quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

São Julião

Quem é de Portalegre, conhece São Julião. É uma freguesia rural, bem localizada no coração do Parque Natural da Serra de São Mamede, com casinhas e Montes semeados por mão desatenta, habitada por gente idosa e sozinha. São Julião está pertinho de Espanha, abrigou contrabandos, guardou mistérios e acolheu silêncios. No frio do inverno, ao fim da tarde, há no ar um cheiro a fogo saudável, a lareira quente, a lenha real que entra, às vezes quase doendo, no meu coração. No Verão, surgem retalhos verdes, campos de cerejeiras e ginjas, abóboras laranja pintando a paisagem, quadros de Monet ao vivo. 
Conheço bem São Julião. Conheço o sabor único das cerejas gordas, sei de cor as ruas esburacadas, reconheço as quedas de água de muitas caminhadas.
De Portalegre a São Julião, distam cerca de 18 kms de muitas curvas, muitas subidas, muitos pinheiros e horizontes largos.  A solidão, o envelhecimento da população, a miséria crescente, são hoje, infelizmente, sinais de alarme em São Julião. E quantos São Julião não existirão por esse Portugal?! Lembro-me de Torga, no seu telurismo intenso, dizendo que o Alto Alentejo e Trás -os-Montes são iguais só que, no Alentejo, um gigante poderoso esticou os montes...
Não tenho dúvidas que, no meu Portugal, há muita gente isolada, envelhecida, sozinha. Como não tenho dúvidas de que o governo tem obrigação de minimizar, porque eliminar seria utópico, as diferenças entre estes portugueses e aqueles que habitam em centros urbanos desenvolvidos. Assim, não compreendo, não consigo aceitar, que nos venham propôr uma reorganização do território feita a régua e esquadro, olhando as pessoas como se fossem números, contribuindo para tornar os sozinhos mais sozinhos e os pobres mais pobres. Não compreendo como pode sequer sugerir-se a extinção de freguesias rurais, em lugares onde a Junta é o único elemento de apoio às comunidades! Não sei se a culpa é da Troika, nem me interessa muito saber. Para mim, a responsabilidade é de um governo que, obcecado por números, se esquece da pessoa que mora em cada habitante, em cada eleitor.
Sem dúvida os tempos mudam, os países alteram-se e as reformas administrativas têm de acontecer. Contudo, evoluir não pode ser prejudicar as pessoas!
Na totalidade do orçamento do estado (as minúsculas são opção), as freguesias representam 0,10%. Será por aqui que se deve começar a cortar?! Tenho muitas dúvidas...
Eu estou desiludida com este governo, já o disse. Mas, esta noite, com o frio gelado por companhia, mais do que desilusão vivo uma profunda revolta! Não podemos permitir que se continue a legislar contra os cidadãos!!

1 comentário:

  1. Este pequeno governo tem um primeiro-ministro pequeno, habituado à urbanidade de Massamá, e da linha de Sintra, onde as pessoas vivem aos magotes.

    Ficou seduzido por esta forma de vida, de tal maneira, que esqueceu a ruralidade do Trás-os-Montes, onde nasceu, e esqueceu as aldeias, esqueceu o isolamento, esqueceu o desconforto, esqueceu os sacrifícios de quem lá mora, ou sobrevive...

    E esqueceu, ou não sabe, que também há Beiras Interiores, que há Alentejos Imensos e Algarves Serranos...

    Que raio de governozinho este, tão esquecido!

    Cumprimentos.

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