sexta-feira, 17 de junho de 2016

Três da Manhã

Acordou a saborear o escuro. Lá fora, baixinho, o vento insistia na melodia soprada. Lá dentro, em casa, o silêncio imperava e a luz verde do despertador anunciava as três horas. Horas de dormir, pensou. Sim, porque há horas para tudo. Como há exigências, modelos, comportamentos, indumentárias... Porque a vida se tornou, ou deixaram que se tornasse, num receituário infindável. 
Às três da manhã, dorme-se, gritava mudo o despertador. Ela ligou a luz, abriu o livro e entrou no ataque dos mouros a Leiria. D. Afonso Henriques andava por Guimarães e, violentamente, os cristãos eram dizimados. Sorriu à bela Chamoa, fugindo aterrada, e mostrou o seu desprezo a Raimunda, movida essa pelo ódio e desejo de vingança. Então não haveria insónias? Fechou o livro e tentou o sono. Não vinha... E ficou, ali, questionando a existência,  
Por que insistia o mundo, pessoalizado sempre, em exigir o que não podia cumprir? Por que razão era tão difícil aceitar, respeitar, sem julgar nem condenar? Olhava o escuro e desejava compreender... Sim, estava a envelhecer. E não, envelhecer não era nada de bom... Estava cansada de adiamentos, de imposições e impossíveis, de julgamentos e críticas. Queria que as rugas da pele não se reflectissem na alma. Queria que a Morte não se aproximasse. Queria, enfim, dormir em paz. 
Porque, às três da manhã, são horas de dormir...

1 comentário:

  1. A vida tornou-se num receituário infindável???? Não concordo muito. Muitas normas que cumprimos são apenas necessárias ao bom andamento da vida social. Outras ao nosso bem estar pessoal. Apesar de algumas vezes também me pôr a ler às três da manhã, acordar a tal hora estraga-me o dia.

    Hummm...pensa muito em hora tão abusada. Às três, a maioria de nós não pensa nada de jeito. Mas é muito bonito o silêncio nessa hora. É denso e atento, carrega o sono de quase toda a gente e estende-se para as coisas poderem relaxar, espreguiçar-se a abrir braços nunca vistos por humanos, bocas bocejantes, pés que se esticam a mostrar alívio de dedos. E isto não acontece às cinco, nem às quatro, mas às três. Às três da manhã:). Apenas.

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