quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A propósito de conteúdos...

Todos os professores sabem que agora se trabalha, ou deve trabalhar, em desenvolvimento de competências, em vez de em aquisição de conteúdos. Faz sentido. Faz sentido que seja importante saber usar o que se conhece, ser-se capaz de desenvolver conhecimentos e capacidades, trabalhar tendo em vista progressão e não, apenas, aquisição. Concordo com tudo! Como concordo que avaliar não pode ser comparar; que classificar é bem diferente (ou devia ser) de avaliar; como concordo com pedagogias activas e não exclusivamente expositivas. Assim, convicta das minhas didácticas, gosto de encontrar estratégias que permitam aos bons chegar a excelentes e aos maus atingiram, pelo menos, o aceitável. Com esta preocupação, e talvez excessivamente imbuída do espírito algo facilitista da época, costumo perguntar a mim mesma, quando preparo aulas "O que é que isto contribui para a felicidade dos alunos?". 
Porque eu acho que ser feliz, ou procurar sê-lo, é louvável. Acredito, mas de verdade, que existimos para ser felizes e não para penar...Ora, vem isto tudo a propósito de um conteúdo recorrente nos programas de português: - A Carta! Parece fora do tempo. Alguém escreve cartas, na era do email e do sms? Mas pego nas cartas de Lobo Antunes, ou nas de Régio à mãe, e deixo-me levar. Das cartas voamos para as emoções e, aos poucos, surgem cartas impossíveis. Há cartas que não ouso classificar, avaliar ainda menos, mas que revelam, na escrita intimista, muita da dor e ternura caladas nos meus alunos. 
Gosto especialmente de estudar a Carta! 
Assim, não resisti a partilhar a carta que um miúdo, 16 anos, escreveu para se desenvencilhar da tarefa proposta: - Redige uma carta impossível!
data: dia do nunca, ano sem graça de 00e qualquer coisa
Querido Mundo,
Escrevo-te porque, imagino, não tens email. Que outra razão haveria para o fazer? Provavelmente, não tens telemóvel, e isso justifica o estado lastimoso a que chegaste. Obviamente, não tens facebook e, meu caro, quem não tem facebook não existe! Por isso, tu não existes! Não existes como aprendi a definir-te na escola, uma bola achatada nas pontas (nunca percebi bem como é que as bolas tinham pontas, mas nunca perguntei não calhasse ter de cumprir um PIT), mas apenas como uma massa húmida, relativamente harmoniosa e assustadoramente perigosa. Escrevo-te, dizia eu, para mostrar à minha professora de português que aprendi a lição: - A data em cima, a saudação inicial e, em breve, a despedida. Porque tu nunca receberás esta carta (como são importantes, as ditas...) e porque, se a recebesses, não serias capaz de a ler, esta é mesmo a carta impossível. 
Para que serviu então? Em que medida contribuiu para a minha felicidade - palavras da minha setôra -? Não sei. Mas quero acreditar que desenvolvi a minha competência da escrita. Bolas, um tipo tem de acreditar nalguma coisa das muitas que nos impingem na escola!
Então, caro mundo, chegou a despedida. Canto inferior esquerdo, (ou direito, depende da perspectiva).

Até um dia destes e cuida-te, ainda que, para isso, tenhas de usar as terríveis catástrofes ambientais.
Com amizade (porque a carta é informal)
Miguel

Tenho alunos assim. E fazem-me achar que vale a pena trabalhar!

6 comentários:

  1. Parabéns ao Miguel! Ainda há putos porreiros, esperemos que não vão todos embora.
    João

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  2. Grande pinta de carta!! O Miguel sabe da "poda"...

    Eu sempre afirmei aqui, que a Setôra fazia parte do puzzle do Mundo,principalmente como professora, pela sua persistência e rigor,e, ao incutir esses valores nos seus alunos. Assim, sempre vamos a caminho de melhores homens, de futuro !

    Vá lá...nem tudo está perdido.Tenhamos esperança!

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  3. Esperemos que as competências não sejam só mais uma moda...A carta está nota 20!
    São

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  4. De acordo com o João: esperemos que o Miguel não vá embora! É um miúdo inteligente e com sentido do humor, por isso vai longe!^
    Parabéns ao aluno e à Prof!

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  5. Mudam os nomes, mas o que é necessário aprender, não muda!

    Gosto de ler cartas e biografias. diários...aqueles livros que nos permitem conhecer melhor a pessoa por trás da obra. Acho uma pena que hoje já não se escrevam cartas e não se possam guardar, para daqui por muitos anos contarem uma história. Mas é o preço da evolução.

    Gostei da carta do Miguel e nela descobri uma coisa: eu não existo!
    Não tenho facebook! Ora bolas! Não existo! Estou aborrecida!!!

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    1. Eu também não tenho facebook! já somos dois!(se calhar há mais!)

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