domingo, 5 de fevereiro de 2012

Domingo

Estica-se, espreguiça-se e sente o frio lá fora. Fecha os olhos pedindo, em silêncio, um concerto de chuva. Tem saudades da água honesta e dura que, dantes, caía do céu com violência, lavando as ruas, empapando os caminhos. Em criança fazia pontaria às poças: um, dois, salto na lama!, e as calças enchiam-se de pintas líquidas, os sapatos viravam montes de terra que secava, só para chatear, debaixo da cama onde os escondia. Da escola a casa o caminho era curto, excessivamente curto para a sua vontade de adiar o fazer os trabalhos de casa  e, por isso, às vezes alargava o percurso e ia até ao pinhal. Aí, havia procissões de lagartas verdes, peludas, que os homens da Quinta queimavam em rituais que a faziam esconder-se no sotão. Tentara que elas nadassem, empurrando-as com o bico do sapato, ou com um pauzinho, para dentro das poças, mas nunca tivera sucesso na sua tentativa. Morriam sempre!
Onde ficara essa infância? Onde teria ido parar o Tempo das lagartas peludas e crentes (sempre sempre em procissão), da inexistência de saudades, das verdades simples como a chuva certa nos meses de inverno? Sem ousar pôr o nariz de fora, continuava sem ouvir chover. O vento sibilava, a velha nogueira rangia, o melro ousado não conseguia pousar no parapeito, mas a chuva não vinha.
Olhou o relógio. Cedo. Cedo para domingo, tarde para 2ªfeira... Resolveu fazer render o domingo, o único dia quase (apenas quase...) inteiramente seu e ficou folheando chuvas passadas. Sem dar por isso, sentiu o rosto húmido. E não era essa a chuva que desejava!

2 comentários:

  1. Quantas vezes não folheamos a vida, não andamos com as páginas para trás à procura de momentos, de vivências, das poças de lama da infância, dos passeios de bicicleta pelos caminhos de terra, do primeiro beijo junto à mesa de camilha, das chuvas fortes que lavam e molham...

    Obrigado pela viagem lá atrás!

    Cumprimentos

    ResponderEliminar
  2. É delicioso relembrar as chuvas do passado, e, principalmente no quentinho da cama, ao domingo, com tanto frio.A chuva faz falta, mas está um tempo tão cheio de luz apesar do frio!
    Gosto de ter sol, dá mais alegria apesar destas crises.
    Espero que tenha aproveitado o domingo e que tenha secado a chuva que lhe molhou o rosto, rapidamente...
    Boa semana!

    ResponderEliminar