sábado, 2 de julho de 2016

O Portão Verde

O portão verde, da velha casa amarela, está sempre fechado. O portão verde abria-se de par em par e dava entrada a familiares, amigos, aos filhos e aos donos da casa. No início, era um portão estreito que se impunha, violentamente, riscando os automóveis desconhecidos. Depois, o dono da casa mandou alargar a passagem, ele tinha também um coração largo, e o portão tornou-se, ainda que por imposição, mais receptivo. 
Do portão verde vê-se a velha casa amarela. Na velha casa aconteceram partos, mortes, amores, discussões, festas e desentendimentos.  
A vida revelava-se, a cada dia, nas manifestações de momentos que as muitas memórias haviam de eternizar. A velha casa enchia-se de risos de crianças, as hortênsias guardavam segredos, e os velhos muros não contavam nunca as ousadias que presenciavam. Na velha casa, os passos faziam estalar as madeiras, as vidraças enchiam-se de mosquinhas minúsculas quando o Verão chegava e, às vezes, uma ou outra osga abusadora instalava-se na parede da sala. Na velha casa amarela, tinha havido sonhos infantis, lágrimas muitas e ternuras sem limite.
Agora, o portão verde está sempre fechado. A velha casa está vazia e as madeiras, quando gemem, é de dor pela ausência imposta. No quintal, as ervas assustam as hortênsias, as rosas cruzam-se com cobras e a relva faz inveja às árvores. 
Quem fechou a velha casa chora inda. E a vida impõe silêncio garantindo que são apenas paredes... Paredes. Mas paredes com vida, com presenças que, tendo partido, ficarão para sempre. 
Se eu pudesse, eu havia de abrir de novo, de par em par, o grande portão verde!

2 comentários:

  1. E porque não tenta? Ou a casa não lhe pertence?
    As casas velhas, se não são velhas demais, ressuscitam com gente nova, outros risos, automóveis diversos a visitá-la... mas às vezes as casas não querem ser acordadas, não se dão a substituir memórias e acabam a esboroar.

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  2. Luisa, quantas vezes, quando ando no meu jardim, podando flores já murchas ou arrancando ervas aqui e além, como será daqui a 10 anos! Faço por afastar da mente as ervas crescidas de onde saem hirtos os agapantos... O meu jacarandá esse ficará sempre lá cobrindo uma relva por cortar. Compreendo bem o seu sentir.

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