segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Conto de Natal

Da janela olhava o branco e ouvia, sempre quando nevava ouvia, o Poeta Augusto Gil "batem leve, levemente, como quem chama por mim (...)". Não. Ninguém batia, ninguém chamava por ela.
Tinha escolhido aquele lugar isolado, num país de língua diferente, com cheiros novos, paisagens que sempre a encantavam, para viver o Natal. O seu Natal! Não queria sentir as presenças das muitas ausências que doíam, não queria ser o número ímpar nas muitas Consoadas para que fora convidada, não queria ficar em casa olhando a infância retratada dos filhos, a árvore de Natal cansada ou o Presépio simples que fizera, religiosamente, antes de partir. Queria viver o Natal da sua solidão na companhia de projectos.
Olhou a cabana de montanha, o fogo aceso, o cheiro a madeira, a cama excessivamente larga coberta com um edredão branco. Tinha arrumado já a roupa de neve e, enrolada no velho robe que nunca dispensava, instalou-se, enroscada no sofá alheio, olhando as chamas e saboreando o licor que tinha encontrado, com frutos secos, em cima da mesa. No parapeito da janela larga, o Menino olhava-a das palhinhas e a Virgem baixava os olhos, ternamente, para Ele. Sacudiu a melancolia que ameaçava instalar-se, prometendo não ceder e gozar aquele primeiro Natal sozinha em paz e conforto. Os filhos estavam bem, com as famílias, telefonar-lhes-ia mais tarde, e ela também estava bem, ali, "será chuva?, será gente?", na sua paisagem de eleição. Fechou os olhos e lembrou a velha casa de infância, as cantigas ao Menino, o perú morto a encher a mesa da cozinha. Viu os irmãos correndo, a lareira da sala carregada de lenha, e ouviu o Pai a garantir que o Menino Jesus só chegaria pela meia-noite mas, como vinha com muita pressa, ninguém podia vê-lo sequer. Quantas vezes repetira ela mesma essa história aos filhos?...
Este ano, desejava que o Menino não estivesse apressado, que não passasse correndo e tivesse tempo para sentar-se com ela, enroscado no sofá, provando o licor gostoso. "Gente não é certamente, e a chuva não bate assim...". Acordou sobressaltada. Batiam mesmo?! Alguém batia à porta da cabana?! Seria um empregado do Hotel? Com dificuldade, sentindo o corpo entorpecido, arrastou-se até à porta. Era ele, o Menino! O desejo feito realidade!! Abraçou-o com força rezando um obrigada, Meu Deus, por deixares que ao menos os Contos de Natal terminem bem!!

1 comentário:

  1. Há que tempos não ouvia um conto de Natal! Obrigado por me proporcionar a leitura deste conto que tem muito de seu!

    ResponderEliminar