domingo, 5 de abril de 2015

DOMINGO DE PÁSCOA

É outra vez Domingo de Páscoa. E eu, que já vivi muitos domingos de Páscoa, vivo mais um sem sentimentos de repetição. Porque todos os Domingos de Páscoa foram, para mim, sempre singulares.
Lá longe, ao fundo do túnel grande que a memória ilumina, vejo os Domingos da minha infância. Casa cheia, o Tio Eutíquio e a Tia Maria Luísa a chegarem cedo, o meu Pai a orientar tudo e a casa a encher-se de cheiros bons. Lembro-me das batatas fritas, nunca mais comi iguais, do cabrito tenro, dos doces que enchiam a mesa. Mas lembro-me, sobretudo, da família grande, das conversas que faziam o almoço pegar com o jantar, das janelas abertas para a cidade, das cores da Primavera tão tenra quanto o cabrito. Então, eu detestava a sopa de miúdos. Aquela cor castanha, os bocados de sangue que eu pensava serem carne mole, apavoravam-me. Eram os Domingos de Páscoa com canja...
Nesse tempo, a minha avó Leonor gostava de pôr a mesa, de colocar tudo numa ordem que era só dela e eu gostava de a ajudar. Era o Tempo dos Vivos!
Hoje, adoro sopa de miúdos! Já sei cozinhá-la, gosto de ir ao quintal colher as laranjas e de as cortar em rodelas finas, já sem casca, para depois as deitar na sopa. Gosto dos cominhos que coloco no final, da cor castanha que fica na panela e na terrina de flores. Hoje, lembro outras Páscoas também. 
Páscoas de missa chorada, num canto sozinho da Igreja Grande, com medo do futuro que era já presente de agressão e dor.
Mas hoje, agora, sento-me na varanda e reparo que a cidade continua lá, em baixo, no alinhamento curioso dos telhados. Hoje, sei que me faço boa companhia, que a minha solidão se enche de memórias e, porque não sonho mais, não temo desilusões.
Este é o Domingo de Páscoa da aceitação. Sim, aceito a impossibilidade de compreender, aceito o sonho quebrado e aceito, ou tento..., a desistência do sonho.

1 comentário:

  1. Luisa, os anos passam, as sociedades modificam-se e portanto para o bem e para o mal nada voltará ao que era dantes!
    Eu recuso as saudades porque ás vezes tornam-se em memórias agridoces e francamente eu só gosto do que é doce!

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