algo descubro, até por acaso, algumas das potencialidades ao meu dispor.
Deu-me, por isso, para pensar que, embora às vezes a vida pareça uma maquinete armadilhada, feita de explosões e sustos, com potencialidades ocultas, de nada me adiantaria que viesse com livro de instruções.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Sermão

à minha frente, encalorados e ansiando pelo toque libertador, fechados num contentor, há vinte e cinco pares de olhos jovens. O ano lectivo está a começar, as obras na escola continuam, há pó e ruído, e surge o período barroco, o texto argumentativo, o sermão de Stº António aos Peixes. De repente, surgem-me mil dúvidas... A minha paixão pelo texto de Vieira parece não encontrar eco, não fazer muito sentido para os miúdos que suam, que têm sede, que estão sentados em cadeiras incómodas.
Deliberadamente,então, ignoro o programa e oiço-os. Falamos das eternas injustiças, dos atentados à dignidade humana, dos erros (ou caracteristícas?) eternamente humanas. Têm opinião, revoltam-se, mas, estranhamente, desistem da luta, acomodam-se. Talvez, concluo, António Vieira faça mesmo falta. Talvez, sinto-o, estes miúdos estejam a deixar-se moldar, depressa demais, pelo comodismo social, pelo umbiguismo vigente.
Saio da aula amargurada. Tenho de fazer melhor. Muito melhor!!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ELITES


A caminho de Ponte da Barca, vindos de Monção, deparamo-nos com o Palácio da Brejoeira. A imponência sedutora do edifício, o ambiente romântico, a paz colorida, obrigam a parar.
O Palácio pode visitar-se, felizmente, e, ao caminhar pelo espaço interior, vamos percebendo que por ali andou gente com gosto, com cultura, com cuidado na forma e no conteúdo. Surpreendem as portadas embutidas, a biblioteca, o mobiliário, os azulejos, o teatro, a capela, os tapetes. Mas, para além de tudo isto, surpreende a força e tenacidade da proprietária que, aos 92 anos, luta para manter de pé o que é, sem dúvida, uma das jóias desta república triste.
O bosque frondoso, os jardins cuidados, os 18 hectares de vinha, fazem-nos pensar que, se calhar, era possível fazer de Portugal um país de sucesso se, apenas..., se permitisse que o seu destino (?? - não sei bem o que é isso) se cumprisse.
Ou seja, Portugal precisa, acho que desesperadamente, das suas elites. Passados mais de 35 anos sobre o fim da ditadura, é tempo, creio, de acabarmos com os preconceitos de esquerda e de assumirmos que são fundamentais elites para fazer avançar o Mundo. Elites verdadeiras, não feitas à pressa por partidos e partidarites doentias.

sábado, 18 de setembro de 2010

Será?

Portugal está numa fase péssima. De facto, parece que tudo corre mal! Nem o Benfica ganha, nem o Sócrates se demite, nem a saúde funciona, nem a educação tem sentido, nem os ordenados aumentam, nem o desemprego diminui e, agora, para desespero dos portugas, nem a selecção tem treinador. Já é azar a mais! É que nem o santo Mourinho vai poder salvar a pátria, a pobre pátria agonizante, para desespero dos portugas infelizes. De manhã à noite, em todos os telejornais, a notícia de abertura é a novela Mourinho. Eu, que pouco percebo de futebol, e que até admiro a garra do Mourinho, acho absolutamente ridículo o espaço, e o tempo, dedicado a este assunto. Será que o objectivo é afastar-nos dos problemas reais? Ou, pior!, deixar que o governo continue cometendo barbaridades sem que a gente se aperceba?? Será??

