quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O CIRCO

O Circo, o de Victor Cardinalli (não o dos políticos), chegou à minha cidade. Há cartazes que garantem a presença de um leão branco, malabarismos e camelos. De vez em quando, ouve-se a voz rouca do megafone convidando todos - adultos e crianças - a ir ao Circo. Traz-me muitas memórias, o Circo...
A primeira vez que fui ao circo, perto do Natal, em Lisboa, deveria ter 4 ou 5 anos. A atracção principal não era um leão branco, mas um gigante negro. Entrei na tenda vermelha, chão de pó, com os meus pais e irmãos. Cheirava a esterco, havia pó e, na pista, um homem de fato reluzente gritava num microfone roufenho. Sentámo-nos numas tábuas e fomos assistindo ao espetáculo. Desfilaram os cães, os elefantes, os malabaristas e as contorcionistas. Uma miúda, pouco mais velha do que eu, enrolava-se como cobra, saltava feita bola e, no fim, pedia palmas. Lembro ainda o olhar dela, muito escuro e intensamente brilhante, pedindo aplausos com orgulho. Vestia um biquini luminoso, achei que feito de estrelas, e parecia não ter ossos... Quase no final, quando os palhaços já tinham molhado o público com uma bisnaga gigantesca, e os leões tinham saltado pelo arco em fogo, entrou a atracção principal: - Um homem negro, preso com uma corrente, anunciado como tendo dois metros e vinte de altura, foi exibido. Ao lado dele, um anão, figura grotesca com um barrete de sinos, saltava e beliscava o gigante. Lebro-me que desatei a chorar, em silêncio, e que, durante muitas noites, a crueldade exercida sobre aquele homem enorme aterrorizou o meu sono. Foi, penso agora, a primeira mostra da realidade da vida...
Não me lembro do que disseram os meus pais, ou sequer os meus irmãos, mas guardei em mim os cheiros do Circo e a figura grotesca e triste do "Gigante de Moçambique". Nunca mais quis ir ao Circo...
Com as minhas filhas pequenas, vencendo o meu horror, voltei ao espectáculo de feras e cor. Era, então, um Circo miserável,  e a minha filha mais velha esteve todo o tempo a lamentar a vida das crianças, o tratamento dos animais e a penúria do espaço. Como eu, ela sofria com alguma desumanização que adivinhava. O Circo ficou, então, definitivamente eliminado dos nossos programas de lazer.
Hoje, esbarrando com os cartazes que dão cor à minha cidade triste, lembrei-me do gigante de Moçambique. Agora, noite escura, penso nos medos de então e acho-os insignificantes face aos de hoje!

2 comentários:

  1. A verdade é que esta vida é feita um circo, com intervenientes manhosos, alguns cheios de prosápia, outros a tresandar vigarice, uns para nos fazerem rir, outros a equilibrarem-se no fio da política com medo de caírem e, do outro lado, na bancada, uns a aplaudir, outros a rir e, muitos, cheios de medo, das cobras, do leões rugidores, da gigante aflição que nos atormenta a todos!
    Circo? Já basta o da vida!
    Palhaços? Somos nós, todos!
    Bjs

    ResponderEliminar
  2. A senhora do trapézio voador, os elefantes e os cavalos bem escovados, a orquestra lá no alto, o apresentador com fatiota reluzente, as tropelias dos cascadores e o algodão em rama no intervalo, são memórias boas da nossa infância.
    Um viva aos artistas do circo!

    Bjs

    ResponderEliminar