quarta-feira, 27 de abril de 2011

Fugas

A televisão bramia a crise, o FMI, as medidas sufocantes e castradoras de sonhos. Ela, numa consciente opção de avestruz, cedeu-se o privilégio de calar as notícias incómodas e abrir a porta ao sonho. Vieram as memórias antigas, de tempos com sentido, de olhares a quatro olhos, de cumplicidades efectivas. Via-se sob o candeeiro mágico, romanticamente pintado, naquele hotel onde, há quanto tempo?, fora muito feliz. Lembrava bem o candeeiro, simplesmente seguro na parede forrada de papel, luz difusa, convidando a confidências, a partilhas, a comunhões e projectos. Então, abrigara-se no ombro cúmplice, murmurava inconfessáveis, sonhara um futuro excessivamente adiado. Lembrava o cenário envolvente, as leituras que a definiam, as palavras feitas conversas de sentidos e sentires, sentia doer o hoje ao confrontar-se com o então.
Muitas vezes achava que poder esquecer era uma grande vantagem humana. Hoje, achava que recordar era ainda melhor...

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