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Paisagens

Sucedem-se os verdes, os azuis dos rios, o Minho, o Vez, o Lima também. O automóvel circula, seguro, ora serpenteando nas curvas - olha as videiras! olha as vindimas! Olha que solares lindos! - ora veloz nas modernas auto-estradas. A vida passa em paisagens novas, intensas, lembrando-lhe frases lidas, aprendidas de cor, repetidas, ano após ano, aos seus alunos. "Sou a minha própria paisagem" - Pessoa, sempre. E ela a negar o seu poeta, a rir-se, livre, das teias que sente prenderem-na à leitura, à escrita, ao sonho eterno.
Agora, a sua paisagem é feita de descoberta constante, de encantamento face ao que a rodeia, de espanto real perante a força da terra que descobre. Agora, sente de volta o romantismo e apetece-lhe perder-se, "para se encontrar", no Palácio da Brejoeira, nos caminhos empedrados das Vilas minhotas, no falar alegre, sibilado, das gentes sempre simpáticas. Agora, a paisagem não é o seu eu e, por isso, sem culpas saboreia a broa e o vinho - Alvarinho - sentindo que, se a paisagem exterior é o Minho, a interior é o paraíso. Seja lá isso onde for...

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Deu-la-Deu


Foi há muitos anos, no tempo dos Castelos e dos cercos, ainda quando os espanhóis eram inimigos, que Monção ficou cercada pelos cobiçosos. Nada entrava na vila e a fome, terrível, ameaçava já. Então, reza a lenda, uma mulher (sempre a coragem no feminino) jogou uma cartada arriscada: - Mandou que se esgotasse a farinha existente em pão e que, esse mesmo último pão, fosse lançado das muralhas.
Os espanhóis, surpreendidos com tamanha abundância, levantaram o cerco. Hoje, a Deu-la-Deu dá nome a Praça na vila de Monção e está imortalizada numa escultura estranha.
Hoje, os cercos e a fome continuam. Talvez menos visíveis, porventura menos assumidos. E, hoje também, as mulheres continuam a fazer-se de coragem na luta pela salvação daqueles que amam. Há lutas, acho eu, que são só das mulheres. Serão sempre só delas. E, se não deitam o pão pelas muralhas, deitam o coração à vida.
Deu-la-Deu. O rio Minho, a praia LINDA de Moledo e os sentires aos saltos. É bom viver!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Quimeras

Cartas a Julieta. Um filme inocente, simples, previsível, com um fim que se antecipa facilmente. No entanto, um filme que nos deixa de bem com a vida, em paz com a existêcia, de alma lavada e baterias recarregadas.
A propósito do eterno Romeu e Julieta, conta-se uma história de amores adiados, de procuras antigas, talvez tentando gritar, para lá dos ditos, na metalinguagem do cinema, que para o Amor não há tempos, não há prazos. A enriquecer o filme, as paisagens soberbas da Toscana. As vinhas, os amarelos, Siena, Verona, contrastando com uma Nova Iorque atarefada e cosmopolita.
É bom ver filmes assim. Porque nos fazem sorrir, porque nos aquecem as emoções, porque nos dão vontade de acreditar.
Afinal, a vida não se faz de obras-primas. Pelo contrário, cumpre-se num fazer de pequenas coisas...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O PIOR É O NADA

Este novo ano lectivo, com polémica como sempre, vem exigir o cumprimento, de um máximo de 12 horas, em cada ano de escolaridade, na área da educação sexual. Como mãe, professora, cidadã, mulher, gostava mais de ver a abordagem desta dimensão noutros moldes. Preferia que se falasse em educação dos afectos, gostava de ver trabalho feito em regime de transdisciplinaridade, gostava de ver bem separada a fisiologia da afectividade. Para mim, fazia mais sentido abordar a dimensão humana da afectividade na sua dimensão mais abrangente. Mais do que falar de preservativo, de SIDA, de gravidez precoce, de aborto, penso ser importante falar de individualidade, de dignidade humana, de respeito pelo outro.
Considero que, num mundo onde parecem premiar-se as agressões e os desentendimentos, os egoísmos e os umbiguismos, fazia sentido abordar-se a sexualidade numa perspectiva essencialmente humana, favorecedora da socialização harmoniosa do indivíduo.
No entanto, e consciente de que "o óptimo é inimigo do bom", penso que é muito importante que o Ministério da Educação tenha dado este passo, tenha tido a coragem de incluir no currículo dos alunos, com tempos específicos atribuidos, a educação dos afectos.
Agora, há que pensar no passo seguinte. Estaremos nós, professores, preparados para abordar esta área de formação? Estarão as famílias, de forma geral, aptas a aceitar esta tarefa que, sem dúvida, terá de ser articulada entre a família e a escola? Tenho muitas dúvidas. Mas, ao mesmo tempo, muita esperança que a Escola não deixe fugir esta oportunidade de se cumprir no seu papel mais importante: - EDUCAR PESSOAS!!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Prefixo RE

