sexta-feira, 25 de outubro de 2013

MARMELADA

A cozinha enchia-se de caixas, havia um cheiro intenso no ar, a minha avó vestia um enorme avental e a empregada ficava com os dedos calejados. O chão da cozinha estava escorregadio, nas janelas escorriam lágrimas de chuva. Os dias acinzentavam-se, a noite chegava mais cedo e começava a época da lareira. Começava, também, a minha estação preferida! Eram os marmelos, que caíam dos velhos marmeleiros gordos e pesados, que anunciavam a chegada do Outono da minha infância. A minha mãe orgulhava-se da sua marmelada, bem clarinha, capaz de desenformar logo às 24 horas, e eu adorava comê-la com maçãs de Bravo de Esmolfe. São paladares vividos que nunca esquecerei! Podem roubar-me o ordenado, destruir-me o quotidiano, estilhaçarem-me os sonhos, mas as memórias, essas são o meu património mais rico. São mesmo minhas! E são o que me vale quando os dias doem demais, quando a ternura foge e a solidão se instala. 
Ontem, dia de muita chuva a doer por dentro, a marmelada fez-me voltar às memórias. 
Foi-me oferecida embrulhada em carinho, num tupperware dos antigos, com recomendações e desculpas. 

Era uma gracinha, diziam os olhos brilhantes, os gestos rápidos, a voz despachada da minha aluna Patrícia. Para a professora pôr no seu blog... E eu tirei a marmelada da caixinha, reparei como estava brilhante, e saboreei-a com deleite. A marmelada oferecida adoçou a minha tarde, interrompeu a minha solidão e coloriu o negro que me envolve. 
Agora, vou devolver a caixinha e fazer render a marmelada. É que, cada vez mais, a existência (a minha) se faz de muitos amargos sensaborões...

4 comentários:

  1. ...humm..., que bom! -É com estes textos de "Outono" que eu me delicio ao pequeno almoço...

    Pela cor, a marmelada está no ponto!

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  2. Também adoro... Porém, depois fico com um certo remorso pois nunca me fico por uma tosta com um bocadinho, como mostra na fotografia!
    E no fim do inverno lá estão mais uns centímetros onde não deviam!

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  3. É o tempo dela... e dos marmelos, das castanhas, dos dióspiros, das romãs, dos medronhos... os frutos de Outono que enchem de inspiração os poetas e de deleite os apreciadores...

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  4. Ainda bem que gostou professora, para o ano há mais :P Espero que que lhe tenha alegrado a tarde, e sobretudo que enquanto a estivesse a comer se tenha lembrado aqui da sua reguila aluna. Obrigada por me aturar todas as semanas, beijinhos Patricia

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