sexta-feira, 31 de maio de 2013

O Abraço


No escuro da noite ela sente o abraço dele. Não conversam, as palavras quebrariam o cristal frágil da noite morna, mas partilham as angústias de um tempo duro, difícil, que o abraço ilude. Ela sente o peito largo, o abraço forte, o odor intenso do after shave que ele sempre deixa no lavatório, ele reconhece a presença do Pleasures eterno. Ela fecha-se no espaço onde se sente protegida, ele sorri e ajeita o braço. Deviam estar a dormir, mas a insónia acontece mesmo no sonho, e eles deixam-se estar, presentes na ausência, embrulhados no édredon de saudade que faz doer demais. Não há, hoje, anjos curiosos espreitando os sonhos, não há demónios negros tecendo dores a haver. Há, apenas, o abraço desejado, lembrado, preso na esquina do impossível, no lugar mesmo onde espreita o agora. É um abraço sonhado, que se desfaz na bruma da manhã que, em Junho quase, insiste em acordar fria e húmida.

4 comentários:

  1. Um abraço forte, mas feito de suavidade, um abraço intenso, mas cheio ternura, um abraço quente, mas com arrepios de emoções... Um abraço sempre, sem mas... um abraço presente, total, imenso,autêntico... como deveriam ser, sempre, os abraços.

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  2. O Amor, meu amor

    Nosso amor é impuro
    como impura é a luz e a água
    e tudo quanto nasce
    e vive além do tempo.

    Minhas pernas são água,
    as tuas são luz
    e dão a volta ao universo
    quando se enlaçam
    até se tornarem deserto e escuro.
    E eu sofro de te abraçar
    depois de te abraçar para não sofrer.

    E toco-te
    para deixares de ter corpo
    e o meu corpo nasce
    quando se extingue no teu.

    E respiro em ti
    para me sufocar
    e espreito em tua claridade
    para me cegar,
    meu Sol vertido em Lua,
    minha noite alvorecida.

    Tu me bebes
    e eu me converto na tua sede.
    Meus lábios mordem,
    meus dentes beijam,
    minha pele te veste
    e ficas ainda mais despida

    Pudesse eu ser tu
    e em tua saudade ser a minha própria espera.

    Mas eu deito-me em teu leito
    quando apenas queria dormir em ti.

    E sonho-te
    quando ansiava ser um sonho teu.

    E levito, voo de semente,
    para em mim mesmo te plantar
    menos que flor; simples perfume,
    lembrança de pétala sem chão onde tombar.

    Teus olhos inundando os meus
    e a minha vida já sem leito,
    vai galgando margens
    até tudo ser mar.
    Esse mar que só há depois do mar.

    Mia Couto

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  3. Não sei quem é o anónimo, mas obrigada pelo poema lindo! O Amor é difícil, mas é lindo.

    Luísa

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