domingo, 5 de julho de 2020

OPÇÕES

Encostou-se à cabeceira da cama, da cama onde crescera e que a mãe insistia em encerar, e enrolou o charro. Fumou sofregamente. A nuvem azulada cresceu e ele fechou os olhos. Quando tinha começado aquilo? Às vezes, pensava que tinha sido uma reacção, como quando, sem pensarmos, fechamos os olhos ao sol, à normalidade que os pais tinham querido impor-lhe. Tudo certo. Férias no Algarve, preocupação com as notas, olhares críticos quando surgia com a t-shirt desbotada do Che, ou com mochilas rasgadas. Os pais eram assim. Previsíveis, preocupados, sempre organizados em excesso, e sempre lamentando a sua diferença do irmão. Deu uma passa mais, confirmou que a janela estava semi-aberta, e esticou as pernas, com as botas sujas, em cima da colcha que a mãe dizia ser valiosa. Não queria saber da colcha, da mania de tapar o necessário, o imprescindível, com o acessório. Mas talvez não tivesse sido só a vontade de contrariar os pais, os professores, o irmão. Afinal, ele fizera as suas escolhas e seria injusto culpar os outros. Lá isso, pensava vendo o charro consumir-se, liberdade de escolha sempre tivera. Dentro do razoável, dizia o pai. E era o razoável que o irritava. 
Enrolou novo charro, erva boa. Devia estar a estudar, os exames começavam no dia seguinte e esperavam muito dele. Ele é que esperava pouco de si. Dos outros também. 
Apetecia-lhe chorar, pedir colo, esquecer o corpo comprido e deixar à solta o coração encolhido. Quando tinha começado a fumar erva? Não sabia, agora, se os olhos picavam de tristeza, saudades do miúdo que fora ou raiva do mundo. Seria tão mais fácil se encontrasse uma causa alheia, um responsável para culpar. Mas, às vezes, a responsabilidade é interna e, aí, é difícil uma pessoa auto-esmurrar-se.
Podia ser o que quisesse, diziam. Mas esse era o problema. O que queria ele? E o exame de manhã, Pessoa, Vieira, Eça, Saramago, Garrett, e a professora de português a insistir para que lesse os jornais, para que conversasse e visse notícias.
Ah, quem disse que a juventude é a melhor fase da vida?

Sem comentários:

Enviar um comentário