Re-começo. Re-início. Re-viver. Re-etc. Um etc sem fim porque, sei lá porquê, a vida usa e abusa do prefixo re. Às vezes, para mim, o RE surge carregado de nostalgia, de receios, de temores. É sempre assim, no início do ano lectivo! Um re-começo que me atrai, estou sempre cheia de saudades dos alunos, mas que, simultaneamente, me assusta. Todos os anos, ultimamente, re-torno à vida profissional com a alma encolhida. É que as mudanças anunciadas são, cada vez mais, perfeitamente idiotas e assustadoras! A cada RE-início escolar sinto mais longe o meu sonho de uma escola inteligente, moderna e com sentido. Vou voltar às aulas, aos meus alunos desafiantes, aos jovens com o direito de crescer e não só, como a Escola pretende, de envelhecer.
Felizmente, também há RE que anunciam novas oportunidades, novos futuros!!!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Reciclagem


Era um velho palacete. As paredes grossas, os tectos trabalhados,as portas altas, os azulejos gastos denunciavam, com visível tristeza, histórias antigas, dos tempos das grandes famílias, das casas ruidosas, das mesas cheias e dos quartos ocupados. Cá fora, olhando para o jardim dos Mal-Encarados,a frontaria de azulejo pedia a piedade da recuperação.
Desconhecedores do nome do pequeno jardim, por antinomia bem-humorados, eles chegaram à velha casa, agora hotel, dispostos a descansar. O Palacete recebeu-os, condescendente, não os acusando de intromissão abusiva mas deixando perceber, talvez pelas janelas mal fechadas, que eram por necessidade acolhidos. Sim, eram estranhos à velha Casa, cansada e gasta, humilhada na reciclagem mal feita, sofrida por abandono e agressão. Foi-lhes entregue uma chave antiga, pesada, e, no olhar curioso, aos poucos, foi crescendo a certeza de que aquele lugar, ali mesmo no coração alentejano, merecia bem mais do que um pace-maker de modernidade...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Espuma


É como a espuma do mar, a vida. Acontece em ondas, sucessivas, ora calmas, ora violentas, leva-nos ao cume e, rapidamente, estende-nos por terra. Desfaz-se nas mãos, a espuma das ondas, e gasta-se em mil nadas a vida vivida. Como a onda morre na areia, morre a vida depressa demais. Tão ténue a espuma. Tão ténue a vida.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Hora Mágica


Ao fim do dia, quando o sol parece cansado de um esforço longo, o céu veste-se de uma cor suave e o mundo pára. É a minha hora preferida. A praia fica quase vazia, as gaivotas vêm para terra, e os miúdos, bronzeados e simpáticos, começam a arrumar as cadeiras, a fechar os toldos, a sugerir aos mais resistentes que é hora de largar a praia.
Gosto de ficar ali, sem horas, olhando, sonhando,gozando o marulho salgado, fazendo projectos também. Penso, muitas vezes, que é um momento que Deus concede para que o Universo respire fundo, carregue baterias, se prepare para mais um Tempo. Exagerado sempre.