sábado, 11 de novembro de 2017

ARQUITECTA

Se eu fosse arquitecta, havia de fazer uma casa para o meu eu. 
Não para mim, para a pessoa exterior, mas sim uma casa onde pudesse viver o meu eu interior. Havia de fazer um quarto grande, cama king size de edredão branco, para deixar descansar no conforto as minhas ilusões, as mágoas e as tristezas. Seria um quarto amarelo, amarelo suave, com uma larga janela para a Serra. A minha sala teria uma lareira sem fazer fumo. Aí, eu ia deixar que os meus poetas se  instalassem para falarem de outros sentidos, bebendo comigo um tinto com canela. Havia de gostar de os ouvir discutir a força da ironia, a alegria das onomatopeias, as brincadeiras das hipálages. Na cozinha, que seria enorme e cheia de cores e cheiros, eu havia de misturar canela e alecrim, hortelã e gengibre, caril e açúcar. Seria um laboratório para criação de verdadeiros sabores de vida. 
A casa de banho, essa,  seria luminosa e o autoclismo muito eficaz. Muitíssimo eficaz! Porque eu havia de enfiar lá todas as traições que sofri, todas as mentiras que me feriram e ferem, todas as pessoas más (muito más) com que me cruzei!
Às vezes, tenho mesmo pena de não ter sido arquitecta...

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